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Peça do Coletivo Ponte Cultural no YouTube dá voz aos marginalizados

Movimento gonçalense de jovens ativistas culturais fez leitura dramatizada virtual da peça 'Grace', baseada na tragédia grega 'Medeia' em uma versão especial

Texto teve como proposta dar protagonismo a um elenco predominantemente preto e de artistas independentes
Texto teve como proposta dar protagonismo a um elenco predominantemente preto e de artistas independentes -
SÃO GONÇALO - Viés fundamental da arte, a criatividade dos profissionais do setor cultural foi colocada à prova durante toda essa pandemia. Isso porque o segmento, cuja atividade até então se fazia essencialmente por eventos presenciais, precisou se reinventar através do único recurso possível ao distanciamento social: a internet. Foi o caso do Coletivo Ponte Cultural, um movimento gonçalense de jovens ativistas culturais que, entre outras ações, interpretou virtualmente a peça Grace - Tragédia num só fôlego, baseada na tragédia grega Medeia em uma versão especial.
A protagonista da história é a prostituta Grace. Explorada por Ramón, ela acredita que essa relação abusiva é o único tipo de afeto possível que lhe cabe no mundo. Isso até conhecer o Mercúrio, que surge em sua vida como uma espécie de redenção, apresentando-lhe um novo olhar para o amor. Porém, diante de uma reviravolta, traça um plano vingativo que lhe erguerá como uma Fênix. A produção é uma parceria entre o Coletivo Ponte Cultural e o Acervo Grupo de Teatro, que aguardam os resultados dos editais da Lei Aldir Blanc. Ambos já realizaram juntos o projeto teatral Te Conto Agora, apresentado no SESC São Gonçalo em 2019.
Segundo o autor do espetáculo, Sergio Santal, a leitura do texto teve como proposta dar protagonismo a um elenco predominantemente preto e de artistas independentes. “O projeto nasceu da vontade de contar a história de personagens tão invisibilizados no nosso contexto, dando a eles ares de semideuses, tal qual era feito na Antiguidade Grega, em que os protagonistas das tragédias eram pessoas pertencentes à elite daquela sociedade", explica Santal. Com direção de Wildson França e produção de Marcos Moura, a montagem tem no elenco Sérgio Santal, Daniel Vargas, Felipe Andrade, Rose Márcia Marques e Wayne Marinho.
A estreia da encenação foi no dia 15 e desde então o vídeo está disponível no link youtube.com/watch?v=FRDwLac6DvQ , com classificação etária de 16 anos. A apresentação tem acesso gratuito, mas o grupo disponibiliza uma conta bancária para contribuição solidária (Nubank - Agência 0001 - c. corrente 55438370-5 / em nome de Sérgio de Oliveira Santos Junior), cujos recursos arrecadados serão destinados à montagem do espetáculo tão logo as apresentações presenciais sejam retomadas.
"O roteiro possui estruturas que lembram a antiguidade dentro de uma roupagem carioca e o público poderá lembrar de muitas pessoas do cotidiano e autores clássicos com essa rede que envereda a história e a torna cada minuto mais intensa. Grace vive intensamente sua desventura, de ser miserável, preta e trans no país que mais assassina LGBTQIA+ no mundo. Sem sortilégio e fugas, segue o fluxo ruminante de uma sobrevida, por ser sub-humana”, conta o diretor, Wildson França.
O grupo surgiu em 2016 com o objetivo de promover a inclusão social através da democratização do acesso à cultura e à educação. Hoje, é composto por 33 voluntários, entre artistas e educadores, que oferecem gratuitamente cursos de Teatro, Cinema e TV, Desenho Realista, Danças Urbanas, Teclado, Violão, Piano e o Pré-vestibular Comunitário, que juntos somam mais de 200 alunos, além de dispor de uma biblioteca comunitária com aproximadamente 1.300 livros e promover saraus e cineclubes. Desde sua fundação, o Ponte Cultural já beneficiou mais de 6.500 pessoas. E durante a pandemia ainda encabeçou a arrecadação e doação de mais de 500 cestas básicas, quilos de fraldas geriátricas e milhares de sabonetes e de máscaras de proteção destinados à população em situação de vulnerabilidade.
"Somos um movimento social que atua no segmento cultural com ações e negócios de impacto social. Desde 2016, temos como finalidade buscar soluções para questões sociais e ser uma ferramenta importante para responder aos desafios complexos da nossa sociedade", definiu em resumo o fundador do Coletivo Ponto Cultural, o jornalista e produtor cultural Marcos Moura.
Em outubro, os integrantes do coletivo iniciaram uma campanha virtual para arrecadação de materiais de construção e recursos financeiros para reforma e adaptação de sua nova sede. Desde 2017, o projeto social ocupa duas salas cedidas pelo Centro Empresarial, onde oferece atividades culturais e educacionais a crianças e adolescentes da comunidade do Apolo II, bairro periférico entre Itaboraí e São Gonçalo. Em junho deste ano, durante a pandemia de Covid-19, o irmão de Marcos Moura faleceu e a casa da família - agora com um único herdeiro - foi doada para sediar a ONG e em breve também o Centro Cultural. O projeto não recebe incentivo financeiro do poder público.
Segundo o fundador, o grupo é grato ao responsáveis do Centro Empresarial onde o projeto funcionava, mas com uma sede própria o horário poderá ser mais amplo e incluir mais atividades. "É muito simbólico para mim destinar a casa onde cresci para realizar tantas atividades educacionais e culturais. Existem grandes potências entre as crianças e adolescentes na periferia e o que elas precisam é de oportunidades. Agradecemos por todo o apoio e carinho dos responsáveis pelo prédio, mas temos a oportunidade de caminhar com nossas próprias 'pernas' agora", explicou.
De acordo com a pedagoga Andreia Costa, mãe de quatro alunos do projeto, se não fosse o Coletivo Ponte Cultural e seu alto comprometimento com os jovens, seus filhos talvez não cursassem as aulas de artes, pois ela não teria renda para custear os cursos. "Eu e meus filhos entramos no coletivo em 2018. Eu me inscrevi e também os meus filhos assim que soube do projeto. Eu tenho uma filha muito talentosa mas também muito introvertida, que com o curso de teatro no Coletivo se desenvolveu muito na escola e em outras áreas. Sou muito grata ao Ponte Cultural", exclamou.