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O desafio dos médicos intensivistas em meio à pandemia do coronavírus

"Essa doença vem fazer o papel de um grande alerta para conceitos básicos, como lavagem das mãos e higiene", explica médica

Felipe Ribeiro Henriques
Felipe Ribeiro Henriques -
Rio - Desde o início da pandemia do novo coronavírus os médicos intensivistas têm um papel fundamental. Para eles, a função é mais complexa do que apenas o monitoramento dos pacientes, a responsabilidade pelo cuidado das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) está nas mãos desses especialistas. Nesta terça-feira, os profissionais comemoram o Dia Nacional do Intensivista e para falar mais sobre o assunto três médicos, que atuam no Estado, contam sobre a nova rotina em meio à pandemia.

Com a função de médico intensivista é possível intervir decisivamente no tratamento dos pacientes que se encontram em estados graves de qualquer doença. No Estado, 81.203 pacientes foram atendidos com suspeita de coronavírus, dentre esses números, 16.658 precisaram de cuidados na UTI.

Carlos Rocha, que atua na área há 16 anos e é médico intensivista no Hospital Estadual Carlos Chagas, na Zona Norte, explica sobre a mudança da rotina após o início da pandemia. "Costumamos dizer que esse foi o ano mais ‘intensivo’ na rotina de tratamento dos pacientes das UTIs. Nunca, no passado recente, fomos tão demandados com uma doença gravíssima que acomete as pessoas independentemente das condições físicas e doenças prévias. Foi o momento que mais precisamos ficar focados nas novas terapias e nos estudos científicos", disse.

Para ele, o fato do coronavírus ainda não ter um imunizador eficaz é um ponto que diferencia os pacientes infectados pelo vírus dos outros. "Ao mesmo tempo que nos deparamos com a gravidade desses pacientes, alguns deles saudáveis e jovens, também percebemos que, diferentemente das demais patologias, o tratamento no primeiro semestre, auge da pandemia, consistiu em prestar assistência básica, principalmente no suporte respiratório, mantendo os sinais vitais preservados e a ventilação mecânica, que é essencial. O nosso papel tem sido muito importante no início em manter o paciente vivo para o próprio organismo conseguir combater o vírus. Sem a terapia intensiva, dificilmente esses pacientes teriam êxito na recuperação", ressalta.

Carlos lembra um momento marcante durante o atendimento de um paciente com covid-19 e ressalta a importância do trabalho do médico, que vai além da UTI. "A equipe fazia de tudo para os pacientes conseguirem se manter respirando sozinhos. Eu via na expressão facial do paciente o medo de ser intubado, muito deles falavam 'Doutor, eu não quero ser intubado, porque eu vi na televisão que quando esse procedimento é feito a pessoa morre', isso marcava muito a gente, até mesmo em pacientes jovens, então, a equipe tinha que trabalhar também a ansiedade das pessoas", conta.

A médica Cláudia Falconiere, é coordenadora do Centro de Tratamento Intensivo Pediátrico, o primeiro do Rio, no Hospital Estadual Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias. Cláudia chama atenção para uma questão importante: a prevenção do coronavírus. "Essa doença vem fazer o papel de um grande alerta para conceitos básicos, como lavagem das mãos e higiene. A medicina começa na prevenção, então a educação sanitária da população é muito importante, não apenas para prevenção da covid, mas para várias outras doenças igualmente graves", declara.

A médica ressalta o trabalho do intensivista e o dinamismo necessário na hora do atendimento. "Ele também é um divisor de águas por atuar no momento em que o quadro do paciente está potencialmente grave, evitando o avanço da doença com a monitoração contínua. Queremos mudar a ideia de que o intensivista fica isolado no CTI. São profissionais intensos em tudo. A intensidade da ação está naquele momento que vai ser fundamental para salvar uma vida", diz.

Ela afirma que uma ação eficaz para aproximar os responsáveis das crianças é "interná-los" ao lado dos filhos. "Neste momento de pandemia, não há visita de responsáveis enquanto a criança está entubada. Todos os dias, a equipe emite boletim diário via telefone. No momento que o paciente sai do respirador, os pais ficam internados junto com a criança dentro do isolamento, sem poder sair, até mesmo para comer. O mais incrível é que eles aceitam prontamente, e essa iniciativa tem dado muito certo, na hora que a criança está mais agitada a presença dos pais acalma", finaliza.

Felipe Ribeiro Henriques, de 41 anos, que é chefe da Terapia Intensiva Adulto do Hospital Estadual Azevedo Lima, em Niterói, disse que está extraindo um lado positivo dessa situação. Para ele, atuar na pandemia é uma "experiência única". "É um cenário que a humanidade precisa de ajuda e de cuidado de saúde, e a ajuda médica é imprescindível. É um momento que requer muito trabalho e, ao mesmo tempo, muito gratificante, afinal, poder ser útil é uma das melhores oportunidades da vida”, conta Felipe.

O médico contou, que mesmo após anos de atuação, ainda é complicado lidar com a morte, principalmente no atual cenário. "É doloroso lidar com sofrimento o dia inteiro, vários medos ao mesmo tempo, o próprio medo de adoecer, o de perder as pessoas que gosta, de perder vários pacientes. É muito difícil para um médico lidar com a perda dos pacientes, mesmo quando foram colocados todos os esforços para salvar aquela vida. Essa perda dói afetivamente e profissionalmente".
Felipe ainda apontou outras questões importantes, como o lado psicológico dos pacientes e dos profissionais. "É muito difícil manter uma condição psicológica em uma harmonia que te possibilite executar bem a sua tarefa. Dentro do CTI, se você perde a calma ou não executa bem o seu trabalho, não tem mais a quem pedir ajuda. Aquele ali é o local do hospital que todo mundo vai pedir a última ajuda, então está sendo um grande desafio durante a pandemia".
Ele também observou algumas carências que o sistema de saúde enfrenta, desde o critério para a formação como médico, até a situação econômica do Brasil. "A gente vive em um país pobre. O SUS é muito pobre e o médico muitas vezes fica no meio de jogos políticos e econômicos. Atrasam o repasse, a condição de trabalho fica mais longe da ideal, o estresse aumenta... Isso no Brasil é desafiador. A política interfere muito na saúde pública do país e não era para ser assim", explica.
Em relação ao cenário da pandemia, ainda sem uma vacina eficaz, Felipe salienta que há questões que afetam diretamente outras áreas e que, por isso, não vê uma melhora rápida. "Não vejo nenhum cenário muito favorável até o final do ano que vem, até porque não é só sobre o covid-19. Têm pessoas que sobrevivem ao vírus, mas que ficam com sequelas. São pessoas que vão internar com mais frequência, vão ser mais dependentes, algumas não vão poder mais trabalhar ou vão ficar afastadas por muito tempo. Essa situação para um país pobre é um problema também, é preciso dar atenção a isso". O especialista citou outras questões que afetam o cotidiano da população após a início da pandemia. "A classe média é muito impactada, comércios fechando, gente não podendo pagar aluguel. Afeta outras áreas que acaba voltando para saúde mais a frente. Muita gente fica sem o plano de saúde, aumentando o uso do sistema público, que precisa melhorar muito em forma geral", completa.
Sobre o lockdown, Felipe disse que ajudou a diminuir o número de contaminados, mas voltou a citar os efeitos colaterais da pandemia em outros setores do país. "Sair do lockdown é difícil, ninguém tem uma fórmula de como fazer as coisas voltarem ao normal de novo, e também é preciso medir o que é correto e o que dá para fazer. Não tem como ficar com uma nação pobre como o Brasil em lockdown o tempo todo, mas analisando o impacto ele é positivo, assim como a prevenção de qualquer doença infecciosa que se espalha rápido".
*Estagiária sob supervisão de Thiago Antunes