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Atraso que atrasa: Ministério da Saúde passa a divulgar casos e óbitos depois das 22h

Mudança de horário dificulta divulgação de jornais e canais de televisão; decisão teria partido de Bolsonaro

Interino no Ministério da Saúde, general Eduardo Pazuello evita coletivas de imprensa
Interino no Ministério da Saúde, general Eduardo Pazuello evita coletivas de imprensa -

Com mais casos de covid-19 que os Estados Unidos em 14 dias, o Brasil já virou o epicentro da doença com uma preocupante realidade de falta de transparência na divulgação dos dados oficiais. Por dois dias seguidos, o Ministério da Saúde libera só depois das 22h, a divulgação diária dos índices de infectados e mortos por covid-19. Foi assim na quarta-feira e no dia seguinte. O balanço diário do Ministério da Saúde, divulgado com atraso nesta quinta, marcou novo recorde com 1.473 óbitos registrados em um dia, totalizando 34.021 mortos e 614.941 casos.

A pasta comandada há 23 dias (desde o dia 15 de maio) pelo general Eduardo Pazuello, que só na quarta-feira foi nomeado ministro interino da Saúde, foi procurada, mas não se pronunciou diante dos questionamentos da reportagem.

"Esse é mais um dos sintomas da ausência de coordenação do Ministério da Saúde na pandemia. Esse atraso também pode gerar e impedir que municípios fechem ou aumentem as restrições", observa o médico de família e comunidade e ex-secretário municipal de saúde Daniel Soranz.

De acordo com pesquisadores da PUC-Rio e FGV, enquanto outros países como França, Itália, Rússia e Espanha desaceleraram a curva a partir do 50º dia de epidemia. O Brasil foi o único que a curva de contágio ainda avança de forma acelerada.Nos Estados Unidos também avança, mas em menor ritmo.

Para Soranz, que é doutor e mestre em saúde pública, enquanto não acontecer uma testagem ampla, não será possível afirmar se foi ou não o melhor momento para o Brasil afrouxar o isolamento social, seguindo os passos de vários outros países. "É um tiro no escuro, é tomar decisão pouco científica. O ideal é que aumentasse a testagem. Alguns estados estão na atitude correta e testando parte da população. Em Mato Grosso do Sul, a capital Campo Grande tem um polo de atendimento para o coronavírus. Eles conseguem ter um bom mapeamento da circulação viral. É um dos estados com melhor desempenho na federação justamente porque consegue mapear e fazer um isolamento social mais inteligente", afirma ele, que é também professor e pesquisador da Fiocruz.

O infectologista Alberto Chebabo afirma que a divulgação desses números é um dever da pasta, que deve ser transparente. "O atraso na liberação demonstra desorganização do Ministério para a finalização dos dados. Ou é um atraso proposital para reduzir o impacto da divulgação destes números pela imprensa, já que muito tarde da noite, muitos órgãos de imprensa já não conseguem divulgar os dados nos telejornais ou mesmo na mídia impressa. Acredito que este atraso é um desserviço à população", apregoa ele, que é diretor médico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho.

Quem compactua da mesma linha de raciocínio é a médica geriatra e psiquiatra Roberta França. Segundo ela, não só a esfera federal, mas municipal também deixa a desejar depois da Prefeitura do Rio ter tirado do ar dados sobre mortos por covid-19 em maio. "Mostra mais uma tentativa do governo de mascarar o números reais, confundir a população. Quando você divulga de noite, madrugada, parece uma tentativa de quanto menos pessoas tiverem acesso a esses números. Afinal, menores são as chances das pessoas de se revoltarem, se angustiarem, questionarem. Porque antes era feita de uma forma muito mais clara, direta", lembra ela, em referência ao ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, os boletins saíam junto da coletiva de imprensa e, com o então ministro Nelson Teich, eram divulgados no fim da tarde.

Para a pesquisadora em saúde Chrystina Barros, do Centro de Estudos em Gestão de Serviços de Saúde, da UFRJ, a falta das coletivas de imprensa é um ponto crucial nessa questão. "Nelas, tiravam-se dúvidas, eram possíveis o debate e exatamente entender até mesmo a dificuldade de informações. Esse é o ponto que nós mais perdemos na medida que deixou de ter um fórum, com pessoas técnicas e qualificadas, que não só tiravam as dúvidas, como davam os encaminhamentos e diretrizes. Nós perdemos muito da discussão e das orientações técnicas que o Ministério trazia de maneira transparente e clara para todo mundo", avalia Chrystina.

Bolsonaro mandou atrasar divulgação de boletim, diz jornal

O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), mandou atrasar a divulgação do balanço diário de casos confirmados e de mortos por coronavírus para que as informações não não chegassem em telejornais noturnos, como o 'Jornal Nacional', da Globo. As informações são do jornal Correio Braziliense.
Segundo a publicação, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta se recusou a atrasar a divulgação dos números, fato este que contribuiu para seu atrito com Bolsonaro. De acordo com o jornal, a ordem definitiva do presidente é para que o balanço só seja divulgado às 22h, depois que os principais telejornais já foram encerrados. Ainda segundo o jornal, a estratégia seria criar uma falsa sensação de segurança na população, para que a economia possa ser integralmente retomada independente do grande aumento de mortes por coronavírus no país.
A repercussão foi imediata. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), usou sua conta oficial no Twitter para criticar a estratégia de atrasar os dados de divulgação dos boletins diários do Ministério da Saúde. 
"Na pandemia, a divulgação de dados oficiais envolve, além do dever de prestar contas, uma questão de saúde pública. Dados do @minsaude são fundamentais às respostas à #COVID19 e devem estar abertos ao público, aos gestores e, portanto, à imprensa de forma consistente e ordenada", escreveu Mendes.

Em dois dias seguidos, RJ tem mais de 300 mortes por covid-19

A Secretaria de Estado de Saúde informou, nesta quinta-feira, os dados mais recentes do novo coronavírus no Rio de Janeiro. Pelo segundo dia seguido, o estado teve mais de 300 mortes registradas - foram 317 nesta quinta e 324 na quarta.
É importante lembrar que os casos e óbitos registrados não aconteceram nas últimas 24 horas, essa sim foi a data do registro no sistema.O estado agora tem 6.327 óbitos e 60.932 casos confirmados.de covid-19.
Interino no Ministério da Saúde, general Eduardo Pazuello evita coletivas de imprensa José Dias/PR
Brasilia, DF, 05.06.2020: POLITICA- O presidente da Republica do Brasil, Jair Messias Bolsonaro (sem partido) aparece na rampa do Palácio do Planalto para saudar simpatizantes e apoiadores do seu governo, na tarde de hoje (05), em Brasília, DF FOTO: EDU ANDRADE/Fatopress EDU ANDRADE/Fatopress / ESTADÃO CONTEÚDO