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Justiça manda soltar aderecista preso por homicídio com base em foto de rede social

O profissional, que trabalha na Unidos de Vila Isabel, foi preso em 27 de maio após ser reconhecido por uma foto como o autor de um assassinato cometido em 2017, conforme O DIA revelou. Ele voltou a trabalhar no barracão da escola de samba

Leandro Oliveira não sabia da acusação, segundo seu advogado
Leandro Oliveira não sabia da acusação, segundo seu advogado -
Preso há quase três meses, o aderecista Leandro dos Santos Oliveira, de 37 anos, foi solto após ser beneficiado por um habeas corpus concedido pela Justiça do Rio. O profissional, que trabalha na Unidos de Vila Isabel, foi preso em 27 de maio após ser reconhecido através de uma foto em seu perfil no Facebook como o autor de um assassinato cometido em 2017, conforme O DIA revelou. Desde então, tenta provar sua inocência.

Os três desembargadores que analisaram o habeas corpus decidiram de forma unânime colocá-lo em liberdade. Leandro deixou a cadeia na sexta-feira passada e, segundo o seu advogado, Fábio Wanderley, já voltou a trabalhar no barracão da Vila Isabel, que se prepara para o próximo carnaval. Entretanto, a defesa ainda tenta derrubar as contradições apresentadas na investigação da Delegacia de Homicídios da Capital (DH-Capital).

"Os desembargadores não entraram no mérito dos equívocos constantes da investigação, em especial a contradição dos aspectos físicos indicados pela testemunha e do meu cliente. Contudo, entenderam que, pelas condições pessoais do meu cliente (réu primário, com emprego e residência fixos), a prisão cautelar seria desnecessária nesta etapa do processo, aplicando outras medidas cautelares menos graves", disse Fávio Wanderley.

Galeria de Fotos

Aderecista Leandro trabalhando no barracão da Mocidade, em 2005 Arquivo Pessoal
Leandro recebendo prêmio 'Plumas e Paetês 2018' como melhor aderecista junto com o carnavalesco Edson Pereira. Reconhecimento pelo trabalho na Viradouro, que disputou a Série A Reprodução Facebook
Leandro fazendo prova de roupa na atriz Dill Costa, em foto de 2014 na Mocidade Arquivo Pessoal
Leandro (meio) e Paulo Menezes (direita) trabalham juntos por 20 anos e se tornaram amigos Arquivo Pessoal
Aderecista Leandro Reprodução
Leandro é aderecista de carnaval e foi preso por homicídio. Família e amigos alegam que ele é inocente Reprodução Facebook


Leandro terá que comparecer periodicamente em juízo, não pode se ausentar do país e para deixar o estado por mais de oito dias deve solicitar autorização judicial. "O meu cliente já retornou na segunda-feira a sua rotina de trabalho. Está firme e forte no barracão da Unidos de Vila Isabel", comemorou o advogado.
O aderecista foi surpreendido pelo mandado de prisão, emitido em agosto de 2018, mais de um ano após o crime, quando foi até um posto do Detran no bairro iniciar o processo de emissão da carteira de habilitação, em maio deste ano. A audiência de instrução e julgamento, que vai discutir todos os detalhes contidos no processo, será realizado no dia 11 de setembro. 
"A nossa expectativa, apresentando as provas técnicas, a quebra do sigilo que foi autorizada pela justiça e as testemunhas, é mostrar que o Leandro não era namorado da vítima e no dia e horário do crime não estava no local do crime. Não foi o Leandro quem matou e a DH precisa reabrir essa investigação, pois a única certeza que temos é que o assassino está solto e é preciso que se descubra quem fez essa barbaridade, para que a família da vítima tenha o sentimento de que foi feito Justiça. E vamos provar a inocência do Leandro", falou Fábio Wanderley.
Testemunha o apontou como assassino, mesmo características diferentes de autor
Leandro foi apontado como o autor do crime a partir de fotos de seu perfil no Facebook, mesmo com suas características sendo diferentes do suspeito apontado pela testemunha. De igual, apenas a cor da pele, diz uma parente. A vítima, Luiz Fernando Armando de Abreu, foi assassinado a facadas dentro de casa em 10 de março de 2017, no bairro do Anil, em Jacarepaguá. Ele também trabalha como profissional de carnaval, mas não era amigo de Leandro. 
Segundo o advogado Fábio Wanderley, os principais pontos contraditórios da investigação, com base na testemunha que viu o suposto assassino, foram ignorados. O DIA teve acesso ao inquérito policial que concluiu que Leandro é o assassino. Na madrugada do crime, a principal testemunha, uma vizinha da vítima, ouviu gritos do apartamento dele e foi ver o que estava acontecendo.
No depoimento, ela afirma que um homem moreno, alto, com uma tatuagem em um dos antebraços, abriu a porta e falou que não estava acontecendo nada, que era uma "briga de casal". Mas Leandro, preso pelo crime, é negro, não tem tatuagem e possui estatura mediana.
Cerca de 40 minutos depois, ela ouviu um barulho de portão batendo e flagrou o assassino deixando o local correndo. Ela chamou outros vizinhos e, ao olharem pela fresta da porta de Luiz Fernando, viram marcas de sangue na casa e chamaram a polícia, que encontrou a vítima morta com várias facadas.
Ainda no dia do crime, ela disse que não sabia quem era o assassino mas, cinco dias depois, na delegacia, apresentou a foto de Leandro e o apontou como o assassino. Ela contou que postou no Facebook lamentando a morte e pediu informações que ajudassem a prender o autor do crime e divulgou seu telefone.
No depoimento, a testemunha disse que recebeu a ligação de um "Leandro", que pedia informações sobre a morte e que parecia "debochar”. Após "investigar" na lista de amigos no Facebook de Luiz Fernando, ela chegou até o aderecista Leandro dos Santos Oliveira, o apontando como o mesmo homem que abriu a porta da vítima na madrugada que ocorreu o crime.
"A pessoa que o reconheceu disse na polícia na época que o assassino tinha tatuagem no antebraço, mas o Leandro não tem nenhuma tatuagem, isso é gritante. Ela também apontou Leandro como namorado da vítima, mas as pessoas que conheciam a vítima disseram que ele não era namorado do Luiz Fernando. Isso foi totalmente ignorado", explicou o defensor.
MP foi a favor de prisão citando digital que não consta em investigação
O Ministério Público do Rio se manifestou à Justiça do Rio a favor da prisão temporária do aderecista por homicídio com uma informação errada que não existe no inquérito policial. No documento, que a reportagem teve acesso, o promotor Alexandre Murilo Graça diz que foi encontrada a impressão digital do profissional de carnaval na cena do crime, o que não consta em nenhum momento na investigação da polícia.
No inquérito policial consta que foram encontrados quatro fragmentos de impressões digitais na cena do crime, em uma lata de cerveja e na porta da casa de Luiz Fernando Armando de Abreu, assassinado a facadas na madrugada de 10 de março de 2017.
O responsável pela análise do material informou que apenas três tinham ‘condição de confronto’ e eram compatíveis com as digitais da vítima assassinada. Em nenhum momento é citado que alguma delas pertença a Leandro, nem mesmo no pedido de prisão temporária da Delegacia de Homicídios (DH-Capital) enviado à Justiça, no qual o MP se baseia para emitir o seu parecer.
“Conforme apurado, a vítima estava em um relacionamento com o indiciado, cujas digitais foram encontradas no interior da residência da vítima”, diz o documento do MP, assinado pelo promotor Alexandre Murilo Graça, em 17 de março de 2017, defendendo a investigação policial que apontava três digitais como sendo de Luiz Fernando.
Querido no mundo do carnaval
Leandro nunca soube que era suspeito de um crime e nem foi chamado para prestar depoimento na delegacia. O preso chegou a receber prêmios e até apareceu na televisão durante o carnaval deste ano, quando trabalhou pela Vila Isabel. Carnavalescos que trabalharam diretamente com o aderecista reforçaram a indignação diante de sua prisão.
O carnavalesco Paulo Menezes, que atualmente está na Gaviões da Fiel, de São Paulo, trabalhou durante 20 anos com Leandro e a relação profissional, interrompida em 2015, se tornou uma grande amizade.

"No carnaval, eu conheço várias pessoas que não gostam de várias pessoas. Em todo o tempo que trabalhamos juntos, eu nunca conheci alguém que não goste do Leandro. A gente estava o tempo todo junto. Em 20 anos, você conhece a personalidade de uma pessoa. Eu ponho a minha mão no fogo de que o Leandro não tem nada a ver com isso", defendeu.