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Projeto de exibição de filmes que começou na Zona Oeste ganha a cidade

Colunista convidado da semana, Cid César Augusto é idealizador do Cinemão Solar, que ocupa espaços com longas brasileiros

Cid César Augusto é formado em jornalismo e pós-graduado em cinema
Cid César Augusto é formado em jornalismo e pós-graduado em cinema -
Me descobri produtor aos 14 anos, quando realizava com outros amigos as badaladas resenhas da Sulacap, bairro do subúrbio onde nasci e me criei. A primeira festa foi dentro de um ferro velho desativado, com o DJ comandando o baile com aproximadamente 300 adolescentes, em cima de uma sucata de Kombi.
Aquele lugar era um barril de pólvoras, propício para tantas coisas, inclusive, tétano… engraçado que esses dias li uma reportagem que dizia: "Fazer festa em lugar tipo ferro velho, vagão de trem abandonado, é a maior moda para a elite paulistana". E nós, da Zona Oeste, já tínhamos lançado essa faz tempo.
Apesar da precariedade e inocência, dava bom. Ousadia e sorte costumam caminhar juntas.
Projeto exibe filmes nacionais gratuitos em favelas do Rio - Cinemão Solar / Divulgação
O último evento que produzi naquela fase juvenil foi aos 17 anos, num sítio de 10 mil metros quadrados no Pau da Fome, em Jacarepaguá, com um staff de 26 pessoas e seis patrocinadores locais (gráfica, loja de som automotivo, grife de roupa, distribuidor de bebidas, mercadinho e revenda de automóveis usados). A festa tinha até um simulador de voo livre - uma asa delta presa a um cabo de aço, que vinha do morro acima dando rasante na piscina iluminada. Ostentação suburbana naquele pique: baldinho e camarote.

Eu lembro que o dono do sítio não levava fé na nossa ideia. Depois, ele ficou de olho grande quando viu "os menó" embrulhando um monte de dinheiro em maços de jornal e fita crepe. A bilheteria rendeu um Palio 97 meses depois, quando completei 18 anos e mudei de bairro.
Nessa época, me aposentei das festas, arrumei um emprego de carteira assinada numa universidade privada, como auxiliar de bibliotecas, que me garantiu bolsa de 100% de estudo. Ficou impossível conciliar a produção de festas com a jornada de 8h48m diárias de trabalho, deslocamento de grandes distâncias e, ainda por cima, cursar comunicação social.
Projeto exibe filmes nacionais gratuitos em favelas do Rio - Cinemão Solar / Divulgação


No curso de jornalismo, me identifiquei com a linguagem do audiovisual. O meu primeiro trabalho depois de formado foi como produtor na cobertura dos Jogos Pan-Americanos pela Record TV. Bela vivência! Quando terminou o trampo, a equipe de São Paulo me ofereceu uma vaga de trabalho por lá. Recusei. Eu já dizia que ia trabalhar com o cinema.
Depois, passei por outras experiências em TVs, agências de publicidade e produtoras. Fiz pós-graduação em cinema e atualmente sou sócio-diretor de uma pequena, atuante e premiada produtora – tão cria da Zona Oeste quanto eu.

A produtora produz, distribui e exibe filmes; tem o nome de batismo do motivador projeto que toco há quase 10 anos – Cinemão. Esse projeto tem como objetivo principal ocupar espaços públicos e populares com cinema brasileiro, através de uma super estrutura de cinema móvel.
Projeto exibe filmes nacionais gratuitos em favelas do Rio - Cinemão Solar / Divulgação
O Cinemão é o projeto que mais realiza intervenções de cinema ao ar livre no Rio de Janeiro. Diga um nome de uma favela ou bairro desta cidade que te digo que já fomos, se não, marca aí que vamos chegar.
São muitas histórias para contar sobre o Cinemão e a incrível oportunidade de produzir essas ações afirmativas. De sessão de filmes em hospital psiquiátrico à sessão de filmes no meio de um tiroteio no Complexo de São Carlos.
Para você ter uma ideia, já fechamos a Via Ápia, principal rua da Rocinha; tem noção disso? E outra vez fizemos uma mostra de filmes junto com um baile funk em Santa Cruz. Bagulho doido. Pô, são quase 10 anos de atividades; uma benção.
Projeto exibe filmes nacionais gratuitos em favelas do Rio - Cinemão Solar / Divulgação


Do tempo das festinhas para os dias atuais, o tesão em realizar as ideias está no posto de comando. Os patrocinadores mudaram. As chancelas são de banco, siderúrgica, empresa de telecomunicação, autarquias, complexos industriais e governos federal, estadual e municipal. O projeto Cinemão tem até apoio institucional do Centro de Informação das Nações Unidas no Brasil (UNICRIO), termo firmado em 2012.
Recebemos cinco prêmios, inclusive, a Medalha do Mérito Pedro Ernesto, a maior honraria do município do Rio de Janeiro.
Neste ano de pandemia, não paramos de trabalhar. Em parceria com a RioFilme modificamos o projeto para sessões de filmes no modelo "cinema nas janelas", o que nos rendeu destaque além das fronteiras do Brasil – 95 países (re)produziram conteúdo sobre nossas ações durante este momento tenebroso que vivemos. Levamos o cinema até as pessoas que estavam em isolamento social.
Essas histórias do Cinemão são, como se diz, "histórias de cinema", atravessadas pelo contexto histórico da nossa cidade/estado/país/mundo e serão contadas num filme que já ando desenrolando por aí. Sou grato à tanta gente que é impossível escrever aqui. Cultura é uma teia de relações de todo tipo.
Painéis solares são responsáveis pela geração da energia do projeto - Cinemão Solar / Divulgação
O Cinemão agora é solar. É o primeiro cinema movido 100% a energia solar do Estado do Rio. Desenvolvemos um inédito gerador fotovoltaico que abastece todo nosso sistema de projeção de filmes, através de painéis solares, conjunto de baterias de lítio e inversor de carga super potente, transportado em carreta reboque. É nós da ZO lançando outra "novidade nova".
A estreia dessa versão, por razão do destino e raiz, foi em Sulacap, onde também nasceu a concessionária ViaRio, que administra a via expressa Transolímpica, nossa atual patrocinadora, junto com a Secretaria Municipal de Cultura e a Prefeitura do Rio, através da lei do ISS.
O filme exibido no super telão foi uma produção nossa, inédita, chamada "Superar". O documentário conta histórias de superação de crianças especiais através do esporte.
Projeto exibe filmes nacionais gratuitos em favelas do Rio - Cinemão Solar / Divulgação
A ViaRio e a Prefeitura do Rio também assinaram um termo de compromisso para patrocinar uma outra produção da firma. O filme "Samba do Desterro" vai fazer um recorte da história do samba na Zona Oeste profunda. Já iniciamos os trabalhos de pesquisa.
E não para por aí: o Cinemão foi contemplado, com a quarta maior nota, no disputadíssimo edital da lei emergencial Aldir Blanc. Em março, vamos realizar mostras de filmes (também dentro dos protocolos de segurança) em oito municípios do Estado do Rio.
Hoje, tenho 38 anos, moro em Vargem Grande, no Maciço da Pedra Branca, e tenho orgulho de ser operário da honrada e pulsante indústria da cultura. Aliás, a cultura, nesta pandemia, teve papel central nos lares brasileiros e terá papel central não apenas para a retomada econômica da cidade, mas para celebração da vida.
E seguindo a receita de ousadia e sorte, preparo um projeto que vai ser uma espécie de levante cultural da ZO – um megafestival de artes integradas que vai inserir e remunerar artistas em praticamente todos os bairros. Vai dar bom!
Para nós, moradores dessa gigante região, é urgente disputar um novo imaginário da cidade. Mas isso é outro papo...
* O texto é de responsabilidade do autor.
Cid César Augusto é formado em jornalismo e pós-graduado em cinema Manuela Cavadas / Divulgação
Projeto exibe filmes nacionais gratuitos em favelas do Rio Cinemão Solar / Divulgação
Projeto exibe filmes nacionais gratuitos em favelas do Rio Cinemão Solar / Divulgação
Painéis solares são responsáveis pela geração da energia do projeto Cinemão Solar / Divulgação
Projeto exibe filmes nacionais gratuitos em favelas do Rio Cinemão Solar / Divulgação
Projeto exibe filmes nacionais gratuitos em favelas do Rio Cinemão Solar / Divulgação
Projeto exibe filmes nacionais gratuitos em favelas do Rio Cinemão Solar / Divulgação
Projeto exibe filmes nacionais gratuitos em favelas do Rio Cinemão Solar / Divulgação
Projeto exibe filmes nacionais gratuitos em favelas do Rio Cinemão Solar / Divulgação

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