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Natural de SG, miss Trans Brasil disputará título mundial na Tailândia

Eloá Rodrigues, 27 anos, é modelo, estudante de Ciências Sociais na UFF e ativista dos movimentos negro e LGBTIQ+

'Os olhares e as piadinhas sempre foram subliminares, apontando que certos lugares não são para mim, mas nunca haviam me atacado por eu ser negra, até o momento em que ganhei esse título nacional', desabafa
'Os olhares e as piadinhas sempre foram subliminares, apontando que certos lugares não são para mim, mas nunca haviam me atacado por eu ser negra, até o momento em que ganhei esse título nacional', desabafa -
SÃO GONÇALO - Curtindo ainda a vitória no concurso nacional que lhe deu o título de Miss Beleza Trans Brasil 2020, Eloá Rodrigues se prepara agora para disputar o Miss International Queen em 2021, na Tailândia. Oriunda do bairro Jardim Catarina, a modelo de 27 anos não se destaca apenas pela beleza estética, mas por um conjunto de qualidades que fazem dela uma personalidade forte no cenário social do eixo São Gonçalo-Niterói. Estudante de Ciências Sociais na Universidade Federal Fluminense (UFF), ela é presidente do Conselho Municipal LGBTIQ+ de Niterói e ativista pelos direitos da população negra. "Luto pela equidade entre as pessoas através da oportunidade para aquelas que, assim como eu, estão à margem da sociedade, tentando ocupar espaços não pensados para alguém como nós", diz.
Criada pela avó até os dez anos, quando esta faleceu, morou um curto tempo com o pai e a mãe, mas por afinidade ficou com a tia até os 23. "Ela era minha confidente e amiga. Passamos por muitos momentos importantes e decisivos juntas, como a minha transição de gênero. Tive uma infância e uma adolescência felizes, apesar de as pessoas reforçarem o tempo todo que eu era diferente dos outros meninos. Eu sabia desde o início que era trans, apesar de não conhecer ainda o nome disso, porque naquela época não existia ainda essa categoria social. Não me sentia completa me declarando apenas gay, porque faltava mais alguma coisa. Passei por todo esse processo junto da minha tia e das filhas dela, minhas primas, criadas como irmãs, que sempre me respeitaram", relembra.
Foi aos 21 que Eloá conseguiu se autodefinir e se posicionar para a família, que a apoiou. Dois anos depois, mudou-se de São Gonçalo para Niterói, onde conheceu o Prepara Nem, um pré-vestibular formado por pessoas trans em busca de inserção social. "Conheci e passei a conviver com pessoas como eu. Mais do que um cursinho, o grupo nos fortalece valores e autoestima. Entrei para a faculdade em 2017 e desde então permeio minha trajetória conciliando vida e sonhos com o ativismo, pelo qual viajei para alguns estados palestrando sobre a importância do movimento das pessoas segregadas pela sociedade", conta ela, que também marcou presença no 1º Seminário de Mulheres Negras, Afro-latino-americanas e Caribenhas, realizado na República Dominicana em 2015, inspirando e encorajando mulheres dos 70 países participantes.
O Prepara Nem começou como um projeto de pré-vestibular social, auto-organizado e autogestionado, mas se desenvolveu em uma rede de pessoas T para além do Enem, que conta com apoio de voluntários. Sua base é feita por e para travestis, transgêneros, transexuais e LGBTIA em situação de vulnerabilidade social e preconceito de gênero. 
A carreira de modelo de Eloá começou antes disso, em 2016, com a participação em desfiles de moda. Em 2019 concorreu a miss trans na primeira edição nacional do evento, figurando entre as dez primeiras colocadas. "Muita gente acreditou em mim, porém eu não estava totalmente preparada, então fiz os ajustes necessários com o apoio de uma equipe super dedicada. Este ano o júri percebeu em mim o potencial para fazer a diferença e vou honrar isso. Beleza é fundamental mas não é tudo num concurso de miss. Represento dois segmentos, o LGBTIQ+ e o povo negro, então esse título é importante em dobro, e não apenas uma realização pessoal. Tudo é possível quando se acredita no sonho e quando se tem o estímulo de outras pessoas em volta. Devo minha vitória também aos que acreditaram em mim e fizeram do meu sonho o sonho deles", exclama ela, que logrou êxito na final ocorrida no dia 24/10 em São Paulo.
Mas as manifestações de preconceito de gênero e de cor mostram o longo caminho de construção de respeito e de obediência às leis que ainda precisa ser percorrido até a verdadeira equidade social. "A transição nunca para, não tem um fim. Pessoas, de modo geral, estão em constante transição, principalmente quando se trata de gênero. Nunca sofri diretamente um racismo explícito até minha coroação, quando recebi reações escancaradas, muito por conta da forma como eu me comunico e me porto. Os olhares e as piadinhas sempre foram subliminares, apontando que certos lugares não são para mim, mas nunca haviam me atacado por eu ser negra, até o momento em que ganhei esse título nacional. Preferi não ler os comentários na internet, mas minha equipe copiou e irá tomar as medidas cabíveis", garante.
https://odia.ig.com.br/sao-goncalo/2020/12/6041541-natural-de-sg-miss-trans-brasil-disputara-titulo-mundial-na-tailandia.html