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Sem a CoronaVac, vacina de Oxford deve ser a primeira disponível no Brasil

Ao todo, quatro imunizantes contam com pesquisas clínicas no país; somente dois, porém, preveem transferência de tecnologia

Anvisa ressalta que todas as quatro vacinas para covid-19 em teste no país encontram-se na fase 3 de pesquisa
Anvisa ressalta que todas as quatro vacinas para covid-19 em teste no país encontram-se na fase 3 de pesquisa -
Brasil - Em reunião na tarde desta terça-feira (10), a Anvisa decidiu manter suspensos os testes da vacina CoronaVac. O imunizante desenvolvido pelo Instituto Butantan, no entanto, é somente um dos quatro que contam com pesquisas clínicas autorizadas no Brasil. Além dele, há também as vacinas da Universidade de Oxford e das farmacêuticas Janssen-Cilag e Pfizer-Wyeth.
Para que vacinas sejam desenvolvidas no Brasil, é preciso uma autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para isso, o órgão avalia a resposta das candidatas à segurança dos participantes envolvidos e às necessidades regulatórias, no caso de eventual registro no futuro. Há, ainda, situações em que a vacina prevê transferência de tecnologia, ou seja, que a produção do imunizante possa ser feita inteiramente no Brasil.
É esse o caso das vacinas da AstraZeneca/Universidade de Oxford e da CoronaVac, derivada da chinesa SinoVac. A primeira é produzida na unidade produtora de imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro. A segunda, pelo Instituto Butantan, em São Paulo, mas esta paralisada a partir desta terça-feira. Até o momento, são as duas que estão em etapa mais avançada, de acordo com a Pneumologista da Fiocruz Margareth Dalcomo.
Ela projeta que, como as duas candidatas estão em fase final de recrutamento para a terceira e última fase de testes, devem terminar quase juntas, caso a paralisação da CoronaVac não prossiga por muito mais tempo. A projeção é para o primeiro semestre de 2021, já para aplicação. Dalcomo afirma também que é possível que o lote inicial e o registro da vacina de Oxford na Anvisa já aconteçam até março de 2021.
A situação é parecida com os imunizantes da Pfizer-Wyeth e do laboratório Janssen-Cilag, da Johnson & Johnson. Ambas estão na fase três, com testes em brasileiros. No entanto, essas vacinas não preveem transferência de tecnologia e, portanto, não há autossuficiência do Brasil na produção.
A notícia boa é que, de acordo com a pneumologista, “todas as vacinas em teste deverão resultar boas para uso”.

Suspensão da CoronaVac
Paralisados pela Anvisa na noite desta segunda-feira, os testes da vacina produzida pelo Instituto Butantan seguem suspensos. Na manhã desta terça, o diretor do instituto, Dimas Covas, afirmou que não haveria razão para a paralisação dos testes. A agência, no entanto, afirma que foi seguido o protocolo para quando são informados efeitos adversos graves não esperados. A agência alegou ainda não ter recebido informações suficientes em relatório enviado pelo Butantan.
No início da tarde, porém, foi tornado público que tal efeito adverso foi o suicídio de um dos participantes dos testes da Coronavac, de acordo com laudo do Instituto Médico Legal (IML). Não haveria, portanto, razão para que as pesquisas continuassem suspensas.
A Anvisa argumenta, porém, que não havia tomado conhecimento de detalhes sobre o efeito adverso não esperado pela falta de informações oficiais em relatório enviado pelo Instituto Butantan. Mesmo depois de uma reunião entre as instituições, as pesquisas seguem paralisadas.
Uma suposta interferência política nas decisões em torno da vacina também foi questionada. A CoronaVac é motivo de confrontos constantes entre o governador de São Paulo, João Doria, e o presidente da República, Jair Bolsonaro. Bolsonaro que, inclusive, postou em seu Twitter comemorando a suspensão dos testes da vacina produzida em São Paulo.
A pesquisadora em saúde do Centro de Estudos em Gestão de Serviços de Saúde da UFRJ, Christyna Barros, condena a postura do presidente. Segundo ela, é preciso que haja isenção das pesquisas para “produzir ciência, sem que haja uma tendência a se avaliar ou aprovar uma vacina A ou B”.
“A manifestação do presidente da República em rede social fala completamente contra qualquer condução técnico-científica. É um desserviço. É encorajar, inclusive, o movimento dos anti-vacinas. Neste momento, como o mundo inteiro acompanha o estudo e as testagens dessa vacina, seria importante que fosse dado mais transparência para esse processo de desenvolvimento. Sob o risco de colocarmos a população contra a única solução que nós temos para enfrentar não só o coronavírus, mas uma série de doenças infecto-contagiosas”, afirma a pesquisadora.
Christyna Barros lembra que eventos adversos acontecem e "é para isso que são feitas as grandes testagens de fase 3". Ela lembra que a vacina de Oxford também esteve paralisada por um momento, no mês de setembro, assim como outros imunizantes. 
"A grande preocupação é que, infelizmente, no nosso país, vemos uma interferência do poder executivo de maneira política. Muito mais preocupado em se contrapor ao Governo do Estado de São Paulo do que propriamente a apoiar a ciência", conta a pesquisadora. 
Para ela, o diretor da Anvisa precisa garantir a isenção de um trabalho que seja técnico: "Afinal de contas, o Butantan, assim como a Fiocruz e o Evandro Chagas, são institutos de excelência que distribuem vacina não só para o nosso país como para o mundo, reconhecidos internacionalmente. E têm todas as competências técnicas para selar várias parcerias", conclui Christyna Barros. 
 *Estagiário sob supervisão de Marina Cardoso