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Boa Esperança: Representantes de comissões de Direitos Humanos se reúnem com moradores da comunidade

Professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF) Regina Bienenstein criticou atitude administrativa de prefeitura e falta de aplicação dos projetos desenvolvidos para a cidade

Deputado Flávio Serafini e vereadora de Niterói Talíria Petrone com casal desabrigado após deslizamento no Morro da Boa Esperança
Deputado Flávio Serafini e vereadora de Niterói Talíria Petrone com casal desabrigado após deslizamento no Morro da Boa Esperança -

Rio - Na manhã desta terça-feira moradores da comunidade Boa Esperança, em Piratininga, na Região Oceânica do Rio, se reuniram com representantes da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Vereadores de Niterói e da Assembleia Legislativa do Rio para cobrar providências da Prefeitura. Naquele local, 15 pessoas morreram após o deslizamento de uma pedra e outras 11 ficaram feridas.

Entre as pessoas que estiveram na Câmera dos Vereadores está o casal Marcela Soares dos Santos, 33 anos, e Johnny Silva Nascimento, 34, que teve sua casa interditada em 2017 quando um pedaço da pedra atingiu a sua residência, e novamente foi interditada no sábado, quando o outro pedaço de rocha deslizou.

“Moramos lá há cinco anos e a primeira vez que foi interditada foi em 2017. A Defesa Civil chegou, interditou as nossas casas e ninguém da prefeitura nunca nos pagou o aluguel social”, lembra a doméstica Marcela. “Não estamos ali porque queremos. Necessitamos de moradia”, conta.

Emocionada, a mulher lembrar que na tragédia do último sábado o seu filho de 14 anos estava em casa e foi resgatado pelo tio. “O meu filho de 14 anos foi salvo pelo meu irmão. Ele estava dormindo na hora dessa tragédia”, lembra a mulher.

Com documento assinado pela própria prefeitura de Niterói, a mulher mostra que a casa já estava interditada há um ano. Segundo o relatório: “ a Secretaria Municipal de Defesa Civil de Niterói interdirá imóvel por risco de deslizamentos que poderão afetar a moradia”, dizia o papel.

Assinado por Einars Wilis Sturms, o documento orientava que fossem “adotadas medidas com finalidade de contenção, estabilização de encostas — de que estas sejam acompanhadas de sistemas de drenagem das águas superficiais e também sub superficiais do talude levando-se em consideração as características geológicas e geomorfológicas da área”, diz. Por fim, o funcionário da prefeitura pedia a limpeza do local.

Entretanto, isso nunca foi realizado pela prefeitura segundo os moradores.

De acordo com o deputado estadual Flavio Serafine, ao notificar e dizer que as famílias tinham que deixar o local e não disponibilizando espaços para essa gente, a gestão do município quis transferir os riscos. “Eles só quiseram retirar a responsabilizados de si”, lembra. “Não existe um mapeamento atualizado das áreas de risco em Niterói. Muitos moradores de comunidades de Niterói, após 2010, foram notificados para saírem de suas residências numa espécie de ‘eu avisei’”, afirma o deputado.

De acordo com a Comissão de Direitos Humanos de Niterói, mais de 50 processos tramitam no Ministério Público para que a Prefeitura de Niterói faça encostas em áreas de risco. No entanto, a prefeitura tem recorrido alegando que “está preparando um estudo nessas localidades”.

Segundo o morador Johnny Nascimento, que está com a casa interditada, quando eles foram notificados — que teriam que deixar suas casas — a Emusa disse que, se eles quisessem permanecer no local, os moradores teriam que fazer um muro de contenção para evitar qualquer deslizamento.

“A negligência da prefeitura começa a parecer e isso é grave. O investimento para política de assistência social em Niterói é menos de 1%. Tem que ter políticas públicas eficientes para ajudar que está em área de risco”, conta a deputada federal eleita Talíria Petrone (PSOL).

De acordo com levantamentos da Comissão de Direitos Humanos de Niterói, 20% da população da cidade mora em área de risco.

A professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF) Regina Bienenstein afirma que há mais de 40 mil moradias em assentamentos em Niterói, que ainda tem uma situação favorável frente ao Rio de Janeiro, já que a cidade não tem o nível de densidade da capital. Segundo ela, isso permite que a questão da moradia seja tratada em Niterói, sem necessidade de se realizar grandes remoções.

O problema, segundo ela, é a falta de aproveitamento dos projetos que são desenvolvidos, como o Plano Municipal de Lixo de 2007/2008, desenvolvido pela UFF, que nunca foi aplicado. "Hoje está se refazendo um trabalho que deveria estar sendo atualizado e a partir dali estabelecesse prioridade", disse. 

Ela ainda denuncia que neste mapeamento, a área do Morro da Boa Esperança era considerado como uma área de risco médio. "No mapeamento, a área deles está considerada como risco médio, em 2007, há 11 anos atrás. É óbvio que hoje estaria com alto risco. É normal. Não tem drenagem adequada, vai tirando o cálcio da pedra, isso é normal. Eu não sou especialista em risco, mas eu aprendi com os meus colegas que são. Esse é o caminho", declarou. 

"Temos projetos que nunca foram aplicados. Ou a Prefeitura assume a sua responsabilidade frente a todos os cidadãos ou nós continuaremos a ver periodicamente esse tipo de situação. Ou se trata junto as questões habitação e risco ou nós vamos continuar a testemunhar episódios e tragédias como esse", disse.

Ela ainda criticou o comportamento da prefeitura de Niterói, que, segundo ela, olha para essa população somente em situações emergenciais: "Isso sempre ocorre, a Prefeitura se mostra eficiente, porque se mostrou, tinha um mar de gente da Prefeitura lá cuidando de tudo. Acabou aquele pânico, aquela situação emergencial, cada um vai pra sua casa e as pessoas ficam anos em abrigos", finalizou. 

Família não querem ir para abrigos

As famílias afetadas pelo deslizamento no Boa Esperança estão se recusando a ir para os abrigos oferecidos pela prefeitura. O motivo da recusa é porque, segundo esses moradores, os locais são longe e estão afetando diretamente a rotina deles.

“Eu trabalho em Copacabana, como empregada doméstica, e moro lá em Piratininga como eu vou ir para um abrigo lá quase no Fonseca e depois vou deixar a minha filha de 11 anos lá sozinha?” lembra Marcela.

A criança estuda na escola municipal Maria Pereira das Neves, em Charitas.