Mais Lidas

Grande parte dos restos mortais descartados por milícias só pode ser identificada por DNA

Exame pode demorar mais de um ano para ficar pronto, aumentando o drama das famílias

Após receber denúncias, policiais civis escavam para resgatar restos mortais na Baixada Fluminense
Após receber denúncias, policiais civis escavam para resgatar restos mortais na Baixada Fluminense -

Se a identificação de um corpo de vítima de homicídio requer, na maioria das vezes, um trabalho especial de identificação, os corpos descartados por grupos paramilitares têm sido um desafio ainda maior. Só este ano foram encontrados seis cemitérios clandestinos no estado, dois em Itaboraí e outros quatro na Baixada Fluminense, com ossadas de pelo menos 35 vítimas, segundo o delegado-chefe do Departamento Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa (DGHPP), Antônio Ricardo Nunes.

Chamadas por alguns peritos como "judiados", tamanho seu estado de degradação, as ossadas passam por todo um processo de tentativa de identificação. Mas, na maioria das vezes, só a última etapa, que consiste na comparação de material genético, é efetiva.

Só este processo poderá determinar se uma das oito ossadas localizadas no cemitério clandestino de Babi, em Belford Roxo, no dia 14 de agosto, pertence a Julio Cesar dos Santos Ricardo, de 19 anos. Morador do bairro Nova Aurora, alvo de disputa entre milicianos e traficantes, Julio está desaparecido desde o dia 13 de julho. "É uma dor inexplicável. Enquanto não sei onde está meu filho, não podemos nem fazer um enterro. É um pedaço nosso que nunca vai ser restaurado", desabafou a mãe da vítima, que já colheu material genético e aguarda o resultado do exame.

Mas nem todas os familiares de desaparecidos tem a mesma sorte. "Toda vez que a gente descobre um cemitério clandestino, muitos familiares vêm até a delegacia, pedindo para fazer exame. Mas não temos como colher DNA de 300 famílias. Não há estrutura para isso", explica o delegado assistente da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), Leandro Costa. "A identificação dos corpos descartados pela milícia realmente não é fácil. Em Queimados, os corpos foram jogados em poços d'água, durante dois anos. Até para saber de quantas pessoas são as ossadas, dá trabalho. São quebra-cabeças de cinco mil ossos".

Depois que um corpo é encontrado, a primeira tentativa de identificação é através de perícia papiloscópica, por meio das impressões digitais. Segundo especialistas, até quando o corpo está carbonizado, há recursos para se chegar àquela identificação, através das papilas (dérmicas existentes na palma das mãos e na sola dos pés). Mas, quando o estado de decomposição do material não permite este tipo de identificação, a próxima tentativa é através da identificação antropológica. Através de fragmentos como o da arcada dentária, compara-se com exames que a família tiver do desaparecido, como exames de raio X odontológico, por exemplo. Mas, quando isso também não resolve, a última tentativa é através de comparação genética dos fragmentos de restos mortais com o material genético de familiares do desaparecido.

Chefe das DHs: "sensação de impunidade cresce"

Chefe do Departamento Geral de Homicídios, Antônio Ricardo Nunes admite que a demora na entrega de alguns exames de DNA, que pode chegar a até 1 ano e meio, aumenta a sensação de impunidade dos criminosos. Mas, para ele, tal demora é compatível com a falta de estrutura à qual está submetida a Polícia Civil.

"Quando há demora, a sensação de impunidade cresce. A gente queria que (os laudos fossem expedidos) o mais rápido possível. Mas 1 ano é um prazo razoável. O ideal é que fosse menos, mas com o momento de poucos recursos que vivemos, não acho que um ano de espera pelo DNA esteja tão ruim. Evidentemente, queremos melhorar".
Apesar da espera, ele avalia o saldo como positivo. "Há uma maior demanda pelos exames de DNA com a descoberta dos cemitérios clandestinos. Mas, se há uma expectativa de impunidade por parte desses marginais, isso é pra deixá-los incomodados. Mesmo se enterrarem, nós vamos achar e identificar as vítimas".