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'Salvo' pela luta, cria do Morro do 18 cria projeto social de artes marciais

Colunista convidado da semana, Daniel Dhonata fala da importância do esporte na sua vida e na transformação de moradores da comunidade de Água Santa

Daniel Dhonata perdeu o pai ainda pequeno e foi criado pela mãe e o avô
Daniel Dhonata perdeu o pai ainda pequeno e foi criado pela mãe e o avô -
Me chamo Daniel Dhonata, nasci no dia 14 de fevereiro de 1999, em Maricá. Fui criado pela minha mãe, Débora Henrique, e meu avô, Hylário Henrique. Perdi meu pai ainda pequeno. Na verdade, eu nem me lembro como ele era, mas em compensação fui criado por uma rainha e um herói. Os dois deram tudo que eu precisaria para chegar em qualquer lugar: a educação, simplicidade e toda humildade do mundo.

Aos cinco anos de idade, descobri que tinha anemia e uma suspeita de anemia falciforme. Foi quando comecei a fazer o judô. No início, foi mais por necessidade de ter que emagrecer. Muitos alunos da turma faziam bullying dizendo que eu era muito gordo para estar no meio deles, e acabei desanimando da luta.
Com sete anos, me mudei para o Morro do 18, em Água Santa. Aos 11, meu vizinho que praticava Jiu-jítsu botava um tapete num espaço baldio e eu e mais algumas crianças treinávamos com ele.
Daniel tem experiência com o Jiu-jítsu, Muay thai e o MMA - Arquivo Pessoal
Após um tempo, achei uma academia de Muay thai e com quatro meses de treino tive uma fratura exposta no antebraço esquerdo e tive que botar duas placas de ferro. Os médicos e outras pessoas diziam o tempo todo que eu nunca mais ia poder lutar e que nunca mais iria ter um braço normal. Por diversas vezes, fui chamado de aleijado. Após 15 dias, eu tive a retirada dos pontos e esse foi o único tempo de repouso.

Logo em seguida, encontrei uma academia de MMA bem humilde que ficava no terraço da casa do líder da equipe. Foi o cara que me apoiou, me acolheu e me emprestou seu Kimono. Ele abriu a porta da sua casa para que eu pudesse treinar. E foi aí que achei outro estilo de vida que é o BJJ (do inglês, Brazilian Jiu-Jitsu). Com poucos meses de treino, tive meu primeiro campeonato de Jiu-jítsu e alcancei o primeiro lugar do pódio.

Quando completei 15 anos, tive que abandonar os treinos para trabalhar porque tive uma filha. Trabalhei em farmácia, lanchonete e cozinha. La na cozinha, disseram que eu não levava jeito para aquilo.
Cria do Morro do 18 luta desde os 11 anos - Arquivo Pessoal


Aos 16 anos, comecei a dar aula, abri um projeto social em cima do morro e tive minhas primeiras lutas de Muay Thai e MMA. Nessa época, comecei a treinar numa academia na Tijuca, onde eu também trabalhei com limpeza.

Quando completei 18 anos, fui morar numa academia na Tijuca, onde aprendi as melhores lições da minha vida e decidi largar minha escola, meus amigos, minha casa, meu lar... até mesmo a minha família. Tive uma experiência totalmente diferente, pois tinha largado todo meu conforto e comodidade da casa da minha mãe.
Morei também em uma academia em Vila Isabel e depois na Tijuca, me virando sozinho. Pensei por muitos perrengues. Lá, eu continuei trabalhando na limpeza e seguindo meus treinos. Aos finais de semana, ia visitar minha família. Se eu pudesse voltar atrás, eu voltaria e faria tudo de novo, pois isso me tornou quem eu sou hoje. Acredito que nada vem fácil nessa vida. Eu passei por momentos muito dolorosos.
Daniel tem experiência com o Jiu-jítsu, Muay thai e o MMA - Arquivo Pessoal


No dia 1º de abril de 2019, tive uma das maiores conquistas, quando fui matéria no jornal A Voz das Favelas. No dia seguinte, peguei os jornais e entreguei para meu avô e algumas pessoas mais próximas que torciam por mim de verdade.
No dia 3, ao chegar do trabalho, passei na casa dele para ver se ele tinha lido o jornal e encontrei meu avô morto no sofá. Aquele momento foi o momento mais difícil da minha vida. Perdi totalmente meu foco, meu rumo. Em seguida, fui dispensado do trabalho e acabou meu casamento.
Muito abatido com todos os corridos, eu perdi totalmente meu foco e desisti da luta. Entrei num estado depressivo profundo.
Daniel tem experiência com o Jiu-jítsu, Muay thai e o MMA - Arquivo Pessoal
Após alguns meses de sofrimento, tive o convite para dar aula num projeto da igreja, que é uma casa de reabilitação e lá eu ouvi muitas histórias de superação, de pessoas com problemas maiores do que os meus. E foi aí que percebi que a vida é feita de problemas, e os problemas são feitos para serem resolvidos e encarando de frente.

Dentro desse projeto, eu senti a vontade e o desejo de poder ajudar alguém, mostrar um novo caminho, um novo estilo de vida. Isso me deu força e motivação para criar um projeto social com o nome "Projeto Mais Forte Que o Mundo".
O projeto começou a funcionar neste sábado. Nele, estarei abrindo portas para dependentes químicos e pessoas em condições de abandono, para que de alguma forma eu possa estar resgatando a humanidade deles e reabitá-los. Assim como a luta me salvou, também pode salvar outras pessoas.
O projeto começou a funcionar neste sábado - Arquivo Pessoal
O projeto tem diversas lutas, reforço escolar, teatro, dentre outras atividades. Ele é aberto a todos os públicos com a finalidade de mostrar um novo caminho. A ideia é ocupar a mente das crianças da comunidade, dar uma segunda chance para os maiores e oferecer a mão a quem precisa de ajuda.
Na inauguração de ontem, fizemos aulão de Jiu-jítsu e Muay thai. A partir de segunda, vamos iniciar as turmas, com uso obrigatório de máscara e o espaço será higienizado antes e depois de todas as atividades.
Tem uma passagem que eu sempre digo lá no projeto, que é "valorizam os troféus, mas esquecem o verdadeiro sentido da vida. E o cinturão significa: você pode evoluir como pessoa, você pode dizer não às drogas, você pode dizer que venceu. E de um lugar onde só sai nos jornais quando tem violência, eu vim para mudar essa história".
* O texto é de responsabilidade do autor.
Daniel Dhonata perdeu o pai ainda pequeno e foi criado pela mãe e o avô Arquivo Pessoal
O projeto começou a funcionar neste sábado Arquivo Pessoal
Daniel tem experiência com o Jiu-jítsu, Muay thai e o MMA Arquivo Pessoal
Daniel tem experiência com o Jiu-jítsu, Muay thai e o MMA Arquivo Pessoal
Daniel tem experiência com o Jiu-jítsu, Muay thai e o MMA Arquivo Pessoal
Cria do Morro do 18 luta desde os 11 anos Arquivo Pessoal
Cria do Morro do 18 luta desde os 11 anos Arquivo Pessoal

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