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Biólogo teme que esgoto sem tratamento gere nova crise de água no Rio de Janeiro

Estudo propõe nova metodologia para saneamento na Bacia do Guandu

Cedae foi multada por falha na prestação de serviço
Cedae foi multada por falha na prestação de serviço -
Rio - O verão está chegando e, com ele, o receio de que possa se repetir a crise do início deste ano no Rio de Janeiro, quando a população recebeu água com mau cheiro, gosto ruim e cor turva.
O biólogo e ambientalista Mário Moscatelli lembra que, além dos transtornos enfrentados pela população fluminense, o surgimento da geosmina – composto orgânico produzido por micro-organismos, uma indicação de esgoto na água – a crise representou um alerta para a falta de medidas que garantam a qualidade da água na Bacia do Rio Guandu e, principalmente, no ponto de captação da Estação de Tratamento de Água (ETA) Guandu.
Moscatelli diz que o problema é antigo e que, em 2008, chamou a atenção da companhia para o problema. À época, a companhia comprometeu-se a fazer, no ano seguinte, um projeto previsto em 2007 para proteger o ponto de captação. Segundo o biólogo, não aconteceu nada, e a situação se agravou até chegar à crise deste ano.
De acordo com Moscatelli, para enfrentar a questão do composto, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) usou carvão, o que levou à redução das alterações na água, mas não resolveu definitivamente o problema de tratamento.
“Anunciou que teria um projeto mais barato utilizando as geobags. Fato é que estamos em novembro, passaram-se dez meses, e a situação anterior continua a mesma, ou pior, porque a população cresce”, disse ele, em entrevista à Agência Brasil.
Moscatelli destaca que os rios Ipiranga, Poços e Queimados, que deságuam na Bacia do Guandu, são três valões de esgoto doméstico e industrial, visto que os municípios de Queimados, Japeri e Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, não dispõem de saneamento.
“Fica aqui a questão: a geosmina, ou o composto chamado de geosmina, é para mim a menor das preocupações, porque pelo menos isso alertou as pessoas que a situação era grave.”
O ambientalista questiona qual é a capacidade de uma estação de tratamento de água, que não é de esgoto, tratar água do Rio Guandu, contaminada por esgoto doméstico industrial.
“Estação de tratamento de esgoto é uma coisa, de água é outra, portanto, cada uma com a sua finalidade e capacidade de depurar aquilo para que foi construída. Bebemos água que é tratada, mas uma mistura de água do Guandu com esgoto. Sinceramente, chegamos ao fundo do poço.”
Para o biólogo, a bacia hidrográfica do Guandu tem que ser considerada estratégica, porque são cerca de 9 milhões de pessoas abastecidas com a água da ETA localizada em Nova Iguaçu.
“O que a gente precisa é proteger o ponto de captação da água do Guandu para ser tratada na ETA, para que não receba contaminação dos três rios. Infelizmente, para que eles voltem a ser realmente rios, porque hoje são valões de esgoto, o Poder Público deverá se conscientizar que aquilo dali é um perigo para milhões de pessoas, para a saúde pública.” Ele enfatiza que quem pode compra água mineral e quem não pode "vai se arriscando”.
Pesquisa
A engenheira ambiental Caroline Lopes Santos, que faz mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apresentou nesta semana um estudo propondo nova metodologia para o sistema de coleta e tratamento de esgoto nos rios que drenam a ETA Guandu. A pesquisa, que teve como orientadores os professores Jerson Kelman e José Paulo Azevedo, da Área de Recursos Hídricos do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe/UFRJ), amplia o acesso ao saneamento básico dos municípios de Nova Iguaçu, Queimados e Japeri para atender os habitantes da região com água de melhor qualidade, acabando com o despejo de esgoto in natura nos rios da bacia.
O financiamento para realização dos projetos viria de recursos da tarifa social que já é paga pelos moradores de renda mais baixa desses municípios e de outra parte da população abastecida pelo Rio Guandu. “Partimos da premissa de que o esgotamento sanitário da região próxima da ETA Guandu não deveria ser prioridade só da população local, que tem baixa possibilidade de pagamento. Deveria ser responsabilidade de todo o estado do Rio de Janeiro, já que é uma garantia de segurança hídrica do estado”, destaca Caroline. Ela calcula que o valor adicional na conta do restante da população seria de R$ 2,50. “A gente conseguiria fazer todo o sistema e operar a estação e deixar de lado o discurso [do governo do estado] de que é um montante muito grande de dinheiro."
A engenheira ambiental diz que a ETA Guandu tem dependência do Rio Paraíba do Sul, porque a água que chega à estação é fruto, em grande parte, de uma transposição que ocorre neste rio e, ao chegar em Nova Iguaçu, tem grande influência de afluentes domésticos. “A Bacia do Guandu concentra 60% de toda a poluição que chega à ETA Guandu e é uma área com baixíssima taxa de tratamento de esgoto.”
Cedae
A Cedae afirma que é rigorosa a rotina de monitoramento da qualidade da água produzida pela ETA Guandu, com técnicos trabalhando de forma contínua, na saída de tratamento e no ponto de captação, além da rede de distribuição, para assegurar a qualidade da água fornecida. A Cedae acrescenta que aplica carvão ativado de forma contínua na entrada de água da ETA Guandu.
Segundo a companhia, desde fevereiro, não há alterações no que diz respeito a gosto e odor na água que produz. A Cedae informa que realiza diariamente testes relacionados aos padrões organolépticos (gosto e odor), mesmo não havendo exigência legal desse tipo de controle para esses parâmetros, e diz que as análises ficam a cargo de um laboratório contratado e que todos os resultados estão dentro do padrão exigido pelo Ministério da Saúde.
A companhia diz ainda que manteve a previsão de investir R$ 700 milhões na modernização da estação de tratamento de água do Guandu até 2022. De acordo com a empresa, R$ 30 milhões já estão sendo investidos.
Inea
O Instituto Estadual do Ambiente (Inea), por sua vez, informa que faz, regularmente, ações de fiscalização e controle ambiental em empresas localizadas no entorno do Rio Guandu, para checar possível descarte irregular de efluentes no rio.
O Inea lembra que, no dia 29 de setembro, foi desencadeada uma operação no Distrito Industrial de Queimados, onde oito empresas foram vistoriadas e quatro delas, autuadas e notificadas a se adequar. Outra empresa foi notificada a encerrar as atividades e promover a retirada dos efluentes industriais dispostos de forma inadequada em seu interior.
Em resposta à crise deste ano, o Inea deflagrou em fevereiro ação fiscalizatória na mesma região e vistoriou 21 empresas, das quais 15 foram notificadas para se adequar, 12 multadas e sete sofreram medidas cautelares.