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Famílias negras foram as mais impactadas pela pandemia, diz pesquisa

Levantamento do Instituto Locomotiva aponta que 71% dos negros do país não tinham reservas financeiras quando a covid-19 chegou

Protesto 'Vidas negras importam'
Protesto 'Vidas negras importam' -
A covid-19 impactou mais agressivamente a renda das famílias negras do Brasil. É o que mostra um levantamento produzido pelo Instituto Locomotiva para a Cufa (Central Única das Favelas), que aponta que 71% dos negros (pretos e pardos) do país não tinham qualquer reserva financeira quando a pandemia chegou. Entre os que tinham algum tipo de poupança, 23% já gastaram a maior parte e 12% gastaram toda a economia guardada.
Entre os dias 4 e 5 de junho, o Instituto ouviu cerca de 3 mil pessoas, brancas e negras,entre as classes A e E. Entre os negros, que engloba pretos e pardos, 73% afirmaram que houve diminuição na renda da família durante a pandemia. Já 60% dos brancos disseram que a covid-19 teve impacto negativo na renda; 49% dos negros e 32% dos brancos deixaram de pagar alguma conta por falta de dinheiro nos últimos meses; 20% dos negros e 13% dos brancos disseram ter feito empréstimo com algum amigo ou familiar.
"A desigualdade no Brasil tem um forte recorte de raça e essa pesquisa mostra bem isso. Negros ganham cerca de 40% menos que os brancos, e são a maior parte das classes C e D. Por isso, estão sendo os mais afetados. A crise vai ser sempre pior para o lado mais vulnerável. Outro ponto é que boa parte da população de baixa renda nunca aprendeu sobre educação financeira e não sabe como administrar suas contas", analisa Nathália Rodrigues, a Nath Finanças, orientadora financeira para famílias de baixa renda e dona do canal no Youtube com quase 150 mil inscritos.
"Algumas medidas podem ser tomadas nesse momento para diminuir os gastos, como pedir desconto nas faturas de luz e internet. Mas sabemos que nem sempre essas medidas são totalmente eficazes. A aprovação do auxílio emergencial foi um passo importante e deveria ajudar milhões de brasileiros sobreviver durante a pandemia. Mas o governo não foi eficiente em chegar nas classes mais vulneráveis e o sistema revelou algumas falhas", completa a especialista em administração.
A diminuição dos postos de trabalho também atingiu de forma mais grave a população negra: 36% disseram que algum da sua família perdeu o emprego, enquanto 28% dos brancos afirmaram o mesmo; entre os comerciantes que tiveram que fechar o próprio negócio, 38% são negros e 35% são brancos.

Famílias das favelas não têm 'resiliência financeira', diz empreendedora

Criadora do projeto Anjos da Stellinha, que atua no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, Stellinha Moraes tem observado o impacto da pandemia diariamente. "O pior do que você não ter uma reserva financeira é não ter resiliência econômica. Se alguém da classe média, tem rede de apoio: mãe, pai, tem nome limpo onde a gente consiga pegar empréstimo. As mães das favelas, por exemplo, sequer tem conta bancária. Às vezes, tem nome sujo porque ajudou algum parente", explica Stellinha.
"No segundo mês de pandemia, uma mãe que a ONG ajuda teve que vender a barraquinha de açaí porque tinha que conseguir dinheiro de alguma forma. O que ela vai fazer quando a pandemia acabar? É uma crise sanitária, social, emocional". Na última semana, a ONG distribuiu cartões alimentação para 400 mães cadastradas do Morro dos Macacos.
Protesto antirracista: 94% consideram que uma pessoa negra tem mais chances de ser abordada de forma violenta ou ser morta pela polícia Filipe Araujo/Foto Publica
Protesto 'Vidas negras importam' Luciano Belford/Agência O Dia