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Buchecha relembra opressão ao movimento do funk: 'Contribuímos para quebrar barreiras'

Funkeiro abre o jogo sobre sua criação na comunidade Coronel Leôncio e do Complexo do Salgueiro

Buchecha
Buchecha -
'As galeras pedem a paz, a luta continua. O bicho anda solto pelas ruas. Sou suspeito pra falar, mas vou mostrar. Coronel e o Salgueiro têm um jeito brasileiro de abalar'. O Rap da União, de Claudinho e Buchecha, de 1997, ainda traz em seus versos uma mensagem bem atual. Com o Rap do Salgueiro (1995) também não é diferente. Em entrevista ao Alô, Comunidade, Buchecha fala sobre sua vivência em Coronel Leôncio e no Complexo do Salgueiro, relembra o movimento do funk na década de 90 e a opressão que sofria, lamenta a intensa violência nas favelas, que tira vidas de muitos inocentes, e manda o papo para os governantes. Confira a entrevista!  
- Você é nascido e criado na comunidade de Coronel Leôncio, em Niterói, e também morou no Complexo do Salgueiro. No Salgueiro você viveu por quanto tempo? Ainda tem amigos por esses locais, costuma a visitar as comunidades?
Nasci na comunidade de Coronel Leôncio e vivi até os 7 anos de idade. Depois fui morar no Boassu, em São Gonçalo. Em seguida, no Complexo do Salgueiro, onde cresci dos 15 aos 21 anos. Hoje falo com alguns amigos desses lugares e outros, infelizmente, já não estão vivos ou não moram mais nesses locais.

-Como foi sua infância na comunidade? Quais são suas maiores lembranças?
Eu não tive muito tempo pra brincar. Então, ia pra escola e depois ia pra feira carregar carrinhos e sacolas de frutas pras senhoras que me davam umas moedas. Assim eu conseguia ajudar em casa e quando sobrava tempo eu brincava de futebol, soltar pipa e carniça (risos). 

- O rap do Salgueiro abriu as portas para você e o Claudinho em 1995. Vocês ainda citaram a comunidade no Rap da União e em outras canções. A comunidade sempre foi uma inspiração musical pra você, Buchecha?
Citar as comunidades sempre foi algo comum nas letras dos funks antigos. Eu sempre curtia muitos pagodes e um dia ouvindo o disco do mestre Bezerra da Silva resolvi escrever alguns raps. falando de comunidades. Quem não conhece aquela música do Bezerra que diz: 'Voltei para falar das favelas que eu não falei'. Ali ele faz citação a diversas comunidades que me aguçou a copiar a fórmula. 
- Existe uma parte ruim e boa de ser da comunidade? 
A ruim é o abandono, e a boa é sonhar e lutar pelo certo. Eu costumo dizer que “o lugar não faz a pessoa”. São as pessoas que fazem o lugar. Mas as comunidades tem sim um 'Q' de diferente. E, sinceramente, toda minha formação como ser humano e homem vem de lá. O respeito, a reverência aos mais velhos, os limites e a capacidade de dar a volta por cima com o sorriso no rosto, mesmo que a situação financeira não fosse boa e o lugar fosse esquecido pelos governantes. Como ainda é até hoje, a gente sempre arrumava um jeito de sonhar e crer num mundo melhor .
- Nas letras, vocês também pediam paz nas comunidades. Como é ver que depois de tantos anos, a violência nas comunidades não dá trégua? 
É triste ver que ainda as crianças morrem por balas perdidas, que vidas são interrompidas de maneira absurda, como era desde daquela época, nada mudou ! O combate à violência continua arcaica e ineficaz, onde morrem mais inocentes todos os dias e a violência não diminui em nada. Esse ano mesmo aconteceram tantas tragédias assim e a cada ano isso só piora. Não aguento mais ouvir notícias de que inocentes foram vitimadas dentro de casa, ou trabalhando, ou no ônibus, ou até mesmo na sala de aula. Isso é devastador.

- Hoje você é uma forma de inspiração para os moradores das comunidades. Como uma pessoa que venceu na vida, trabalhando de forma bem suada... Como você enxerga isso?
Sim, de alguma forma a gente acaba sendo visto por mais pessoas e, mesmo sem querer, assumimos uma responsabilidade com as crianças e jovens que se espelham em nós. Na verdade desde o princípio eu e Claudinho sempre fomos ativos quanto essas causas. Dois meninos pobres, de favela, como eles, que sonharam e conseguiram algum êxito e mudarem suas condições de vida através da música, mas que mesmo antes de alcançar o sucesso já trabalhavam honestamente “pra ganhar o seu pão de cada dia”. Na obra de construção civil, vendendo picolé na praia, doces no semáforo ou catando caranguejo pra sobreviverem de cabeça erguida. Acho que conseguimos cumprir bem esse papel na música também !
- Você é um dos maiores funkeiros do Brasil. No início de sua carreira, o funk ainda era visto como coisa de favelado. E você e o Claudinho conseguiram fazer com que o ritmo fosse bem visto por todos. Você tem orgulho de ser um dos pioneiros nisso, Buchecha? 
(Risos). É difícil eu falar de mim e Claudinho nesse tom. Mas eu prefiro dizer que contribuímos para que o Movimento funk quebrasse algumas barreiras que até então ninguém havia conseguido na época. Mas eu não me sinto o maior não, nem ele (Claudinho) se sentia assim! Antes eu faço justiça em citar Cidinho e Doca, Wiliam e Duda, Danda e Tafarel, Garrincha e Julinho, Mc Dieddy e tantos outros manos que também foram e ainda são muito importantes pra que tudo isso fosse alcançado. A molecada de hoje em dia nunca saberá o que é levar coronhada na cabeça e tomar tapa na cara mesmo sem nunca ter usado nenhuma droga, nem nunca ter posto a mão numa arma de fogo, mas só por estar fazendo parte de um “movimento que era criminalizado”. 'BAILES FUNKS'.  Isso já bastava pra sofrer esses tipos de perseguições. Graças a Deus ao que parece hoje já não é mais assim. Pelo contrário, alguns funkeiros não estão sabendo aproveitar a oportunidade de cantar coisas mais positivas e construtivas, tá faltando consciência social, falta pensar nas crianças da comunidade, temos que ter cuidado pra não incitar mais ódio, já que temos tantos outros problemas, então ao menos nas músicas podíamos caprichar mais, já temos violência demais!Não é porque eu vejo violências e mortes que eu tenho que cantar isso, se dependesse só de mim, todo ódio e toda maldade morreriam de fome, se tenho que alimentar algo, que esse seja o AMOR . 

- Quais são seus projetos musicais atuais, Buchecha?
Hoje em dia estou trabalhando no estúdio de gravação, onde tenho composto bastante canções e produzido muitos artistas, inclusive o meu filho Ceejay, que está lançando um E.P bem legal. Eu sou suspeito pra falar, mas o menino é talentoso, aliás a menina (Giulie) também é. Uma talentosa atriz, ambos são minhas apostas nas artes. Estou muito feliz com essa nova empreitada na minha carreira, mas ainda quero gravar algumas músicas este ano ou ano que vem. Tô pensando ainda. 
- O que você espera dos governantes pras comunidades, não só na questão da segurança, mas em geral?
São tantas coisas que ficaria horas aqui sublinhando o que poderia ser feito e até já deveria ,mas eu gostaria muito que investissem em educação, segurança, saúde e programas de inclusão social ,como primeiro emprego para os jovens de comunidades e capacitação técnica para possíveis encaminhamentos no futuro. Isso são algumas das coisas que eu gostaria, mas pra ser bem realista eu nunca espero nada de nenhum governo. Somos nós mesmos que traçamos o nosso caminho e arregaçamos as mangas pra lutar por uma vida melhor. O máximo que o governo pode fazer é não atrapalhar, mas se não tiver roubalheira dá sim pra olhar pelas comunidades e criar formas de produção e gerar empregos em parcerias com o setor público, a falta de opção gera muitas mazelas sociais, dentre elas a desigualdade e o aumento da miséria e da violência. Mas se um cidadão de bem quiser montar uma barraquinha na rua pra vender balas, vem o famoso 'rapa' e te leva tudo, e até pode te levar pra cadeia, não te ajudam e ainda atrapalham. Aí fica difícil. 
Buchecha Felipe Max / divulgação
Buchecha Felipe Max/ divulgação