Favela venceu! DJ Rafael Foxx dribla o preconceito e exalta a força do funk: 'Salva e muda vidas'

"O funk é a salvação." A frase resume bem a importância que o gênero musical tem na vida de Rafael Sales, de 27 anos. Cria da Vila Kennedy, na Zona Oeste do Rio, o jovem enxergou a possibilidade de buscar uma vida melhor através do ritmo que era sucesso nos bailes da favela onde ele mora até hoje. Assim, ele virou o DJ Rafael Foxx. Um dos criadores do Baile de Marrocos, o artista conta com mais de 220 mil seguidores no TikTok e quase 60 mil no Instagram, e carrega com orgulho a bandeira de sua comunidade.

"Sou nascido e criado na VK (Vila Kennedy) há 27 anos. Comunidade onde eu cresci e aprendi. Lugar que eu amo, sou apaixonado e permaneço. Foi uma infância muito boa. Joguei bola, bolinha de gude, soltei pipa, brinquei de polícia e ladrão… Sinto muita saudade. Se eu pudesse voltar no tempo, voltaria, porque é uma infância que toda criança de favela ama", lembra ele.

Apesar das boas lembranças da infância na favela, o DJ não esconde as dificuldades que ele e muitos moradores enfrentam diariamente.

"Minhas principais dificuldades são as que eu enfrento até hoje. Não poder ir e vir. Não consegui um Uber se eu estiver fora ou dentro da Vila Kennedy, porque o motorista não entra aqui. Em dia de operação, a gente quer ir ao mercado pra comprar comida e não consegue, porque tá tendo tiroteio. Ver trabalhadores querendo ir pro trabalho ou voltar e não conseguirem, porque infelizmente a gente passa por isso no nosso cotidiano. Ver inocentes baleados nesta guerra que tá longe de acabar. Sem contar o preconceito que a gente sofre por ser preto e favelado, e às vezes por ser funkeiro. Mas creio que Deus tá olhando nossa luta e um dia isso vai acabar", disse ele, listando outros problemas que os moradores da Vila Kennedy enfrentam, por conta da falta de apoio do governo.

"Falta saúde. Às vezes a gente chega na UPA não tem pediatra, não tem médico. Falta saneamento básico. Falta lazer, esporte pra criançada se desviar do caminho errado. Projetos de cultura, teatro, música, dança. Falta todos esses projetos ainda na comunidade. E creio que se tudo na minha vida der certo, pretendo oferecer isso pra criançada. É um dos projetos que tá na minha mente", contou.
Assim como muitos jovens negros de favela, Rafael já se sentiu discriminado por conta de sua origem em diversas ocasiões.

"Infelizmente isso acontece o tempo todo. Nós negros, não só os que moram na favela, passam por isso. Ainda mais para nós artistas que trabalhamos a noite. Somos abordados de uma forma que não tem necessidade. Como se a gente estivesse fazendo algo errado. Eu creio que isso seja por causa da nossa cor. E acontece constantemente no nosso cotidiano. Mas seguimos na luta pra virar o jogo e mudar a mente de muita gente sobre o preconceito. Mostrar que o preto também tem vez e nasceu pra vencer."

Apesar de todo o carinho pela Vila Kennedy, Rafael Foxx pensa em um dia se mudar do local para dar uma vida melhor aos seus familiares. Ainda assim, o DJ rechaça a possibilidade de se afastar completamente de suas raízes.

"Pretendo me mudar, mas não de vez. Quero poder botar meu pai, minha mãe, minha família e amigos num conforto melhor, mas próximo da nossa localidade, num bairro um pouco mais nobre. Mas sair de vez eu jamais pensei nisso. Mesmo morando em outro lugar, a casa que eu tenho na Vila Kennedy será reformada. E sempre que eu quiser curtir um baile e ver a rapaziada, eu vou ter minha casa lá. Mas se eu tivesse condições de botar meu coroa e a minha família numa situação um pouco melhor, eu moraria sim em outro lugar, mas continuaria sempre visitando a Vila Kennedy."
Com mais de 10 anos atuando com DJ, Rafael contou como começou a dar seus primeiros passos na profissão.

Meu primeiro contato foi através do YouTube mesmo. Como muitos moleques faziam, eu baixava as músicas dos DJs do momento e botava minha vinheta em cima dessas músicas, aí jogava no YouTube e elas estouravam. Ali, com uns 15 anos, eu comecei a ganhar uma visibilidade e ganhei reconhecimento dentro da comunidade. Depois disso, conheci o meu parceiro DJ Hiago da VK, que eu chamo de meu professor. Ele me ajudou, me incentivou e fez eu virar DJ. Vendo ele produzir e tocar, eu acabei criando um amor por esse ramo e me aprofundei. Meu pai me deu um notebook e eu comecei a tocar nas festas. E tô aí, naquele pique que vocês tão vendo. Me tornei o Rafael Foxx e hoje eu tô onde eu sempre sonhei, que é a Roda de Funk. Fico feliz por tudo isso."

Para driblar as dificuldades que muitos encontram quando estão buscando um espaço no cenário do funk carioca, Rafael Foxx se juntou com outros amigos e bolou uma solução.

"O projeto Marroquinos foi criado na dificuldade que eu tive no meu início lá na VK. Alguns DJs relíquias, que vieram muito antes, não deixava eu mostrar meu talento dentro do baile na comunidade. Aquela rivalidade boba por eu ser novato. Aí eu pensei: "Isso tá errado, tenho que mudar esse jogo". Com isso, "Os Marroquinos" foram criados onde era o antigo Baile da Manilha, na Av. Marrocos.
Eu falei: "Vou botar o nome Baile de Marrocos." Chamei o DJ que tocavam comigo no e através do Baile de Marrocos, criei um grupo e falei: "Temos que nos juntar". Aí surgiu Os Marroquinos, juntamente com DJ Ruan, da VK, DJ Hilton, DJ Menorzão, DJ RK, Iury Fernandes, DJ Henrique da VK e eu. Todo mundo abraçou a causa e no primeiro podcast lançado bateu mais de 100 mil visualizações. E hoje é esse sucesso aí", relembrou.
Para retribuir um pouco do carinho e apoio que recebeu no início de sua caminhada, Rafael está montando um estúdio dentro da Vila Kennedy, com o intuito de dar oportunidade para quem está começando.

"Tô fazendo o meu estúdio pra ajudar os DJs e MCs que não têm oportunidade, que não tem um conforto legal para produzir. Então tô fazendo esse estúdio pra montar uma seleção na Vila Kennedy, porque eu sei que tem muita gente boa, que precisa de uma oportunidade, mas não tem ninguém pra dar um suporte pra aquela pessoa desenvolver e mostrar o talento. E através disso dar visibilidade pra Vila Kennedy e pra própria pessoa. Para todos nós que somos cria de favela ter a chance de mudar de vida. Até quem for de outros lugares e quiser trabalhar, eu vou tá abrindo as portas", contou ele, que sonha também em criar algum projeto social dentro da favela.

"Tenho vontade de amanhã ou depois tá fazendo algumas ONGs que ajudam famílias carentes na Vila Kennedy. Poder colocar a criançada pra fazer um curso de DJ ou de canto. Algum lazer que quero trazer pra minha comunidade, e na fé de Deus eu vou conseguir."

Apesar de todo o crescimento do funk no Brasil, para Rafael Foxx o preconceito contra o ritmo ainda se faz presente.

"Infelizmente não é coisa do passado. Existe sim muito preconceito com funk. Ainda mais para jovens negros como eu, que são cria de de favela, e que acabam vencendo na vida. O Estado não consegue aceitar quando nós batalhadores, que viemos da favela, vencemos na vida e conseguimos proporcionar bons momentos para nossos amigos e família através do funk. No meio disso tudo a gente segue na luta para mudar a ideia desse povo preconceituoso. O funk salva e muda vidas. O funk é a salvação. Têm dezenas de pessoas que eram da vida errada e hoje são do funk, e tão proporcionando momentos incríveis para suas famílias, graças a Deus e ao funk. O Poze é um exemplo disso. Ele é uma inspiração para muitos jovens da periferia, pelo que aconteceu na vida dele, e como ele está hoje", analisou.
Tendo gravado parcerias de sucesso com grandes nomes do funk, como a faixa "Onda do Boldo", que integra o último DVD lançado pelo MC Kevin o Chris, Rafael Foxx planeja muitas novidades para 2022, incluindo uma parceria com o DJ Rennan da Penha.

"Vem muito trabalho bom que tá no forno, que tá guardado pra eu soltar pela Roda de Funk Produções. Tem também o Rennan da Penha, que um cara que eu sempre fui fã, admirava e tinha um carinho. Ainda não o conhecia pessoalmente, mas recentemente ele me mandou uma mensagem, eu compareci na casa dele e a gente fechou uma parceira. Vou com ele, fazendo uma conexão na produtora dele, sempre lançando uns trabalhos juntos. Em 2022 vamos tá lançando muito hit pra fazer o Rio voltar ao topo do funk, na fé de Deus, junto também com os demais amigos que estão nessa luta", finalizou.