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UFC 274: Charles do Bronx promete manter cinturão no Brasil e lembra dificuldades na favela: ‘Eu não tinha tênis’

Nascido e criado em uma comunidade de São Paulo, brasileiro defenderá seu cinturão peso-leve no sábado, contra norte-americano Justin Gaethje

Por Leandro Chagas

Publicado em 06/05/2022 08:31:00 Atualizado em 06/05/2022 08:39:00
Charles Do Bronx não se afastou das suas origens e continua morando no Guarujá
Com muito orgulho, Charles "do Bronx" Oliveira repete a cada vitória a frase: "A favela venceu!", que, aliás, resume muito bem a sua história de vida. No sábado (7), o garoto que saiu da favela em Vicente de Carvalho, no Guarujá, em São Paulo, defenderá pela segunda vez o cinturão dos pesos-leves do Ultimate, título conquistado quase 11 anos depois da sua estreia no evento, em 2010. Na noite de sábado, em Phoenix, nos Estados Unidos, o brasileiro fará a luta principal do UFC 274, contra o norte-americano Justin Gaethje, atual desafiante número um da categoria até 70 kg. Ao MEIA HORA, o lutador relembrou sua trajetória até o topo do maior evento de MMA do mundo.

"A palavra chave é gratidão. Se eu não tivesse as derrotas e tudo o que eu passei na minha vida, não seria possível chegar até aqui. Tudo isso me tornou mais forte para que eu possa chegar aqui e fazer história. Então, é gratificante. Sou muito grato a Deus. Eu tô muito feliz. Essa é a real, eu tô muito feliz com tudo bem tá acontecendo. Não adianta a gente querer isso ou aquilo. Acho que o mais importante é estar feliz. E tô grato com tudo que tá acontecendo. Feliz demais!", disse ele.

Com um cartel de 33 vitórias, oito derrotas e um No Contest (luta sem resultado), vindo de 10 triunfos seguidos, Charles é também o recordista em finalizações e em bônus pós-luta no Ultimate, e pretende continuar dando sequência ao seu legado. Apesar de todo o sucesso, jamais virou as costas pra sua origem, e hoje tenta inspirar outras crianças no Guarujá.

"Quando o Charles começou, meu foco era mostrar pras crianças e pros adultos da comunidade, que a gente pode subir sem pisar em ninguém. E quando a gente fala da comunidade, é porque a gente tem que falar daquilo que a gente vivenciou. Não tem como eu falar do playboy, ou do cara que tem dinheiro. Eu tenho que falar daquilo que eu vivi. Por isso que eu falo muito da comunidade. Eu queria mostrar pras pessoas da comunidade que nós somos seres humanos. Lógico, a gente pode ter errado na vida, mas podemos voltar atrás e vencer sem pisar em ninguém", contou ele, que infelizmente viu alguns amigos escolherem o caminho do crime.

"Hoje tenho amigos que fazem parte do crime. Porque eu vivi e nasci com esses caras. Graças a Deus eu escolhi o lado certo, mas infelizmente eles escolheram o lado errado. Eu não posso virar as costas pra eles. Não posso deixar de cumprimentar, de deixar uma palavra, como eu deixo pras crianças. Eu não posso deixar de falar que eles podem mudar na vida, porque isso seria maravilhoso. Então quando a gente fala "a favela venceu", é por causa disso. Porque o Charles saiu de dentro da comunidade, subiu sem precisar em nenhum momento pisar em ninguém. E poder voltar e mostrar isso pra comunidade, poder levar um cinturão e falar: "tá aqui, eu venci." Isso é sensacional. Eu escutei de muitas crianças: eu quero ser igual meu pai, igual meu tio. O que eles eram? Traficantes, pessoas que estavam presas. E hoje não. Quando eu passo lá, eles querem ser o Charles Oliveira. Então é pra isso que eu venho me dedicando cada vez mais. Pra mostrar pras crianças da periferia que eles sim, eles podem ser algo diferente. Não precisam roubar pra ser alguém na vida. Eles podem sim ser um lutador, professor, advogado ou até jogador. É só eles se dedicarem, trabalharem pra isso acontecer", contou o campeão, que resolveu retribuir tudo de bom que recebeu da comunidade, criando um instituto.

"Na realidade, a gente começou na academia como um projeto social na academia Charles Oliveira Gold Team, no Guarujá. Aí a gente começou num trabalho e falou: "Só com o projeto a gente tá conseguindo ajudar bastante pessoas, mas a gente tem que montar o instituto pra arrecadar fundos. E aí a gente montou o Instituto Charles do Bronx, pra agregar coisas e ter mais pessoas ajudando. A base dele é em Vicente de Carvalho, no Guarujá. Porque a gente ficou 11 anos sendo ajudado só pelo Charles Oliveira. Se Deus quiser, agora vem grandes coisas pra gente montar uma base gigantesca do nosso instituto. Eu tô muito feliz com aquilo que a gente vem proporcionando. Coisas bobas como ir ao cinema, num circo. Tinha criança que nunca tinha comido uma pipoca no circo. Então a gente vem proporcionando grandes coisas, ajudando dentro de casa com cesta básica. Trazendo a alegria pras crianças, que elas são o nosso futuro. Se as crianças estiverem bem, com a cabeça boa, elas vão querer fazer coisas boas. Esse é o mais importante."
Mesmo com diversos recordes no UFC, Charles vinha sendo considerado o azarão em suas últimas lutas, mesmo depois de ter conquistado o cinturão. Contudo, contra Justin Gaethje, "Do Bronx" é apontado como o favorito nas bolsas de apostas. Apesar disso, o campeão contou que nada disso afeta sua preparação psicológica.

"Todas as vezes que eu entrei como azarão, eu entrei consciente daquilo que eu ia fazer. Hoje, lógico, entrando como favorito, eu fico muito feliz de ver o quanto a mentalidade das pessoas tá mudando. Mas pra mim não mudou nada. Quando a gente entra como azarão, é legal que quem acredita na gente vai ganhar dinheiro apostando. Quando a gente entra como favorito é ruim que as pessoas não ganham dinheiro. Mas tem que manter a cabeça no lugar, focado. Mais uma vez eu vou entrar no octógono, hoje como favorito, mas eu não vou brincar. Vou entrar pra fazer história mais uma vez. Na minha vida eu não quero ser só mais um, eu quero ser lembrado. Eu quero deixar um legado", analisou ele, que também não tem o fato do seu adversário ser conhecido pelo poder de nocaute.

"Sei que do outro lado tem um cara que todo mundo acredita ser a mão mais pesada do UFC. Um cara que bate duríssimo na categoria. Só que do lado de cá tem um cara que acredita 100% no poder de nocaute dele, no jiu-jitsu, no grappling. Que acredita 100% ser um lutador de MMA completo. E o mais importante de tudo. Estar levando ousadia e alegria mais uma vez pra dentro do cage. Isso é o mais importante. Se você tá bem mentalmente, se você tá feliz, você faz história. E é isso que vai acontecer, eu vou fazer história mais uma vez."

Com mais de dois milhões de seguidores no Instagram, Charles Oliveira é o lutador mais popular do UFC no Brasil. Apesar disso, o lutador não acredita que isso possa trazer alguma pressão para ele no sábado, pelo contrário.

"De verdade, isso só me deixa mais grato. Desde que eu me entendo por gente, sempre sonhei em ser famoso, em ser conhecido, fazer história. Mas não por ego, sabe? Porque você sendo famoso, grandes coisas vêm pra você, e assim você pode fazer grandes coisas pras pessoas. Como eu te falei, eu sempre lutei pela comunidade. E se eu sou famoso, sou conhecido, consigo trazer coisas pra comunidade. Ter coisas boas, lógico. O Charles quer andar num carrão da hora? Quero. Quero ter uma casa da hora, pra poder comer coisas da hora. Mas o meu intuito mesmo é poder ajudar aqueles que não tem. Levar cestas básicas e roupa pra comunidade. Trazer o sorriso pras crianças. Um chocolate, uma camisa, um tênis, faz a comunidade feliz, então é isso que a gente quer fazer."
Apesar de ser conhecido pelo seu jiu-jitsu, que é considerado um dos melhores na história do UFC, Charles não tem medo de lutar em pé. Inclusive, foi assim que ele conquistou o cinturão ao nocautear Michael Chandler. Ao ser perguntado se levaria a luta pro chão para evitar o bom boxe de Gaethje no sábado, o brasileiro foi direto.

"Eu sou lutador de MMA. A luta começa em pé. Você tem que trocar porrada com qualquer um. Lógico, se você tomar um knockdown e cair no chão, ele vai ter que entrar na sua guarda. Se tá em pé, vai ter que tentar a queda. Então eu não tô preocupado com isso de "o Charles tem que botar pra baixo". Não tenho a mínima vontade de sair correndo e pular na guarda dele. De sair desesperado e botar pra baixo. A luta vai começar em pé, a gente vai trocar porrada. Ele é um cara que bate duro realmente. Mas eu bato mais alinhado, acho que minha trocação é mais bonita do que a dele. Trabalho as sequências melhor, enquanto ele é um cara que vai com tudo pra matar ou pra morrer. Então, acredito muito no meu poder de fogo. Mas como eu falo, somos lutadores de MMA. Tudo pode acontecer.

Adversário de Charles no sábado, Justin Gaethje vem fazendo de tudo pra provocar o brasileiro. O estadunidense chegou a vestir uma camisa do Flamengo para provocar "Do Bronx", que é corinthiano, dizendo em um vídeo: "Ouvi dizer que meu time é melhor do que o seu", vestindo a camisa 10 do Rubro-Negro. Contudo, o paulista se mantém tranquilo e focado.

"Não faz diferença nenhuma o que ele fala ou deixa de falar. Todo mundo tá falando da camisa do Flamengo. O cara nem sabe o que isso. Ele só colocou pra me provocar. É besta o flamenguista ou qualquer outro cara que cair nesse embalo aí. O Flamengo é um time gigantesco que tem no Brasil, como o Corinthians também é. Lógico que eu falo do Corinthians porque é aquilo que eu visto, aquilo que eu uso. Essa corrente jamais será quebrada. Sou corinthiano de coração. O cara tentou fazer algo pra entrar na minha mente. Mas como eu falei, não faz diferença nenhuma. Tentou trazer a galera pra ele. Pro flamenguista falar, vamos torcer pelo cara. Com certeza alguém na internet falou e aí mandaram fazer a camisa só pra provocar. Mas não faz diferença nenhuma. Que Deus abençoe ele, proteja ele e que a gente consiga fazer uma grande luta. Porque é isso que eu desejo pra ele."
CARD PRELIMINAR( 19h, horário de Brasília)
Peso-médio: André Fialho x Cameron VanCamp
Peso-galo: Journey Newson x Fernie Garcia
Peso-palha: Ariane Sorriso x Lupita Godinez
Peso-mosca: Kleydson Rodrigues x CJ Vergara
Peso-mosca: Tracy Cortez x Melissa Gatto
Peso meio-médio: Francisco Massaranduba x Danny Roberts
Peso-pesado: Blagoy Ivanov x Marcos Pezão
Peso-mosca: Brandon Royval x Matt Schnell
Peso-pena: Macy Chiasson x Norma Dumont
Peso meio-médio: Randy Brown x Khaos Williams