Mais Lidas

Especialistas apontam que Brasil ficaria isolado em um eventual governo Biden

Bolsonaro sacrificou relações com outros países para construir laço ideológico com Trump; confira o que muda nas relações diplomáticas com o país em um eventual governo democrata nos EUA

Presidente Jair Bolsonaro
Presidente Jair Bolsonaro -
Rio - Uma mudança de governo nos Estados Unidos trará dificuldades para a política externa sob o comando de Jair Bolsonaro, avaliam especialistas. O presidente do Brasil firmou uma aliança ideológica muito consolidada com Donald Trump, chegando a expressar apoio a sua reeleição e a criticar diretamente o democrata Joe Biden em mais de uma ocasião nos últimos meses, e deverá sentir as consequências disso em um eventual governo liderado pelo democrata.

LEIA TAMBÉM: Biden bate recorde de Obama em 2008 no voto popular
"O Brasil, sem Trump na Casa Branca, fica bastante isolado do ponto de vista diplomático e vai se ver obrigado a reorientar a sua política externa", afirma Carlos Gustavo Poggio, PHD em relações internacionais e professor na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). "Cabe lembrar que a relação do Brasil com Trump foi feita às custas de outras relações diplomáticas do país, como por exemplo com a Argentina e com alguns países europeus", explica.
Ele acredita, contudo, que não deve haver uma mudança muito grande, do ponto de vista estrutural, na relação entre os dois países. "A relação comercial, por exemplo, deve permanecer a mesma".
Para André Martin, professor titular de Geopolítica da Universidade de São Paulo (USP), uma reorientação das relações diplomáticas brasileiras é improvável sob o governo Bolsonaro. "Se Bolsonaro buscar uma conciliação com o Biden, isso vai trair seu lado ideológico, que é a base de seu governo", diz.
"Trump e Bolsonaro firmaram uma parceria que vai perdurar mesmo com uma derrota de Trump. São dois governos que surgem de uma profunda crise do capitalismo - e essa crise não se encerra com um governo Biden. Então a crise vai continuar, e a relação entre eles também", explica.
Segundo o professor, o ponto central do desgaste da relação do Brasil com os Estados Unidos sob Biden seria a Amazônia e a questão do meio-ambiente. "Até agora, todo o discurso converge para uma guerra pelo direito de destruir a Amazônia como medida de soberania nacional, versus um suposto governo mundial globalista que teria interesses em tomar a Amazônia para si. Será que eles conseguiriam manter esse mesmo discurso contra os EUA?", questiona.
"Os democratas são mais comprometidos com o idealismo e com a ideia de que os EUA têm uma missão ideológica mundial. E isso, na verdade, torna a sua política externa até mais perigosa e intervencionista", pondera o professor.

Biden, contudo, precisaria administrar a oposição contra Bolsonaro - fundamental até mesmo para chancelar sua posição como líder mundial, segundo avalia Martin - com os interesses estruturais dos EUA no Brasil. "Por exemplo, na questão do 5G, o cenário seria muito parecido", explica. "Biden teria um problema, porque Trump deixou os EUA em uma posição de vantagem em uma série de acordos comerciais firmados com o Brasil, e que seria de seu interesse manter".
Os especialistas concordam, contudo, que a maior ruptura entre os dois governos aconteceria no campo ideológico. "Uma derrota do Trump significa uma mudança de ordem ideológica, ela altera o ambiente ideológico no qual o Brasil se insere. Uma derrota de Trump é um recado de que o modo de fazer política defendido por Trump - seu estilo - não está funcionando, e esse recado se estende para aqueles que o admiram, que o imitam", explica Poggio. 
"Infelizmente, (com uma vitória de Biden) o Brasil vai passar a ser a cidadela do ultra-reacionarismo no mundo", diz Martin. "Com a derrota de Trump, transfere-se para cá a responsabilidade de derrotar em definitivo essa loucura", conclui o professor.