Rio - O delegado Maurício Demétrio, preso na manhã desta quarta-feira (30) pelo Ministério Público, por suspeita de cobrar propina de comerciantes de produtos falsificados em Petrópolis, é apontado também como o mentor de uma operação falsa, realizada em março, com a intenção de obstruir e enfraquecer investigações que já estavam em andamento contra ele e seu grupo. Demétrio chegou a envolver e prender em flagrante o delegado Marcelo Machado, quem justamente o investigava. Machado foi solto após pagamento de fiança.
Maurício Demétrio chegou por volta das 12h desta quarta à sede da Corregedoria da Polícia Civil, no Centro, e negou o conteúdo da denúncia do Ministério Público. "A diligência que o Gaeco me acusa de ser retaliação foi mandado pelo Ministério Público. Não existe nada forjado, de jeito nenhum. O dinheiro (encontrado em seu apartamento) foi declarado no Imposto de Renda, inventariado, herança da minha mãe. Os carros foram comunicados à Corregedoria. Foi uma retaliação, com certeza, capitaneada pelo Gaeco", afirmou.

A operação denunciada pelo MPRJ como falsa, denominada pela Delegacia de Crimes Contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM) como 'Raposa no Galinheiro', teve ampla divulgação na imprensa. Titular da especializada na época, Maurício apontou o delegado Marcelo Machado como "operador de um grupo criminoso composto por outros quatro delegados", que supostamente confeccionavam roupas falsas. Machado, que na época estava lotado no Setor de Investigações Complexas, investigava justamente a atuação de Demétrio e chegou a ser preso em flagrante.
A denúncia do Ministério Público aponta que o grupo de Demétrio forjou conversas de Whatsapp se passando por interessados em adquirir camisetas fabricadas pela confeccção que pertence a Marcelo Machado e seu sócio, Alfredo Dias Babylon. Os produtos encomendados foram usados para incriminar Machado na operação falsa. O Gaeco, no entanto, percebeu que a representação contra Machado foi feita e apresentada em data anterior à encomenda das camisas, antes mesmo de elas existirem.
Na época, em entrevista ao MEIA HORA, Demétrio comentou: "é assustador saber que um agente de segurança está envolvido nesse tipo de crime. Eu ainda não estou acreditando. Fizemos nossa parte. A partir de agora todos passam a ser investigados pela Corregedoria da Polícia Civil". Para o Ministério Público, a operação foi "uma flagrante manipulação da imprensa, uma gigantesca manobra de obstrução de justiça".
"Ao incriminar falsamente o colega Marcelo Machado e seu sócio Alfredo e caluniar outros delegados e testemunhas, cujos nomes nem mesmo constavam no inquérito policial e na medida cautelar que levaram à deflagração da operação, Maurício Demétrio agiu para retirar a credibilidade das testemunhas e a fiabilidade dos relatos já prestados, impingir mácula falsa à atuação dos investigadores e coagir moralmente estes indivíduos, embaraçando as investigações em curso", aponta a denúncia do MP.
Operação falsa teve segunda fase, abortada após chegada do Ministério Público
A operação 'Raposa no Galinheiro' ainda teve uma segunda fase, esta em Petrópolis. O MPRJ aponta que o argumento de Demétrio era o combate à pirataria, mas a ida à Região Serrana se deu para coagir testemunhas e demonstrar poder, "de modo a desestimular a colaboração de novas testemunhas".
A operação contava com caminhão, motorista e equipes de carregadores, mas terminou antes do programado: quando o Ministério Público compareceu ao local e determinou que as ocorrências fossem apresentadas na 105ª DP (Petrópolis), e não na DRCPIM, Maurício Demétrio abortou a operação, abandonando o material apreendido e retornando para o Rio.
'Operação Carta de Corso': busca e apreensão na própria Cidade da Polícia
Segundo o Ministério Público, o esquema ocorreu entre março de 2018 e março de 2021, quando Maurício Demétrio era o titular da DRCPIM. O delegado e outros policiais civis exigiam dos lojistas da Rua Teresa, em Petrópolis, o pagamento de propina para permitir que continuassem a venda de roupas falsas. A Rua Teresa é conhecida pelo comércio popular.
O esquema criminoso era dividido por dois núcleos: um agia em Petrópolis e era responsável por ameaçar os lojistas e recolher os valores cobrados. Outro, pelos policiais civis, que cumpriam diligências policiais contra determinados lojistas por "forma de represália", segundo o Gaeco, subvertendo "a estrutura da Polícia Civil em instrumento de organização criminosa".
O objetivo da operação do Ministério Público é cumprir oito mandados de prisão e 14 de busca e apreensão, alguns na própria DRCPIM, na Cidade da Polícia. O delegado foi preso em casa, em um condomínio de luxo na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Outros quatro policiais civis foram levados à Corregedoria da Polícia Civil, no Centro.
Em nota, a Polícia Civil afirmou que "a Corregedoria já possui procedimentos abertos sobre este caso e solicitará informações ao Ministério Público sobre a operação de hoje para juntar nas investigações".
A Associação da Rua Teresa (ARTE) lamentou a existência do esquema e afirmou não ter recebido qualquer denúncia sobre as propinas pagas aos policiais da delegacia. "A Arte lamenta que lojistas do polo possam ter sido alvo de extorsão como apontam as investigações conduzidas pelo MPRJ e Corregedoria da Polícia Civil do estado do Rio de Janeiro. Ressaltamos que, desde os anos 1960, a Rua Teresa é uma Rua de comércio familiar e confecção própria, em sua maioria, e que vem lidando com a concorrência desleal de produtos sem procedência comprovada há anos", afirmou a associação. "Reforçamos que somos um importante setor econômico do município, reconhecido por gerar mais de 20 mil empregos diretos e indiretos, e representando, antes da pandemia, cerca de 14% PIB da cidade", completou.