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Cientista política afirma: Fake news é ferramenta política de Bolsonaro

Segundo Tathiana Chicarino, a base de apoio do governo Bolsonaro começou a ser construída em 2015, em meio ao processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff

Jair Bolsonaro
Jair Bolsonaro -
Brasília - O presidente Jair Bolsonaro utiliza as fake news para manter sua base de apoio mobilizada. É isso que a cientista política e professora da Fundação Escola de Sociologia e Política (FESPSP) Tathiana Chicarino afirma ao analisar o papel das fake news e da desinformação no governo federal.
"Essas fake news são responsáveis por elaborar as narrativas que o núcleo duro do Bolsonaro – que é de 15% da população – vai articular no debate público", diz a professora.

Segundo a cientista política, a base de apoio do governo Bolsonaro começou a ser construída em 2015, em meio ao processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

"Ela vem depois do impeachment da Dilma, de alguns grupos de Whatsapp que são criados ali e ela vai se expandindo. Quer dizer que a mesma base estava lá em 2015 dentro desse processo e ele foi mantendo e aumentando essa base", avalia.

"Ele utiliza essa desinformação para que essa base, que já está mobilizada, tenha subsídio para fazer um debate público em cima de determinados temas que estão de acordo com a lógica política do Bolsonaro desde sempre, que é uma lógica do inimigo. Ele não tem adversários, ele tem inimigos e esses inimigos vão mudando ao longo do tempo", diz a cientista.

Ela completa dizendo que "a materialização do inimigo pode mudar ao longo do tempo, mantendo essa base mobilizada porque o Bolsonaro faz uma campanha permanente. Se ele não mantem essa base mobilizada o tempo todo ele perde; porque, em outras esferas da sociedade, ele já não tem mais apoio".

Tathiana também diz que, ao contrário do que se imaginava quando o compartilhamento de desinformação começou, o nível atingido nas últimas eleições mostra que existe um planejamento prévio.

"Em algum momento, pelo menos no início do fenômeno do compartilhamento da desinformação, se achou que as pessoas inventavam isso espontaneamente. O que a gente vem observando, através de pesquisas, é que há sim uma estratégia elaborada previamente para a disseminação dessa desinformação e o uso de recursos econômicos para sua sustentação", explica Tathiana.

"Então o uso da fake news não é algo espontâneo, mas é algo deliberado e, portanto, tratado de forma profissionalizada", diz.

Sergio Moro e covid-19
Como exemplo, Tathiana cita a demissão do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro . De acordo com a cientista, o pedido de demissão não foi algo antevisto pela base bolsonarista e pelos marketeiros; então, nas primeiras horas, os apoiadores do presidente não sabiam como reagir.

Porém, isso mudou nos dias seguintes , diz Tathiana. "Com o passar dos dias, esse discurso começa a ter uma coerência e começa a se centralizar em algumas questões. Por exemplo, que o Moro foi um excelente juiz, mas que ele traiu o Bolsonaro, que ele não tem aptidão pra política", descreve.

Tathiana também cita a pandemia da covid-19 dizendo que discursos como o do "vírus chinês" e "a OMS é um braço da China" servem para a base bolsonarista começar a discutir temas de interesse do próprio Bolsonaro, como o isolamento vertical, a negação do funcionamento do isolamento e o uso de hidroxicloroquina para tratar pacientes da covid-19 .

Disseminação
A cientista política também diz que a disseminação da desinformação é feita a partir de três agentes principais: líderes políticos aliados, robôs e, por fim, pessoas que acreditam nas fake news e compartilham a desinformação através de suas redes sociais.

Redes que, na opinião do professor de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero Rodrigo Ratier, são responsáveis por amplificar o alcance das notícias falsas e influenciar, indiretamente, o processo eleitoral .

"Os canais (nas redes sociais), que são as pessoas, não têm a formação jornalística para fazer essa curadoria , para decidir se uma determinada notícia pode ter uma apuração consistente ou não, se ela vem assinada ou não, se ela vem com data ou não, se o veículo que a publicou possui veículos para você reclamar erros ou colocar uma versão alternativa", afirma Ratier.

O professor diz ainda que controlar o que é produzido e compartilhado é ainda mais difícil nas chamadas "redes sociais opacas", como o Whatsapp.

"Que tipo de conteúdo circula no Whatsapp ? A gente não sabe. Só quem sabe são as pessoas que mandam e as pessoas que recebem. Então o controle social nas redes sociais e, sobretudo, nessas redes mais opacas, é muito mais difícil de ser feito do que em um meio de comunicação massivo, como o rádio, a TV e os sites de jornalismo profissional na Internet", completa o docente.

Fake News nas eleições 2018
Segundo Ratier, não é possível estabelecer uma ligação direta entre as fake news e a eleição de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018. Entretanto, o jornalista diz que, durante o período eleitoral, “houve um ambiente muito propício para a desinformação; ou seja, circulação de propagandas disfarçadas de notícias, circulação, inclusive de fraudes”, diz.

Esse cenário, segundo Tathiana, pode ser reforçado de acordo com a ação de políticos que, ao compartilharem notícias falsas, contribuem para a desinformação.

"Um aspecto que vem chamando a atenção é o efeito-demonstração que líderes políticos têm no comportamento das pessoas. Se eu vejo um deputado ou um presidente compartilhando fake news, eu também vou fazer isso; porque, afinal de contas, ele é uma pessoa que eu admiro e que eu tenho uma afeição ideológica, então eu acabo compartilhando também", afirma a cientista.

Influência nas eleições municipais

Há poucos meses das eleições municipais de 2020, Tathiana alerta que as fake news podem influenciar o processo democrático ao alterar a visão da sociedade sobre determinados temas e candidatos.

"As informações, os temas que serão debatidos, a percepção acerca de determinados políticos, (não vão circular) nos canais tradicionais de divulgação como o horário político de propaganda eleitoral ou mesmo os meios de comunicação de massa", acredita Thatiana.

"(Os debates) vão estar acontecendo, sobretudo, nas redes sociais", diz a cientista política que completa afirmando que "o debate pode tomar um caminho que não é o rumo de um debate eleitoral, democrático e pautado em programas e propostas de governo", conclui.