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Fique atento! Estudo americano não afirma que máscara pode causar câncer de pulmão

Publicações no Facebook compartilhadas mais de 800 vezes fazem essa observação

Estudo americano não afirma que o uso de máscara causa câncer de pulmão
Estudo americano não afirma que o uso de máscara causa câncer de pulmão -
Publicações no Facebook compartilhadas mais de 800 vezes afirmam que o uso de máscaras de proteção, amplamente indicadas durante a pandemia de covid-19, pode causar câncer no pulmão. A alegação seria baseada em um estudo científico que relaciona os micróbios pulmonares ao estado cancerígeno. No entanto, a pesquisa não faz qualquer referência às máscaras, e um de seus autores garantiu à AFP que qualquer tentativa de vinculá-las ao estudo é falaciosa.
“ESTUDO: Uso de Máscara de longo prazo cria micróbios que se infiltram e contribuem para o câncer de pulmão em estágio avançado”, pode-se ler em uma foto compartilhada em publicações que circulam pelo menos desde o último dia 2 de fevereiro e que também exibem supostas notícias sobre o assunto.
O conteúdo circula desde meados de janeiro em sites que, segundo a ferramenta CrowdTangle, registra mais de 2.000 compartilhamentos. Em todos os casos se faz referência a um estudo que comprovaria a relação entre o uso de máscaras e o desenvolvimento de câncer de pulmão. A afirmação também circulou em inglês e neste vídeo em polonês.
"Um novo estudo descobriu que o uso contínuo de mascara facial promove o cultivo de micróbios que podem se infiltrar nos pulmões através de aspirações inconscientes e causar respostas inflamatórias e câncer de pulmão em estágio avançado”, diz o texto do site O evento, compartilhado no Facebook.
“Um estudo recente publicado na revista Cancer Discovery descobriu que a inalação de micróbios nocivos pode contribuir para o câncer de pulmão em estágio avançado em adultos. O uso prolongado de máscaras faciais pode ajudar a criar esses patógenos perigosos”, indica o texto do site Contra Fatos!.
Todas as publicações e textos viralizados asseguram que essas afirmações se baseiam em um artigo científico intitulado “Lower Airway Dysbiosis Affects Lung Cancer Progression”, publicado na edição de fevereiro de 2021 do periódico americano Cancer Discovery, da Associação Americana para Pesquisa sobre Câncer (AACR, na sigla em inglês).
O estudo tem o objetivo de demonstrar a relação entre “comensais orais que ativam as vias inflamatórias” e a “progressão do câncer de pulmão” e, para isso, analisa a presença de micróbios orais nos pulmões de pacientes com a doença. Para a sua realização, foram recrutados 148 indivíduos com nódulos pulmonares. Os autores concluem que o "enriquecimento dos pulmões com micróbios comensais orais foi associado à doença em estágio avançado, pior prognóstico e progressão do tumor em pacientes com câncer de pulmão". No entanto, eles não mencionam em nenhum momento o uso de máscaras.
Além disso, o estudo foi feito entre março de 2013 e outubro de 2018, muito antes do início da pandemia e do uso generalizado de máscaras.
Procurado pelo AFP Checamos, Leopoldo Segal, um dos autores do artigo publicado na Cancer Discovery, se pronunciou sobre as postagens viralizadas:
“Afirmações de que o uso de máscara aumenta no longo prazo os níveis de micróbios pulmonares, prepara os pulmões para a inflamação e contribui para a patologia do câncer de pulmão não são precisas, e qualquer tentativa de vincular as descobertas do estudo ao uso de máscara é falaciosa”
A AACR confirmou por e-mail à AFP que “o estudo não aborda o uso de máscara”. “Não há nenhum fundamento científico ou evidência para apoiar a ideia equivocada de que o uso de máscara aumenta a quantidade de bactérias orais que chega aos pulmões”, acrescentou.
A associação explicou, ainda, que essas bactérias analisadas no estudo provêm, principalmente, da boca e da orofaringe por meio da aspiração das secreções orais.
“A quantidade e a mistura de espécies de micróbios orais dependem de higiene oral, má dentição e ingestão de alimentos. As espécies bacterianas comensais orais (...) estão presentes na cavidade oral de quase todos os indivíduos, independentemente das condições descritas acima. No pulmão, essas bactérias nem sempre estão presentes, mas quando estão, são encontradas associadas a um aumento da inflamação em indivíduos saudáveis e em pessoas com doenças”, detalhou.
Segundo a associação, o aumento dessas bactérias no pulmão é provavelmente causado pela aspiração de secreções orais ou pela diminuição da capacidade de eliminá-las.
Máscaras e câncer
Antes de essas publicações se basearem de forma errônea no estudo da AACR, já haviam sido compartilhadas nas redes sociais outras postagens que afirmavam que o uso de máscaras para evitar o contágio por covid-19 poderia provocar câncer. A AFP verificou esses conteúdos em espanhol e português, e os especialistas consultados concordaram que não existem evidências que comprovem essa relação.
O médico Alfredo Silva, do Instituto Nacional do Câncer do Chile, assegurou à equipe de checagem da AFP que “não existe evidência científica que estabeleça um vínculo causal entre seu uso (de máscara) e o risco de alguma neoplasia maligna”.
Postagens que sugerem que o uso prolongado da máscara pode gerar câncer argumentaram que a proteção pode gerar um ambiente propício à proliferação de bactérias ou mesmo uma acidose, que causaria a doença.
Os especialistas consultados sobre essa afirmação indicaram que o surgimento de fungos ou bactérias pode ser evitada respeitando medidas de higiene e a duração das máscaras.
“É factível que esta situação ocorra porque a função das máscaras é servir como uma barreira para que as gotículas de saliva não se dissipem quando falamos ou tossimos”, afirmou o doutor Daniel Pahua, acadêmico de Saúde Pública da Universidade Autônoma do México (UNAM). “Sob condições normais, os humanos têm bactérias normais na boca e na cavidade nasal e, quando falamos, projetamos gotículas de saliva. Ali podem haver fungos ou bactérias que vão se alojar na máscara”, continuou.
No entanto, “a maioria destes agentes não produz doenças, porque são bactérias que temos em nossa boca”, apontou. Por isso, enfatizou “que se alguém utiliza uma máscara descartável, deve usá-la somente uma vez e descartá-la”.
Sobre a acidose, um excesso de acidez no sangue, o epidemiologista do Instituto Nacional de Saúde da Colômbia, Carlos Pinto, descartou que possa ser gerada pelo uso de máscaras. “Caso contrário, as pessoas que trabalham em unidades de terapia intensiva poderiam ser afetadas com a máscara N95”, exemplificou.
No Brasil o uso de máscara é obrigatório em lugares públicos como prevenção contra o novo coronavírus desde 3 de julho do ano passado. Apesar de ter sancionado a lei que determina essa obrigação, o presidente Jair Bolsonaro foi visto diversas vezes sem máscara em meio a aglomerações.
A obrigatoriedade, contudo, não é consensual. Na primeira semana de fevereiro, o deputado Heitor Freire, do Partido Social Liberal (PSL), apresentou um projeto de lei à Câmara dos Deputados para pôr fim à medida.
Essa alegação sobre o estudo que relacionaria o uso de máscara ao risco de câncer também foi verificada pelo Aos Fatos e pela Reuters.