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Cantos afro-brasileiros entoados por escravizados são tema de websérie

Cantora, contadora de histórias e dançarina de ritmos populares, a narradora Ana Paula Rosa é membro do coletivo Ayó de contadores negros e especialista em cultura negra

Dona Vilma da Candê, griô da memória negra no Rio
Dona Vilma da Candê, griô da memória negra no Rio -
SÃO GONÇALO - A cantora, contadora de histórias e dançarina de ritmos populares Ana Paula Rosa é a narradora do conto Dona Sebastiana - Cantos de Vissungo, segundo episódio da série Narrando Mulheres, em exibição no canal homônimo do YouTube. Vissungos eram cantos afro-brasileiros entoados pelos escravizados do garimpo no interior de Minas Gerais, descobertos e pesquisados por ela desde 2011. A artista, que já havia estudado danças de mesma origem quando aluna de Augusto Boal no Teatro do Oprimido em 1998, apaixonou-se pela cultura negra e passou a respirar suas raízes históricas em várias frentes de atuação artística, tornando-se uma verdadeira especialista no assunto.
"Fiquei tão encantada com o material que, a partir dali, além do interesse em aprofundar o conhecimento sobre os cantos e sua origem, também iniciei o estudo de música. Foi quando comecei a contar histórias, mas na época não imaginava que as as mesmas me levariam a viajar por outros estados e participar de encontros e festivais", conta Ana, que cursou Música na Escola Portátil e fez preparação vocal com o maestro Sidney Carvalho. "Com Boal aprendi técnicas que me ajudaram a promover discussões sobre preconceito, exclusão e acessibilidade, que são temas em pauta até hoje quando damos voz aos oprimidos", diz.
Narrando Mulheres reúne narrativa oral, audiovisual e fotografia em uma websérie com contos de diferentes culturas, apresentados por cinco artistas diferentes e ilustrados com fotografias de outras cinco personalidades femininas do estado do Rio de Janeiro que vêm se destacando em diferentes áreas da sociedade: Vilma da Candê (carnaval), Luciana Novaes (política), Joana Oscar (educação), Maria Izabel (empreendedorismo) e Mariana Brochado (esporte). O projeto foi contemplado pela Lei Aldir Blanc através do Edital de Chamada Emergencial de Premiação nº 01/2020 ("Retomada Cultural RJ"), da Secretária de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro. O roteiro, a direção e a apresentação do canal e da série são de Luciana Zule e a realização é da Estufa de Ideias em parceria com a Magalona Produções. Cada um dos cinco episódios inspiradores com 15 minutos de duração traz uma narradora diferente, e Vilma de Candê é quem apresenta o episódio dos Vissungos, escrito e entoado por Ana.
Nascida no Rio de Janeiro e moradora de São Gonçalo há 10 anos, a multifacetada Ana Paula Rosa é terapeuta ocupacional na rede pública de saúde mental de Niterói. "Tornar conhecido os vissungos e seus fundamentos também tornou conhecidas as histórias de tantas pretas e pretos de nosso país. Era contar minha própria história e, mais ainda, possibilitar me fazer presente em espaços onde adultos e crianças nunca tinham ouvido falar de histórias de escravizados. Posso dizer que cada encontro tem sido uma missão e um enfrentamento", define. Desde 2014, ela faz a direção artística do projeto Música & Poesia e Cia. dos Encantados, apresentando-se em bibliotecas, escolas e espaços públicos de todo o Rio de Janeiro. Em 2016, a artista entrou para o Ayó, um coletivo de contadores negros, realizando apresentações de contos autorais no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. 
Nascida no Rio de Janeiro e moradora de São Gonçalo há 10 anos, a multifacetada artista é também terapeuta ocupacional na rede pública de saúde mental de Niterói - Divulgação / Renato Marques
Nascida no Rio de Janeiro e moradora de São Gonçalo há 10 anos, a multifacetada artista é também terapeuta ocupacional na rede pública de saúde mental de NiteróiDivulgação / Renato Marques
Ana lamenta que, na maioria dos espaços aonde leva seu projeto, a maioria do público negro desconheça a rica cultura afro-brasileira. "Agora, mais do que nunca, se faz mais necessário participar e estar presente em todos os espaços sociais, pois ainda carecemos de representatividade negra em encontros sobre literatura e contação de história. Foi me inscrevendo em editais, aceitando convites e participando de diversos eventos que percebi que muitas das vezes só tinha uma ou duas pessoas negras se apresentando e é nesse enfrentamento que vamos vencendo o preconceito e o desconhecimento de nossas histórias, mantendo viva as histórias de nossos ancestrais", exclama.
Sobre sua participação a websérie Narrando Mulheres, Ana define como uma experiência fantástica. "Lidar com a filmagem e uma direção artística foi um grande aprendizado, sem falar no fato de ver a personagem da história que criei se tornar real na figura da Dona Vilma da Candê, que imprimiu um acabamento estético incrível. Fique muito feliz com o resultado e hoje me sinto mais preparada para fazer uso da tecnologia, pois esses tempos de pandemia nos trouxeram novas formas de contar histórias, que vieram para ficar", resume. Veja o vídeo em https://www.youtube.com/watch?v=qn1Q3jnFvbQ.
Griô do samba (nome dado à pessoa que detém a memória de um grupo e funciona como difusor de tradições), a carioca Vilma da Candê é luxo e elegância em seu bailado na Ala das Baianas da Estação Primeira de Mangueira há 30 anos. Ela começou a desfilar na escola de samba verde e rosa aos oito anos de idade, integrou a Ala da Comunidade por dois anos e foi passista por outros dez. Foi mulata do conjunto Juventude Samba Show durante três anos, participando de diversas apresentações pela Mangueira. Trabalhou na boate Oba-Oba ao lado de Osvaldo Sargentelli, o radialista, apresentador de televisão e empresário que se autodefinia como "mulatólogo”.
1- Sherazade, por Maria Clara Cavalcanti. Convidada: Luciana Novaes
2- Dona Sebastiana, por Ana Paula Rosa. Convidada: Vilma da Candê
3- Pele de Foca, por Maria Coelho. Convidada: Mariana Brochado
4- Las Capullanas e o canto das baleias, por Rosana Reátegui. Convidada: Maria Izabel
5- Óxum, por Tatiana Henrique. Convidada: Joana Oscar
Dona Vilma da Candê, griô da memória negra no Rio Reprodução / YouTube
Nascida no Rio de Janeiro e moradora de São Gonçalo há 10 anos, a multifacetada artista é também terapeuta ocupacional na rede pública de saúde mental de Niterói Divulgação / Renato Marques