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Moradores de regiões periféricas enfrentam o vírus da desigualdade

Pandemia da Covid-19 chega ao seu pior momento no Brasil

Comunidado do Vidigal no inicio da tarde de hoje. Foto: Daniel Castelo Branco / Agencia O Dia.favela, barracao, comunidade,  covid-19, covid, coronavirus, aglomerado
Comunidado do Vidigal no inicio da tarde de hoje. Foto: Daniel Castelo Branco / Agencia O Dia.favela, barracao, comunidade, covid-19, covid, coronavirus, aglomerado -
A pandemia da Covid-19 já dura pouco mais de um ano e chega ao seu pior momento no Brasil. Na última quarta-feira (24), o país ultrapassou a marca de 300 mil vítimas fatais da doença. O estado do Rio de Janeiro, que vem adotando medidas de isolamento mais restritivas, registrou um aumento de 67% na média móvel de mortes devido ao coronavírus.
Em meio ao aumento no número de óbitos, os moradores de favelas e de regiões periféricas precisam driblar as dificuldades estruturais para se prevenir e conseguir lidar com os impactos econômicos da pandemia.
No ano passado, mais de 13 milhões de pessoas ficaram desempregadas e o preço dos alimentos triplicou. A situação ficou ainda pior, no início deste ano, com o fim do auxílio emergencial.

Preocupados com a situação dos moradores dessas regiões, movimentos sociais e ONGs estão promovendo ações, como a campanha ‘Tem Gente com Fome’, para distribuir cestas básicas para milhares de famílias em todo o país.
O alto número de vítimas fatais da Covid-19 reflete a carência de ações mais efetivas do poder público, especialmente nos lugares em que há maiores necessidades. O MEIA HORA entrevistou seis moradores de diferentes regiões periféricas do estado para mostrar, além das estatísticas, a face das vítimas do vírus da desigualdade.
- Sarah Monteiro, 20 anos, educadora de creche, Morro do Borel: "O impacto da pandemia tem sido forte para mim. Eu e minha parceira pegamos Covid-19 no final do ano passado. Tive dores no corpo e de cabeça, febre e muito cansaço. Tudo isso foi e tem sido muito mais difícil, pois tenho dificuldades de seguir com todos os cuidados que recomendam. No início do ano, eu voltei a morar com meus pais em uma casa aqui, no Borel. Além do imóvel ser pequeno, enfrentamos dificuldade de acesso à água. O que ajuda é uma caixa d’água que temos na parte de fora que fica cheia para tomar banho e lavar roupa."

- Amanda Veiratto, 26 anos, videomarker, Complexo do Alemão: "No início da pandemia, um dos meus primos pegou Covid e morreu no leito do hospital. Alguns meses depois, durante a semana de Natal, vários familiares estavam isolados ou internados. Todos fizeram o teste e estavam com Covid. Cheguei até a passar o fim de ano longe da família por conta disso. Apesar dos esforços, tive muita dificuldade de me manter isolada, porque as casas são muito próximas umas das outras e muitos dos meus vizinhos não respeitaram o isolamento social. No primeiro mês estavam todos em choque e ficaram mais confinados, mas com o passar do primeiro mês essa situação foi sendo deixada de lado e as crianças começaram a brincar de novo na rua e foi como se estivessem de férias escolares. Em agosto, a impressão é de que não existia mais pandemia."

- Jessica Marinho, 28 anos, jornalista, Olaria: "A pandemia impactou demais no sentido psicológico. No início foi muito duro, pois sempre fui acostumada a estar na rua, seja trabalhando ou curtindo meu horário de lazer com familiares e amigos. Esse afastamento me causou uma solidão enorme. Toda a minha família pegou, mas eu fui a única assintomática. Dessa forma, fiquei responsável por cuidar das minhas tias e irmãs. Isso também colaborou bastante pra essa dificuldade psicológica em determinado momento, sabe? Sempre fui muito ligada a elas e me deu um medo tremendo de perdê-las. Eu moro em Olaria, bem na divisa com o Complexo da Penha. No início, as pessoas respeitavam o isolamento por aqui. Mesmo aqueles que negligenciaram a pandemia, no início meio que se controlaram. Mas tudo acabava indo por água abaixo quando precisávamos acessar direitos básicos como mercado e banco. No período do auxílio emergencial foi um tormento porque era um em cima do outro nas filas. Se você der uma volta atualmente nas ruas daqui, vai ver tudo aberto e as pessoas sem máscaras. Não as critico, sabe? Porque é muito mais fácil jogar a culpa no pobre que sai de casa nos ônibus cheios do que no governo que não implantou uma política pública eficaz de combate a esse vírus."

- Wellerson Barzano, 24 anos, consultor financeiro, Arsenal, São Gonçalo: "Aqui, onde moro, parece que não estamos numa pandemia. O bairro continua funcionando exatamente como sempre. Pessoas em bares, sem máscara e até mesmo fazendo aglomeração. Como moro sozinho, cheguei a pegar o vírus no início de junho de 2020, mas tive ajuda de vizinhos com meus afazeres. Atualmente, desempregado e somente estudando, me sinto mais tranquilo quanto ao vírus em relação a mim, mas não a quem está ao meu redor. Tudo que a política faz primeiramente impacta as periferias. O presidente utiliza o senso comum para dominar as massas, principalmente utilizando de termos de baixo calão para se referir às vítimas e seus familiares."

- Thais Caldeira, Campo Grande, 26 anos, dona de casa, Santíssimo- Estrada da Posse: "Logo no início da pandemia, o meu irmão contraiu a doença e chegou a ser intubado. Foram dias horríveis. Após completar 30 anos, ele acabou falecendo e deixando dois filhos menores de idade. Isso foi um desastre na nossa família que deixou cicatrizes profundas. Neste ano, foi a vez da minha mãe, que trabalha em hospital, pegar coronavírus. Ela ficou em isolamento dentro de casa e, graças a Deus, não teve sintomas graves. Por aqui, algo que tem sido muito ruim são os transportes. Eles sempre foram precários, mas agora ficou ainda pior, pois houve redução das frotas para reduzir os gastos. Mesmo com os recentes afrouxamento das medidas de prevenção e o retorno de muitas pessoas para os trabalhos, não houve um aumento no número de condução. Com isso, os transportes ficaram lotados. Acabamos de bater a marca de 300 mil vidas perdidas. São tantas famílias atingidas por essa tragédia. A minha está incluída nesse número e não desejo essa dor a ninguém. Se o presidente teve certas falas para tentar minimizar a doença e não criar pânico, ele falhou miseravelmente. Ele que no início disse que colocaria o Brasil acima de tudo, hoje, infelizmente, nos deixou somente acima das piores estatísticas de morte."

- Yrla Bitencourt, 22 anos, babá, Salgueiro, São Gonçalo: "Os mercados têm me deixado apreensiva. Eu sempre chego e limpo todas as minhas compras e objetos pessoais com álcool em gel. Não vou nem na esquina sem máscara. Tô evitando ir ao hospital, clínicas médicas e tentando ao máximo me proteger do jeito que dá. Eu não tive a doença, mas meu pai sim. Além disso, o meu avô morreu em maio do ano passado. Todos os sintomas indicam que foi por Covid-19. Mas como foi no começo da pandemia era tudo muito novo e não se faziam testes. Como ele foi mandado embora da UPA várias vezes, nunca tivemos, de fato, a confirmação."
Por Marcos Furtado, jornalista e colaborador do PerifaConnection

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