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Defensorias recomendam à PM e à Polícia Civil medidas para evitar racismo em protestos

Documento encaminhado às duas corporações propõe que, em até 48 horas após o fim de cada ato público, polícias apresentem relatórios sobre atuação de agentes públicos de segurança

Protesto "Vidas Negras Importam" no Centro do Rio
Protesto "Vidas Negras Importam" no Centro do Rio -
A Defensoria Pública do Rio e a Defensoria Pública da União enviaram às Secretarias de Estado da Polícia Militar e da Polícia Civil recomendação para adoção de procedimentos que evitem violações ao direito de manifestação, confrontos, uso desproporcional da força e prisões ou detenções em atos populares. A recomendação prevê que os comandos passem a enviar às Defensorias, em até 48 horas após o fim de cada ato público, informações pormenorizadas sobre a ação policial antes, durante e ao término do evento.

O relatório circunstanciado deverá conter dados sobre o emprego de armas e munições letais e não-letais; o trajeto percorrido pelas viaturas policiais; as detenções e apreensões efetuadas; a justificativa e os meios usados para eventualmente dispersar os manifestantes; a razão que tenha suscitado revista e busca em cada pessoa presente; e comunicação sobre presença eventual de agentes infiltrados entre os manifestantes.

O documento, expedido na última segunda-feira, 15, pretende prevenir discriminação nos protestos antirracistas ou exercidos majoritariamente por pessoas negras. As Defensorias requisitaram às polícias, inclusive, esclarecimentos sobre a atividade da PM nas manifestações ocorridas no Centro, contra o racismo, e em Copacabana, a favor do governo federal, no último dia 7.

"Gera preocupação à Defensoria Pública a diferença de tratamento dispensada pelas corporações da segurança aos grupos de manifestantes que saíram às ruas em 7 de junho para exercer o direito à manifestação. É urgente apurar o policiamento desproporcional e o emprego desnecessário da força nos protestos antirracistas, que contaram com uma maioria de jovens negros e negras e foram protagonizados por organizações antirracistas. A Constituição condições igualitárias para que toda e qualquer pessoa tenha liberdade de se manifestar", explica a coordenadora do Núcleo Contra a Desigualdade Racial da Defensoria do Rio (Nucora), Lívia Casseres, uma das autoras do texto.

Assinam o documento também os defensores Rita Oliveira e Thales Treiger, respectivamente coordenadora e membro do Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União.

"Importante salientar a importância de um policiamento e de uma segurança pública que estejam atentas à preservação da vida e da integridade física e psíquica da população. Em momentos de protestos e mobilizações populares é dever do poder público não apenas garantir a segurança das pessoas, como também estimular que esses encontros existam ao invés de atuar pela desmobilização de movimentos sociais", afirma Thales Treiger.

Revistas e detenções

Na manifestação “Vidas Negras Importam”, realizada na Avenida Presidente Vargas, no dia 7, pelo menos 23 pessoas foram detidas e conduzidas a três delegacias policiais diferentes. Quatro defensores públicos do estado fizeram plantão para prestar assistência jurídica a quem precisasse e identificaram abusos e violações de direitos.

“A Defensoria Pública constatou desde revistas generalizadas nos participantes, detenções e apreensões arbitrárias, cerco e policiamento desproporcional ao número de pessoas presentes, até situações de violenta repressão, como bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo para a dispersão”, salienta a recomendação.

O documento endereçado às polícias menciona que a manifestação foi acompanhada por homens do Batalhão de Choque e da Cavalaria; que antes e durante o protesto houve revistas em pessoas que não portavam nenhum objeto proibido; que os participantes tiveram a movimentação limitada por “cordão de isolamento”; e que não puderam usar megafones e carros de som. Além disso, os agentes de segurança pública não ostentavam identificação ou nada que permitisse reconhecê-los, o que é ainda mais difícil devido ao uso de máscaras.

"A recomendação expressa nossa preocupação com o fato de que participantes de manifestações antirracistas tenham sido alvo de tratamento repressivo e discriminatório em relação aos procedimentos de policiamento nas manifestações autointituladas “pró-governo” e de cunho antidemocrático, contexto que evidencia uma ação seletiva e de grave violação ao direito de livre manifestação",  destacou a defensora pública da União Rita Oliveira.

Providências recomendadas

Dentre as providências recomendadas pelas Defensorias à Polícia Militar estão também a indicação de especialista em negociação e mediação no local dos protestos; identificação de nome e patente de todos os agentes públicos enviados ao local; presença de policiais femininas para eventualidade de busca em mulheres; e comunicação prévia à Defensoria de telefone de contato entre o comando da corporação e defensores públicos de plantão bem como de informação sobre para quais delegacias serão encaminhados pessoas detidas em flagrante.

As Defensorias querem ainda que seja possível a livre circulação dos manifestantes, inclusive para evitar aglomeração favorável à disseminação da covid-19; que não haja restrições ao uso de máscaras e álcool gel; que não sejam feitas imagens das pessoas presentes ao ato; e que não seja coibida a utilização de megafones, carros de som e equipamentos musicais ou outros objetos permitidos por lei.