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Luta por cidadania

Falta de documentos é um dos obstáculos para população de rua conseguir emprego

Com a carteira de trabalho, Jorge se sente reconhecido pela sociedade e pode batalhar pela sonhada vaga
Com a carteira de trabalho, Jorge se sente reconhecido pela sociedade e pode batalhar pela sonhada vaga -

Aos 7 anos, foi a primeira vez que Jorge Luiz Ferreira, hoje com 37, aprendeu a chamar "mãe". O histórico de abandono desde a infância levou o paulista, nascido na cidade de Campinas, a crescer na dureza das ruas. Dos 5 aos 35 anos, viveu em São Gotardo, no Triângulo Mineiro, até decidir tentar refazer a vida no Rio. Debaixo de uma marquise na Avenida Mem de Sá, na Lapa, sua história ilustra a realidade de um inestimável número de pessoas em situação de rua que desejam ter um emprego, um lar e uma vida digna, mas são impedidas pela discriminação e a burocracia.

"Eu tinha de 10 pra 12 anos e já morava na rua quando minha mãe passou, levou meu irmão e não quis me levar. Ela sempre morou de aluguel. Como quer que eu seja feliz?", lembra Jorge, que não conheceu o pai e morou pouco tempo de favor com parentes. A desestrutura familiar o faz preferir a rua. "A polícia ia lá e obrigava minha mãe a cuidar de mim. Ela nunca deixava eu entrar em casa. O que aprendi foi na rua. Meus tios foram presos, assaltantes, traficantes. Não quero isso pra mim".

Há dois anos, Jorge ganhou doação de voluntários e comprou uma passagem de ônibus para o Rio. Raramente ele liga para a família. Só para dizer que passa bem, mas nunca revelou seu paradeiro. No mês passado, pediu ajuda a pessoas que passam em frente a uma agência bancária no 107 número da Mem de Sá, onde vive, para tirar a carteira de trabalho. O documento fora furtado com uma mala enquanto dormia debaixo de um viaduto, no Centro.

Na fila de emprego, senha número 302 traz esperança

Jorge busca um trabalho para poder alugar um quarto. A primeira tentativa foi no dia 27 de setembro, em uma fila de empregos organizada pela Comunidade Católica Gerando Vidas no Engenho de Dentro. Entre 804 vagas, 302 foi a senha que trouxe esperança. Ele disputa uma entre 100 vagas de auxiliar de serviços gerais. Analfabeto, só estudou a 1ª série e precisa de serviço braçal. Sua experiência foi na lavoura em Minas. No Rio, sobrevive de doações e bicos. "Quando olhei o tamanho da fila, me assustei. Mas depois que peguei a senha, vi que o emprego poderia virar realidade", revela, após 5 horas na fila. A equipe não exigiu currículo.

Jorge foi encaminhado para entrevista em uma rede de supermercados. Juntou dinheiro para a passagem e compareceu no dia 1 º de outubro, no Maracanã. A empresa exige comprovante de residência, certificado de reservista, título de eleitor, extrato previdenciário e declaração escolar. Ele arranjou o comprovante com um morador da Lapa e providenciou o restante com auxílio do DIA. Ainda sem confirmação do emprego, aguarda o agendamento para voltar ao RH. "Mas também preciso urgente de um teto para dormir depois do trabalho", reforça o homem.

Tomar banho é luxo e violência, constante

O paulista com sotaque mineiro toma banho, no máximo, três vezes por semana na rodoviária. Precisa juntar R$ 10 para o banho, R$ 8 para o ônibus e R$ 2 para o sabão. Para beber água, comer e ir ao banheiro, depende da ajuda de bares da Lapa. O dono de um estabelecimento já chegou a lhe oferecer emprego, mas condicionou que saísse da rua para não afastar os clientes. Ele tem trauma de abrigo público. "Fui a um albergue da prefeitura, mas era muito sujo. Tive que lavar o banheiro para conseguir tomar banho. A rua é mais limpa", diz Jorge Luiz.

Jorge, que se orgulha de não ter vício em drogas e álcool e de ser "ficha limpa", fica sempre alerta para não ser furtado ou ter seus pertences recolhidos por agentes públicos. "Estava dormindo debaixo de um viaduto e assistentes sociais já tentaram jogar minha bolsa no caminhão de lixo", conta. Sentado na calçada com poucas roupas em duas bolsas, o olhar distante guarda sua fé. "Olho para cima e pergunto: 'Papai, quando vai me dar uma chance?'. A Bar Bearia Club disponibiliza o telefone (21) 99641-6193 para quem quiser fazer contato para ajudar Jorge.

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