Às 18h vem o grito que ecoa pelas galerias dos presídios que abrigam criminosos ligados ao Comando Vermelho (CV). Ocorre uma oração própria da facção, junto com o Pai Nosso. Em seguida, é feita uma chamada com os nomes dos comparsas que morreram em confronto com a polícia, para homenageá-los. Antes de todos os nomes eles pedem um "salve".
De pé e dentro das suas celas, assim foi feito no dia 6 de maio, após 27 suspeitos de envolvimento com o crime serem mortos durante a Operação Exceptis, no Jacarezinho. Todos os apelidos dos mortos foram lidos em voz alta, conforme O DIA apurou com a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap). Além disso, em luto, os detentos abriram mão de seu banho de sol naquela data.
A cerimônia é feita sempre que um integrante da facção é morto e é puxada pelo presidente da comissão de cada cadeia, que é um líder responsável por tratar dos assuntos dos encarcerados, como faxina, banho de sol e contato com os agentes penitenciários. O presídio que encarcera mais suspeitos ligados à facção no Rio é Penitenciária Gabriel Ferreira Castilho, conhecida como Bangu 3, no Complexo de Gericinó.
"A prece é própria, uma oração do CV feita dentro das celas com as galerias fechadas. Às 18h o presidente da comissão dá o grito 'seis horas' para eles começarem. Toda cadeia tem uma comissão para tratar do assunto de todos. O Comando Vermelho é uma facção que tem uma hierarquia pré-determinada e eles respeitam muito essa hierarquia", explicou o delegado da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), Willian Pena Junior, que trabalhou como agente penitenciário antes de ingressar na Polícia Civil.
A reportagem teve acesso a um estatuto da quadrilha, escrito à mão, que foi apreendido pela polícia. Em 29 páginas, os criminosos descrevem a oração na cadeia, além de sua fé em um Deus, que seria permissivo com os crimes que cometem.
Relatório aponta que desde 2015 traficantes do CV usam táticas de guerra para atacar policiais
Um relatório de inteligência de 2015, sobre o Complexo do Alemão, no qual O DIA teve acesso, mostra que já naquela época os traficantes do Comando Vermelho usavam táticas de guerra para atacar policiais militares das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do conjunto de favelas. A estratégia é conhecida como "quadrado armado".
"São quatros pontos estratégicos dentro do Complexo do Alemão onde de cada ponto é possível ver outro ponto do quadrado. Dessa forma os traficantes conseguem observar qualquer movimentação policial e alertar rapidamente aos seus comparsas. Além da estratégia geográfica os traficantes utilizam armamento pesado contra qualquer tentativa de entrada policial em cada ponto do quadrado", descreve o relatório.
O documento foi feito pelo delegado Willian Pena Junior, que naquele ano estava a frente da 45ª DP (Complexo do Alemão), e demonstra o poder bélico dos criminosos, que tinha fuzis de diferentes calibres. O investigador ainda explica que durante o quadrado armado, os bandidos subiam nas lajes portando os armamentos.
"Cada traficante ia para uma ponta da laje com o fuzil, ver a movimentação policial do alto e ter uma visão melhor e ficar em posição estratégica para atacar os agentes. Imagens aéreas da operação no Jacarezinho nos mostraram que essa tática de guerra se expandiu e é usada atualmente", esclareceu.