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Após incêndios no Pantanal, o desafio de recriar a vida

Incêndios por toda parte, ao longo de quase um ano inteiro, deixaram como herança, no Pantanal, uma drástica redução nas áreas de conservação

A dead alligator lies beside the Transpantaneira park road in the Pantanal wetlands in Mato Grosso state, Brazil, on September 14, 2020. - The Pantanal, a region famous for its wildlife, is suffering its worst fires in more than 47 years, destroying vast areas of vegetation and causing death of animals caught in the fire or smoke. MAURO PIMENTEL / AFP
A dead alligator lies beside the Transpantaneira park road in the Pantanal wetlands in Mato Grosso state, Brazil, on September 14, 2020. - The Pantanal, a region famous for its wildlife, is suffering its worst fires in more than 47 years, destroying vast areas of vegetation and causing death of animals caught in the fire or smoke. MAURO PIMENTEL / AFP -
Incêndios por toda parte, ao longo de quase um ano inteiro, deixaram como herança, no Pantanal, uma drástica redução nas áreas de conservação. O impacto dos mais de 21 mil focos, contados até outubro, comoveu o mundo, mas vai se estender por muito mais tempo. Não é simples, nem rápida, a tarefa de recuperar as cadeias alimentares e normalizar os períodos de reprodução de muitas espécies, que foram imensamente afetadas.
"Todas as espécies tiveram seus ciclos reprodutores interrompidos", alerta o pesquisador e veterinário Diego Passos Viana, do Instituto Homem Pantaneiro. "Monitoramos agora quanto tempo será necessário para a recuperação do Pantanal". Os mais de 21 mil focos, contados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério da Ciência, são mais que o dobro do registrado em 2019 e o maior número desde 1998.
Entre as áreas mais afetadas, nos 150 km² do bioma - só em território brasileiro - estão a Serra do Amolar e o Parque Estadual Encontro da Águas, nos quais o grande desafio é alimentar os animais que sobreviveram, como explica o guia de turismo e gestor ambiental Ailton Lara. "As aves não estão achando sementes, estão magras e comendo folhas, mudando de hábito alimentar para sobreviver", ressalta o guia. E isso interrompe o importante papel que elas têm como dispersoras de sementes. As antas, por sua vez, alimentam-se de pastagem e frutos. "A tendência é que os animais comecem a emagrecer", acrescenta Lara. Especialista em conservação, Paula Valdujo, do WWF-Brasil, revela outro elo dessa cadeia: "Num primeiro momento, os herbívoros são os mais afetados, pois não conseguem ficar longos períodos sem comer". Mas o declínio das populações de herbívoros significa menos alimento para os predadores. "Tudo isso tende a se refletir na redução das taxas de reprodução dessas espécies", adverte Paula. Sua conta, para o futuro, é clara: "Décadas podem ser necessárias para sua total reprodução"
Ligações rompidas
Superado o drama das chamas, os ambientalistas e veterinários começam a medir as graves consequências, ainda por vir, com a destruição dos habitats e a falta de alimentos, que acarretam prejuízos para a cadeia alimentar. "Todas as espécies estão interligadas. E quanto maior a dependência de uma espécie em relação a outra, maior o risco de declínio populacional", avisa Paula. Capins, arbustos, árvores e plantas aquáticas fornecem energia para herbívoros. Estes incluem principalmente invertebrados, peixes, aves, mamíferos. E este grupo, por sua vez, constitui o alimento essenciais de animais predadores".
Ela dá como exemplo prático a onça-pintada, animal predador do topo da cadeia alimentar. Ela se alimenta preferencialmente de herbívoros - como veados, antas, capivaras. "Com a natureza devastada, esses animais terão de buscar alimentos e habitats conservados, para se manterem vivos", diz o veterinário Diego Viana.
O desafio das plantas é outro: não é fácil se restabelecerem em áreas queimadas. Na chamada "fase da rebrota" deve diminuir a disponibilidade de frutos e sementes nas próximas estações reprodutivas das plantas, que passam a depender da dispersão a partir de áreas não queimadas", afirma Paula. Ela lembra outra relação: o fogo comprometeu os ninhos feitos em buracos ocos de troncos ou nos galhos das árvores. "Plantas, que constituem a base da cadeia alimentar e fornecem abrigos para animais, foram consumidas pelo fogo, assim como uma quantidade gigantesca de insetos, aranhas e outros invertebrados."
Estragos na serra
Uma conta feita até 8 de outubro apontava que na Serra do Amolar, onde fica grande parte das unidades de conservação, animais de pelo menos 16 espécies foram encontrados mortos - ali vivem 32 espécies. "Apenas 15% das áreas foram exploradas até aqui. Isso é trabalho para no mínimo dois meses, calcula Diego Viana.
Outra área drasticamente destruída foi o Parque Encontro das Águas, com 93% de sua área atingida pelas chamas, segundo o Instituto Centro de Vida, ICV. Além de mais de 300 onças pintadas - entre elas Ousado, que o Estadão localizou e foi recuperado por veterinários - ali vivem antas, ariranhas, capivaras, jacarés. "Mas o Pantanal é resiliente e vai voltar ao normal em alguns anos", diz o Ailton Lara. "Na região onde atuo, Porto Jofre, tem o tarumã, árvore já com flores e abelhas polinizando, o que representa o renascimento do bioma", acrescenta o gestor.