Mais Lidas

Vivendo Soraia em 'Quanto Mais Vida, Melhor!', Camila Rocha lembra infância na Rocinha: 'Ser um corpo preto favelado não é fácil'

Estreando na TV com a autêntica personagem na novela das 19h da Globo, atriz também integra o elenco de "Aos Nossos Filhos", filme cuja pré-estreia mundial acontecerá em Paris

Camila Rocha falou sobre representatividade, ressaltando a importância de ser uma mulher preta, de favela, que conseguiu um espaço na TV e no cinema
Camila Rocha falou sobre representatividade, ressaltando a importância de ser uma mulher preta, de favela, que conseguiu um espaço na TV e no cinema -
Mergulhada na arte antes mesmo de nascer, Camila Rocha vem colhendo os frutos que planta desde a infância. Cria da Rocinha, comunidade na Zona Sul do Rio, a atriz de 27 anos dá vida à autêntica Soraia, na novela "Quanto Mais Vida, Melhor!", da Globo, e integra o elenco de "Aos Nossos Filhos", filme de Maria Medeiros cuja pré-estreia mundial acontece dia 25 de janeiro, no Cine Majesttic Bastille, em Paris. A artista celebrou as vitórias da carreira e detalhou a sua vivência na maior favela da América Latina.

"Eu sou cria da Rocinha, assim como boa parte da minha família e tenho uma relação de sempre voltar lá, seja para visitar familiares ou amigos . É onde eu cresci e criei memórias, afetos, construí relações de amizades que seguem comigo até hoje", contou ela, que atualmente mora no Itanhangá, Zona Oeste do Rio.

Graduanda em Dança na UFRJ, Camila carrega essa paixão no DNA, já que é filha de uma ex-passista com um músico, e neta de uma baiana de escolas de samba.

"Eu digo que danço antes mesmo de nascer! Segundo a minha mãe, eu já dançava na barriga dela ao ouvir o grave ecoar nos atabaques. Minha família sempre foi festiva, eu cresci dançando na laje os clássicos do samba, do axé e até do forró. Antes mesmo de eu nascer meus pais desfilavam no carnaval pela Acadêmicos da Rocinha e minha avó Margarida, minha grande referência, desfilava de baiana. Então, quando cresci e tive idade para desfilar, comecei a ir também. E até hoje eu gosto de estar na Sapucaí, seja desfilando ou assistindo", detalhou.
Camila Rocha é cria da Rocinha - Foto: João Fenerich
Da Rocinha, Camila carrega uma série de aprendizados e memórias de sua infância, que impactam diretamente a sua forma de fazer arte.

"Enquanto criança eu aproveitava tudo que podia entre projetos, atividades recreativas e festas. Eu era uma criança muito observadora e me lembro de observar tudo, mesmo sem ter noção da magnitude que era ver a movimentação das mulheres da minha família, que se uniam nas lavagens de roupas, que teciam conversas e entoavam cantos. Montei um trabalho de performance chamado “Becos de veias”, onde danço palavras que tecem as memórias do meu corpo. Então, sim, a vivência que tive lá segue impactando diariamente", relembrou.

Contudo, a atriz destacou que também enfrentou dificuldades por ser criada na favela, sendo a principal delas o acesso às oportunidades.

"Embora a Rocinha seja uma favela da Zona Sul, ser um corpo preto favelado não é fácil! Eu me lembro de ter tido uma infância feliz na Rocinha, mas no olhar da criança é tudo mais amplo e mais colorido. Quando a gente cresce e olha para trás, percebe as dificuldades de acessos e recursos que nunca tivemos o suficiente", lembrou.

Apesar de ter feito o seu primeiro contato com a arte através da dança, assim como outros grandes artistas, Camila se desenvolveu como atriz no “Nós do Morro'', famoso grupo de teatro do Morro do Vidigal.

"Embora eu já vivenciasse os palcos e salas de ensaios com a dança, eu comecei a fazer teatro no Núcleo de artes do Leblon, que era ao lado do meu colégio. Ali comecei minhas primeiras experimentações com peças, até que soube por uma amiga que existia um grupo de teatro no Vidigal que fazia seleção para novos alunos – era o Nós do Morro. Tentei meu primeiro teste aos 14 anos e passei. Segui esse percurso no Nós do Morro por já habitar em mim um desejo imenso de estar em cena, de descobrir novos caminhos que eu pudesse ainda não ter experimentado, para viver o que ali afirmei que eu amo fazer, arte!", disse.

Em cena na novela das 19h da Globo, Camila Rocha contou como surgiu a oportunidade de trabalhar pela primeira vez na televisão.

"Através da minha agência Tingo de Lata surgiu a oportunidade de fazer o teste em 2020, eu fiz dois testes para a novela, para duas personagens diferentes. E quando fiz para Soraia ganhei o feedback dos diretores que “Eles haviam encontrado ali, em mim, a Soraia que eles procuravam", falou.
Camila Rocha na porta de seu camarim, na Globo - Foto: Acervo Pessoal
Falando da empoderada Soraia, a atriz destacou suas características preferidas na personagem de gênio forte, falando com quais ela se identifica.

"Eu gosto da sagacidade que a Soraia tem para lidar com tudo, ela tem um jeito próprio de lidar com as situações independentemente da opinião das pessoas. Ainda que possa parecer egoísmo, Soraia tem amor próprio, em alguma medida ela aprendeu e sabe pensar nela, ela se coloca em primeiro lugar. E isso é maravilhoso, ainda mais nos tempos atuais para uma adolescente preta de escola pública. Apesar das semelhanças de ambas termos estudado em escola pública e sermos super desenvoltas, Soraia é bem mais agitada que eu, mais respondona do que eu e, segundo a minha mãe, a Soraia é absurdamente mais sapeca que eu! O que nos difere ainda é a habilidade com skate e futebol, pois ela é boa no que faz e eu sou excelente para dar vida às habilidades dela (risos). E tem mais uma habilidade que vocês vão conhecer no decorrer da novela!", disse.

Sobre os talentos de sua personagem, Camila deu detalhes sobre a sua preparação para viver o papel. Tendo que aprender a andar de skate e jogar bola, a atriz explicou que sua experiência com a dança ajudou nesse processo. 
"Ter consciência corporal me ajudou muito na construção da Soraia, eu fui muito bem amparada no futebol pelo Jamir Gomes, ex-jogador do Botafogo, que é um mestre que levo para vida com muito carinho e respeito, assim como o Bruno Piu, que deu um super amparo no skate para que eu pudesse entender as bases e dinâmica de estar sobre as quatro rodinhas. Soraia também grafita junto aos amigos durante a trama, e o artista Toz conseguiu passar muitas dicas e direcionamentos para fazer o grafite. Eu estou imensamente feliz por ter passado por laboratórios de construção como esses, eu gosto de experimentar e vivenciar novas propostas para construir um personagem, me sinto viva.” 
Em “Quanto Mais Vida, Melhor”, Soraia vive um triângulo amoroso com Tina (Agnes Brichta) e Tigrão (Matheus Abreu). Camila falou sobre o feedback que o público tem dado sobre sua personagem. 
"Esse triângulo dá o que falar! Nas redes as pessoas torcem por Tigrão e Tina, mas muitas pessoas também gostam do rebuliço que a Soraia causa. O que todos ficam se perguntando é “Quando Tigrão vai se decidir?” Afinal, a Soraia sabe o que quer!", falou.
Camila Rocha e junto com seus companheiros de cena na novela "Quanto Mais Vida, Melhor!" - Foto: Acervo Pessoal
Camila também falou sobre representatividade, ressaltando a importância de ser uma mulher preta, de favela, que conseguiu um espaço na TV e no cinema.

"Estar nesse espaço é algo novo, é um lugar que sempre quis chegar e acredito que muitos dos meus também. E quando vejo meninas se identificando, me mandando mensagem dizendo que amam a Soraia, ou que na escola dela ela era a Soraia, ou que queria andar com a Soraia no recreio, me dá vontade de abraçá-las! O retorno mais fofo que tive foi a filha de uma amiga que me viu na novela e gritou 'Ela tem o cabelo igual ao meu!' Receber mensagens assim das pessoas negras que sabem o que é ser a Soraia, também me inspira a continuar!".

Mesmo nova, Camila já tem um currículo de respeito, com os filmes “Uma paciência selvagem me trouxe até aqui", de Érica Sarmet, ganhador do Festival Internacional Olhar de Cinema, e o curta "Nada de Bom Acontece Depois dos 30", de Lucas Vasconcelos, que concorreu no Short Film Corner no 74th Festival de Cannes. A atriz deu detalhes sobre seu projeto mais recente, que a levou à França pela segunda vez.

"Aos Nossos Filhos'' terá estreia em Paris. Foi minha primeira participação num filme, onde tive a felicidade de interpretar Jéssica, uma adolescente que mora na ONG de crianças e adolescentes soropositivos coordenada pelas personagens da maravilhosa Marieta Severo e do Aldri Anunciação. Foi uma experiência enriquecedora, gravar era maravilhoso - mas passar um tempo no camarim conversando com a Marieta, desde cenas até a minha semelhança com as netas dela, era um abraço de potência que ela me dava sem nem perceber. Minha expectativa é para que ele chegue ao Brasil e que eu possa assistir meu rosto no telão do cinema junto dos meus", contou.

A artista também falou sobre outros projetos para esse ano que está só começando.

"O filme “Uma Paciência Selvagem Me Trouxe Até Aqui” de Érica Sarmet esse ano está no Festival Internacional Sundance e no Festival de Tiradentes. E para esse início de ano sigo vibrando nossas conquistas com esse filme LGBTQIAP+ e trabalhando também com a dança e as minhas pesquisas e performance, mas na expectativa dos novos projetos do audiovisual", detalhou.
Camila Rocha fez teatro no grupo "Nós do Morro" - Foto: João Fenerich
Por fim, Camila Rocha falou sobre os seus sonhos e objetivos, se dizendo pronta para qualquer desafio.

"Meu plano é ser grande, ser vista com respeito e ter espaço para mostrar o meu trabalho, o meu talento. Afinal, a trajetória de plantio tem sido longa, e eu espero fazer uma bela colheita fazendo muitas séries, filmes, novelas, publicidades, espetáculos, viagens e afins. Estou pronta!", finalizou.
Camila Rocha falou sobre representatividade, ressaltando a importância de ser uma mulher preta, de favela, que conseguiu um espaço na TV e no cinema Foto: João Fenerich
Camila Rocha é cria da Rocinha Fotos João Fenerich / Divulgação
Camila Rocha fez teatro no grupo "Nós do Morro" Foto: João Fenerich
Camila Rocha integra o elenco de "Aos Nossos Filhos", filme cuja pré-estreia mundial acontecerá em Paris Foto: João Fenerich
Camila Rocha estuda Dança na UFRJ Foto: João Fenerich
Camila Rocha é filha de uma ex-passista com um músico, e neta de uma baiana de escolas de samba. Foto: João Fenerich
Camila Rocha e junto com seus companheiros de cena na novela "Quanto Mais Vida, Melhor!" Foto: Acervo Pessoal
Camila Rocha na porta de seu camarim, na Globo Foto: Acervo Pessoal
Camila Rocha estreou na TV com a geniosa Soraia, na novela "Quanto Mais Vida, Melhor!" Foto: Acervo Pessoal

Comentários