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Ruas da Cidade de Deus ganharam nomes bíblicos assim como a favela

Comunidade da Zona Oeste do Rio foi projetada na década de 1960 pelo então governador Carlos Lacerda

Moradias da CDD foram construídas para abrigar pessoas de baixa renda
Moradias da CDD foram construídas para abrigar pessoas de baixa renda -
Idealizada pelo então governador Carlos Lacerda, na década de 1960, a Cidade de Deus foi projetada para ser um conjunto habitacional para receber moradores de baixa renda de várias regiões da cidade. A construção das moradias começou no início de 1965 e a ocupação da favela da Zona Oeste do Rio foi antecipada por causa da histórica enchente que atingiu o Rio em janeiro de 1966.
"A ideia era abrigar principalmente os trabalhadores que iriam construir as fábricas no entorno da Cidade de Deus, sobretudo aquelas localizadas às margens da Estrada dos Bandeirantes. Mas quando houve a enchente, várias pessoas que ficaram desabrigadas foram mandadas para lá", conta Iara Oliveira, coordenadora da ONG Alfazendo.
A Favela do Esqueleto ficava onde hoje está a Uerj - Acervo Uerj
Iara nasceu no mesmo ano em que a Cidade de Deus começou a ser ocupada. A mãe dela chegou à comunidade por causa da enchente daquele ano. Ela e os três dos atuais cinco filhos moravam na Favela do Esqueleto, que ficava onde hoje é a Uerj, no Maracanã, e foi alagada.
"Minha mãe chegou a ficar abrigada no Maracanã por causa da enchente. Ela veio morar na Cidade de Deus ainda em janeiro e eu nasci em dezembro", afirma a líder comunitária.
SEM MUROS
Quando a Cidade de Deus foi ocupada já havia recebido nome que carrega até hoje. As ruas da comunidade receberam homenagens da Bíblia, como as ruas Josué e Israel e a Travessa Ezequiel. Na época, eram cerca de 5 mil casas e mais de 20 mil moradores.
"Quando entregaram as casas, elas ainda não tinham o banheiro funcionando, a parte elétrica... os moradores tinham que comprar querosene ou vela para iluminar as residências e cozinhar. Tem casas que ainda são como foram feitas, só com um quarto, uma salinha, um banheiro e uma cozinha muito pequena", afirma Iara.
A comunidade foi projetada no início dos anos 60 - Fotoclube CDD
Das memórias mais marcantes que tem da infância e juventude na comunidade, Iara lembra de uma senhorinha conhecida como Dona Mercedes, que colocava a televisão no quintal de casa para as crianças assistirem TV.
"As crianças sentavam no quintal dela para comer pão duro com chá de capim limão. A gente não tinha muro, cada um ia passando pelas portas dos outros. Tinha muitas árvores também, pé de manga, de goiaba, de tudo", relembra.
Com o passar dos anos, a Cidade de Deus viu sua população crescer consideravelmente. Hoje, as cerca de 14 localidades da favela reúnem aproximadamente 40 mil pessoas. Elas fazem fronteira com os bairros da Gardênia Azul, Freguesia, Curicica e Taquara.
"A urbanização da Cidade de Deus acabou sendo feita por causa dos moradores, porque teve luta para asfaltar as ruas, para terminar o esgoto, para puxar a luz. Depois, teve a questão dos postos de saúde, da educação, sempre com luta", enfatiza.
RESISTÊNCIA E RESILIÊNCIA
A ativista diz que o morador da favela da Zona Oeste carrega para si o sentimento de pertencimento da região por causa dessas lutas. Moradora da localidade conhecida como 15, Iara é uma dessas pessoas, já que milita há 23 anos pela região.
"No início, tudo era muito longe e a Cidade de Deus era isolada das outras regiões. Como tudo era muito distante, tinha parteira. As pessoas iam na casa das outras fazendo parto. Eu nasci assim e acabei aprendendo a fazer partos", diz.
Comunidade ganhou um conjunto de apartamentos anos depois - Fotoclube CDD
Ao definir os moradores da comunidade, Iara usa as palavras resistência e resiliência. Ela ainda afirma que quem deixa o local inevitavelmente volta nem que seja para um corte de cabelo.
"As pessoas que moram e nasceram na Cidade de Deus têm a característica de todo o tempo se reinventar, ser criativo, para poder criar os seus filhos e continuar sobrevivendo", defende, dizendo que quem "mora em favela, mora em um presídio a céu aberto", já que não tem paz. "Os direitos de quem mora em uma favela são negados o tempo todo".
Moradias da CDD foram construídas para abrigar pessoas de baixa renda Fotoclube CDD
Comunidade ganhou um conjunto de apartamentos anos depois Fotoclube CDD
A comunidade foi projetada no início dos anos 60 Fotoclube CDD
A Favela do Esqueleto ficava onde hoje está a Uerj Acervo Uerj

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