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Crime super organizado

Mercado ilegal de cigarros financia práticas criminosas como a compra de armas e munição, colocando a população em risco

Contrabando de cigarros gera recursos para financiamento de atividades criminosas como a compra de armas
Contrabando de cigarros gera recursos para financiamento de atividades criminosas como a compra de armas -
O contrabando de cigarros financia o crime organizado, que investe na compra de mais produtos ilegais, tráfico de drogas, compra de armas, munição etc. O resultado é o aumento da violência nas ruas. A atividade criminosa deverá lucrar, em 2019, R$ 4,4 bilhões, dinheiro suficiente para comprar 87,2 mil fuzis.

O mesmo valor poderia ser utilizado em benefício da população na construção de 44,9 mil casas populares, 3,1 mil creches, 7,5 mil Unidades Básicas de Saúde, 2,1 mil Unidades de Pronto Atendimento, ou ainda para a contratação de 18,9 mil agentes da Polícia Federal.

E o cenário parece favorável para o fortalecimento desse tipo de crime: as vendas acontecem em feiras livres e em camelôs, ao alcance de menores de 18 anos. Na maioria dos casos, entretanto, o produto ilegal pode ser encontrado em bares, restaurantes, bancas de jornal, padarias, ou seja, no comércio formal.

O preço baixo é um dos motores do da atividade - um maço de marca ilegal, como Gift e Club One, custa cerca de R$ 3,61, segundo o Ibope, ao passo que o produto legal começa em R$ 5,00 (preço mínimo definido por lei) e chega a R$ 7,01, em média, no Rio de Janeiro - ou seja, quase o dobro.

A dona de casa C.R.M., de 51 anos, moradora da Vila Cruzeiro, na Zona Norte do Rio, garante que os maços contrabandeados podem ser encontrados facilmente em quase todos os bares da região. Fumante há mais de 20 anos, ela afirma gastar cerca de R$ 60 por mês com o produto legal. "Já comprei esses outros, mas são bem ruins, parece que você está fumando papel e mato queimado", admite, referindo-se à marca Gift, do Paraguai, que é líder no mercado fluminense, com participação de 28%.
 
Contrabando de cigarros gera recursos para financiamento de atividades criminosas como a compra de armas - ARTE: KIKO
 
Apreensões

Embora o número de apreensões esteja crescendo - no estado do Rio, entre janeiro e junho deste ano foram apreendidos 41 milhões de cigarros, 102% a mais do que no mesmo período em 2018 - a fiscalização ainda é falha.

Para Paulo Storani, ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e da Polícia Militar do Rio de Janeiro, outros crimes considerados mais graves, como tráfico, acabam sendo o foco principal das operações policiais.

"A polícia não vai entrar nos pequenos comércios para verificar se tem cigarro ilegal sendo vendido", diz o ex-policial, que atuou como consultor do filme Tropa de Elite. Ele reforça que a atividade criminosa se tornou uma das principais fontes de renda das milícias cariocas.
No Rio, grande parte dos fuzis pertence a criminosos

Segundo estimativa da Polícia Civil, 3,5 mil fuzis estão nas mãos de bandidos, o que representa um grande volume considerando o total existente no estado (10 mil). O delegado Marcos Vinícius Amim, da delegacia Especializada em Armas Munições e Explosivos (DESARME), reforça: "O contrabando de cigarro é uma das fontes de renda de milícias e facções criminosas".

Mas há quem não compactue com a atividade criminosa. Dono de uma pastelaria em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, há 30 anos, M.S, de 55, também vende cigarros legais e se recusa a colocar na vitrine os contrabandeados. "A pessoa (vendedor) chega no meu balcão, senta, pede um cafezinho e começa a conversar, perguntando se eu não tenho interesse em colocar um cigarro mais barato e mais lucrativo para vender. Se eu não gostaria de ganhar R$ 20 a mais num pacote".

Situada próximo a duas comunidades, a pastelaria recebia visitas frequentes dos criminosos. "Há uns três anos não me procuram mais, eles sabem como eu trabalho", comenta.
 
Os cigarros são fabricados no Paraguai e entram no Brasil em embarcações, carretas e caminhões - ARTE: KIKO
 

Relatório aponta: Brasil é uma das principais vítimas

Documento elaborado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) coloca o Brasil como um dos países que mais perde com o contrabando.

"Num ranking de 20 países vítimas, o Brasil ocupa a 16ª colocação, à frente da Holanda, por exemplo", afirma Luciano Timm, presidente do Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNCP) e da Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Senacon). Segundo ele, estima-se que o comércio ilegal seja responsável pela perda de cerca de 5% do comércio internacional.

Timm destaca a importância da ação conjunta entre diversos órgãos públicos no combate ao comércio ilegal.
Contrabando de cigarros gera recursos para financiamento de atividades criminosas como a compra de armas ARTE: KIKO
Os cigarros são fabricados no Paraguai e entram no Brasil em embarcações, carretas e caminhões ARTE: KIKO