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Aumento histórico de tarifa na SuperVia choca passageiros e prejudica mais pobres

Levantamento feito pelo MH mostrou que este foi o maior aumento feito na tarifa nos últimos sete anos. Em 2014, o valor da passagem era R$ 3,20. Discussão sobre o assunto alcançou o Trend Topics do Twitter

A discussão sobre o aumento no valor da passagem alcançou o Trend Topics do Twitter, com mais de 1190 menções. Foi o maior reajusta nos últimos sete anos de acordo com levantamento feito pelo DIA
A discussão sobre o aumento no valor da passagem alcançou o Trend Topics do Twitter, com mais de 1190 menções. Foi o maior reajusta nos últimos sete anos de acordo com levantamento feito pelo DIA -
Rio - O passageiro e líder operacional Eduardo Ricardo dos Santos, de 23 anos, desistiu de andar de trem há mais de um mês por conta da má qualidade do serviço. Ele é morador da Baixada Fluminense e utilizava o transporte saindo da estação do Gramacho, em Duque de Caxias, até a estação Central do Brasil, no Rio. Ele reforçou que a volta para casa era sempre pior, e após um dia traumático utilizando o sistema, ele decidiu trocar o modal por linhas de vans, mesmo pagando mais caro. A SuperVia anunciou na terça (1) o reajuste de R$ 5,00 para R$ 5,90 da tarifa. A mudança no preço repercutiu negativamente e o assunto alcançou o Trend Topics do Twitter na tarde desta quarta (2).
“Eu até tinha paciência para usar o trem, mas um dia eu me frustrei muito na volta do serviço e desisti por completo, foi quando eu demorei três horas para voltar do centro para casa. Eu faço baldeação para voltar em casa e naquele dia eu peguei o trem às 20h e cheguei em casa quase 23h, os maiores problemas sempre são na hora de voltar”, afirmou Eduardo.
Agora, ele paga R$ 8,55 para utilizar as vans, o que equivale a R$ 17,00 por dia de passagem para evitar os trens. Ele preferiria utilizar o transporte ferroviário pela segurança e para evitar engarrafamentos, mas desistiu depois de tantos problemas. Além da demora, o líder operacional destacou outras precariedades, como a grande quantidade de interrupções entre as viagens.
A assistente administrativa e também moradora da Baixada Fluminense, Patrícia Dantas , de 40 anos, disse que com o aumento da passagem haverá um desconto no seu contracheque. O custo diário dela para ir ao trabalho na Lagoa Rodrigo de Freitas, na Zona Sul, era de R$ 17,10, o valor agora vai subir para aproximadamente R$ 19,00. Ela se preocupa com a situação de passageiros com ocupações informais e que não tem a cobertura da tarifa paga pelas empresas. 
“Muitos usuários não utilizam o bilhete único, aí a conta fica maior. Eu não considero justo o aumento em função do serviço oferecido. O ramal Saracuruna só tem uma linha, se um trem dá defeito para tudo. Desanima precisar desse transporte, como moradora da Baixada Fluminense fujo do ônibus pelo engarrafamento”, lamentou.
Um levantamento feito pelo MH verificou o aumento da passagem nos últimos sete anos, a partir do final de 2014, e constatou que o atual reajuste foi o maior na tarifa das passagens dentro do período analisado. Em 2014, o trajeto poderia ser feito com um serviço de integração mais amplo, e mesmo que os passageiros não tivessem o benefício, o custo da passagem era R$ 3,20, o valor percentual era 54% menor. (O levantamento pode ser conferido no final da matéria).
O outro lado, o que diz a SuperVia e o Governo
A SuperVia informou que o ajuste tarifário pelo IGP-M está previsto no contrato de concessão. Ele foi homologado pela Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos de Transportes Aquaviários, Ferroviários, Metroviários e de Rodovias (Agetransp) e é uma forma de garantir que a empresa tenha as condições financeiras necessárias para continuar prestando o serviço.
Segundo a concessionária, em função da pandemia, o número de passageiros que a empresa deixou de transportar chegou a mais de 100 milhões, o que provocou uma perda financeira de R$ 472 milhões até o momento. Com o aprofundamento da crise econômica, a expectativa é que a demanda volte ao normal apenas daqui a dois anos.
Em nota, a concessionária afirmou que tinha a expectativa de que o poder concedente [Governo do Estado] conseguisse contribuir de forma a conter os impactos à população e adiou o reajuste, inicialmente previsto para fevereiro deste ano. No entanto, após 100 dias de negociações, nenhum acordo foi firmado.
Segundo a SuperVia, a Agetransp também reconheceu a necessidade de reequilíbrio do contrato de concessão referente às perdas decorrentes da pandemia, de R$ 216 milhões, valor este que deveria ser ressarcido à concessionária pelo poder concedente.

A SuperVia esclareceu que vive exclusivamente da tarifa sem qualquer subsídio, diferente de outros estados, onde o sistema de transporte sobre trilhos recebe diretamente dos governos estaduais recursos para manter a mobilidade para a população nas regiões metropolitanas. A concessionária informou que mantém-se permanentemente aberta ao diálogo com o poder concedente.
Em relação ao aumento da tarifa, a concessionária explicou que tem o direito de efetuar a cobrança integral da tarifa, no valor de R$ 5,90, como apontam os Parágrafos 4º e 5º da Cláusula 2 ª do 11º Termo Aditivo, tendo em vista que não houve acordo entre o órgão e a concessionária até o dia 31 de maio de 2021.
A Secretaria de Trânsito e Transportes do estado (Setrans), disse em nota que as negociações seguem sendo feitas para reverter o reajuste na tarifa do trem.
"O Governo do Estado segue em tratativas com a SuperVia para reverter o reajuste na tarifa anunciado pela concessionária. O objetivo é buscar alternativas que viabilizem o reequilíbrio econômico-financeiro da concessão do transporte ferroviário. O reajuste dos trens, conforme previsto no Contrato de Concessão, é anual e tem como base o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M)", diz a nota.
O gestor de logística Douglas Mendonça, de 33 anos, reconheceu as dificuldades que a SuperVia vem passando, mas criticou a precariedade do serviço e espera que com o aumento a concessionária possa investir em melhorias para os passageiros. Ele também criou um grupo que organiza usuários do modal para discutir sobre a mobilidade urbana.

“O aumento faz parte do contrato de concessão. E que ele é vital para a sobrevivência financeira da SuperVia. Mas como usuários não conseguimos e não sentimos melhorias no transporte sobre trilhos. Convivemos com atrasos, lotações, interrupções da circulação, tudo isso gera um grande desgaste físico e psicológico. Espero que Supervia invista esses noventa centavos pelo menos em comunicação com os usuários. Muita das vezes ficamos sabendo dos problemas após o pagamento da passagem. Sem contar o impacto social. Sou administrador de um grupo do ramal Saracuruna, e as pessoas relatam diariamente que colocam o valor da passagem do bolso, para ir e voltar do trabalho, será menos alimento na casa do trabalhador”, disse.
Opinião dos especialistas sobre a tarifa
O aumento no valor da passagem simboliza menos R$46,89 por mês no bolso do usuário que utiliza o serviço, considerando quem faz o trajeto de segunda até sábado. No total, o custo mensal é de R$ 306,00. Nem todos os passageiros que utilizam o transporte para o trabalho tem cobertura integral do valor da tarifa pago pela empresa, além do reajuste prejudicar também as contas de outras companhias que possuem funcionários utilizando o modal.
A organização Casa Fluminense realizou um estudo chamado ‘Mapa da Desigualdade’, e mostrou que a população nas regiões em que o transporte ferroviário percorre podem ter que utilizar um terço da renda para financiar apenas o transporte neste modal, desconsiderando a possibilidade de integração. O coordenador geral da iniciativa, Henrique Silveira, apontou que os menos favorecidos são os mais prejudicados pelo reajuste.
“O aumento abusivo na passagem dos trens vai afetar diretamente a população mais pobre e que nesse momento precisa se deslocar de transporte público. Vivemos um contexto de muito desemprego, informalidade, muitas vezes quem está trabalhando está em condição de fome. O auxílio emergencial foi reduzido e até as doações de cestas básicas pela sociedade civil também diminuíram. Por isso, o reajuste gera um maior custo de vida e vai estrangular o trabalhador, que pode ser um profissional formal ou informal”, disse.
O economista e professor da IBMEC, Gilberto Braga, ponderou que o reajuste pesa sempre na despesa dos usuários ou de quem custeia a passagem, como no caso do empregador. Ele apontou que não há muitas opções de mobilidade para quem dependem do trem.
Questionado pelo MH se poderia haver desemprego em função do aumento da passagem, ele negou a possibilidade, mas ressaltou que esse custo é considerado na hora da contratação.
“O valor do vale transporte é mais considerado na hora da contratação. Um trabalhador que gasta mais com transporte pode perder uma vaga para um outro que tenha um custo menor num processo seletivo. Ou seja, pode ser um fator de diferenciação que a empresa considere. Entretanto, uma vez admitido o funcionário, o aumento da passagem do trem não influencia na manutenção ou demissão. Não faz sentido despedir uma pessoa ativa e integrada ao processo empresarial porque o seu custo ficou mais caro com o vale transporte. Os custos rescisórios são muito maiores do que manter o emprego que tem um bom desempenho”, disse.
O que precisa melhorar no sistema
Para o economista Gilberto Braga, o reajuste da tarifa afetou ainda mais o contrato da SuperVia que, segundo ele, tem pouco equilíbrio. Ele elogiou o sistema de controle operacional e tarifário da empresa, mas apontou que melhorias podem ser feitas para reequilibrar a operação, aumentando a receita da concessionária e diminuindo a evasão de passagens. Com maior arrecadação de recursos, a qualidade do transporte poderia ser maior.
“O sistema de controle operacional da concessionária é considerado um dos melhores do mundo, sendo público que até os japoneses vieram estudar. Logo, não falta competência à SuperVia, falta reequilibrar a operação. Há uma evasão de receita maior do que no BRT, porque em várias estações há domínio de organizações criminosas e o usuário só paga o que quiser. Para gerar mais receitas, uma das soluções que outros países já adotaram é o de exigir passar o bilhete na catraca de saída. Dessa forma, o passageiro que ingressou no sistema sem pagar, ficaria obrigado a comprar o bilhete na saída. A catraca já existe, já está instalada, basta um ajuste no sistema operacional. Mas isso precisa ser discutido entre a SuperVia, autoridades e a agência reguladora”, disse.
O coordenador geral da organização Casa Fluminense, Henrique Silveira, defendeu que deveria ser feita uma mudança no modelo estrutural do serviço, e que o financiamento do transporte não deveria depender exclusivamente do passageiro. Ele afirmou que com mais transparência, é possível garantir uma mudança efetiva na qualidade do transporte.
“No Brasil, a tarifa do passageiro é quase que exclusivamente o que financia o transporte. Quando o número de passageiros é reduzido, acompanhamos uma queda na receita das empresas e temos uma crise no sistema. Então precisamos de novas fontes de recursos para financiar o sistema de transporte. Temos a necessidade de adotar uma coordenação metropolitana para endereçarmos essas e outras questões relacionadas ao contexto dos trens. Sem uma visão de um transporte metropolitano integrado, não vamos conseguir resolver o problema da mobilidade urbana no Rio”, concluiu.
Confira os reajustes feitos pela SuperVia nos últimos sete anos
junho 2021 - R$ 5,00 para 5,90
fevereiro 2021 - R$ 4,70 para 5,00
fevereiro de 2020 - R$ 4,60 para 4,70
fevereiro de 2019 - R$ 4,20 para 4,60
fevereiro de 2018 - Não houve aumento, mas a empresa deixou de conceder desconto para o bilhete único municipal
fevereiro de 2017 - R$ 3,70 para 4,20
fevereiro de 2016 - R$ 3,30 para 3,70
fevereiro de 2015 - R$ 3,20 para 3,30
Estagiário sob supervisão de Yuri Hernandes