Último cinema de Copacabana reabre com sessões de clássicos e horários para peças e shows

Sem deixar de cativar os antigos frequentadores, tradicional sala na Zona Sul quer atrair também o público infantil; sessões gratuitas são a novidade

Pauta Especial - Cine Joia. Na foto, Bruno Muniz (administrador do Cine).
Pauta Especial - Cine Joia. Na foto, Bruno Muniz (administrador do Cine). -
Rio - Avenida Nossa Senhora de Copacabana, 680, subsolo. Escondido entre os muitos bancos, farmácias e igrejas da rua mais movimentada de Copacabana, o último cinema do bairro resiste. Após três anos fechado, o tradicional Cine Joia está de volta repaginado e com uma programação diversificada, querendo atrair públicos de todas as idades. E o melhor: com sessões gratuitas de filmes.
A retomada das atividades deu-se pelas mãos do ator Bruno Muniz, de 40 anos, que resolveu transformar a sala em um espaço multicultural, com apresentações de teatro e shows, além da exibição de longa-metragens antigos.

"Por conta do fechamento do Roxy, essa região de Copacabana ficou sem atrativo nenhum. Como eu estava sempre aqui na sala ensaiando com grupos de teatro, algumas senhoras apareciam constantemente, perguntando quando a sala iria voltar a funcionar. Então falei com o proprietário, assumi o Cine Joia e voltei com o cinema, especificamente para atender a este grupo. Enxerguei esse potencial, o Joia tem um apelo muito nostálgico, faz parte da vida de quem vive em Copacabanal", revela Bruno, citando o histórico cinema do bairro, na esquina da Rua Bolívar com Av. Nossa Senhora de Copacabana, que fechou em 2021 e deverá ser reinaugurado em breve, mas como casa de shows.

Para o novo gestor, a reabertura do Cine Joia representa uma vitória para a cidade, pois mexe com a memória afetiva dos cariocas. "É mais do que cultura, é a história da população de Copacabana que é, em grande percentual, terceira idade. No dia em que reabrimos, uma senhora chegou, aos prantos, dizendo que foi aqui que ela conheceu o seu finado marido. Foi onde eles se beijaram pela primeira vez", conta Bruno.

Uma equipe apaixonada pela sétima arte, formada por cinco pessoas, contando com o Bruno, se desdobra para dar contra da administratação, do marketing, recepção e parte técnica. "Eu só tinha a sala com as cadeiras, nada mais", recorda Bruno, ao falar sobre o arrendamento do espaço, que é de propriedade do marchand Cláudio Valansi. O local estava sem projetor, equipamentos de luz e som, e ar-condicionado. Os planos, no entanto, eram muitos.
Pouco depois, a nova gestão começou a promover apresentações de peças infantis. Em seguida, investiu no público que mais sentia falta do equipamento cultural: os idosos, passando a exibir sessões de clássicos.

"É um caminho contrário esse que estamos fazendo. A cultura está acostumada a perder, no Brasil estamos acostumados a fechar. Perdeu, faliu, não deu, o teatro tal fechou, cinema tal encerrou... Então, quando vem algo na contramão, quando vem uma reabertura, acho que choca mais do que se estivesse anunciando um fechamento. O público e a classe artística estão super receptivos", comemora Bruno.
Para a jovem atriz e jornalista Marianna Spinelli, de 27 anos, que atua no marketing e na produção do espaço, a proposta do novo Cine Joia é proporcionar uma experiência inesquecível ao público. "As pessoas aplaudem quando o filme acaba e isso, para nós, é bem gratificante. As pessoas querem cinema de rua, querem cinema de bairro. Não temos mais acesso a filmes clássicos por causa do streaming, e ainda é diferente assistir a esses filmes em uma TV e em um cinema de bairro. É importante devolver essa experiência para Copacabana, e vamos continuar por mais dez, quinze anos", diz, bastante entusiasmada.

As 87 cadeiras de couro coloridas do cinema, marcas do Cine Joia, dão um clima ao mesmo tempo vanguardista e cult. O letreiro é outro destaque que deixa a fachada ainda mais chamosa. Em breve, uma pipoqueira com estilo vintage também passará a fazer parte do espaço.

A curadoria é feita por Bruno, com o suporte do proprietário, Claudio Valansi, e de professores de cinema da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC), além de uma escuta geral com o público. Os filmes são escolhidos mensalmente.
A programação de junho já está toda definida, com destaques para as sessões vespertinas de filmes das décadas de 1940 a 90, chamadas de "Cine Nostalgia", e para o "Cine Clubinho", que acontece aos sábados de manhã.
Há ainda as exibições noturnas, batizadas de "Cine Terror" ou "Cult", com produções lançadas entre 1970 e os anos 2000, para atrair os mais jovens. Contudo, este mesmo público se interessa e frequenta as sessões vespertinas, inicialmente pensadas para o público da terceira idade, revelam os administradores.

É o caso dos amigos Alan Luiz Magalhães e Ana Carolina Martins, ambos de 18 anos, que foram ao Cine Joia, na última segunda-feira (5), ver o clássico "O Que Terá Acontecido com Baby Jane?", de 1962, com as icônicas atrizes Bette Davis e Joan Crawford. Eles não conheciam o espaço, mas decidiram conhecê-lo após a indicação de um amigo em comum. 

Quem também esteve na sessão de "Baby Jane" foi a estudante de Cinema Lia Terry, 18, que não esconde a alegria com a "descoberta". "O Cine Joia tem uma programação diferente da que grande parte dos cinemas tem, e não é difícil para mim chegar em Copacabana. Eu gosto muito de filmes antigos. Aqui passam filmes que não estão passando em nenhum outro lugar. Eu já sabia do cinema, mas só vim após a reinauguração", conta Lia.

O aposentado Luiz Carlos Carvalho, 80,  também festeja a retomada. “É muito importante a volta do cinema, pois exibe filmes antigos, que são muito bons e melhores do que os filmes de hoje em dia. Antigamente havia outros cinemas aqui em Copacabana, como o Roxy, mas agora está tudo certo. Temos o Cine Joia de volta".

A aposentada Vilma Fonseca, 76, faz coro. "O fechamento do cinema foi uma pena, pois moro aqui perto. Então, eu gostava muito, vinha sempre. São filmes diferenciados, do jeito que eu gosto. Esta é a segunda vez que eu venho desde que reabriu, estou gostando muito desta volta."

A professora aposentada Maria Clara Cascaes ressalta que a reabertura é um alento para os moradores do bairro. "Ah, o Cine Joia sempre foi uma joia em Copacabana. Essa volta é emocionante, uma excelente ideia! Aqui em Copa tem muito idoso, e é um cinema com preço acessível. Cinema está quase o preço de teatro", comenta, após pagar R$ 15. Já a partir dessa semana, as sessões de cinema serão gratuitas. 
Shows e peças 
Para os fãs de teatro, em junho, estão em cartaz a peça "A Cartomante", do grupo Cenas Machadianas, e o espetáculo de stand up do humorista Pierre Rosa. Os apaixonados por música terão um cardápio bastante variado, com os shows "Tributo à Jovem Guarda" e "Ana Ramos canta Elis Regina". 

Apesar de contar somente com recursos próprios, Bruno pretende impulsionar o projeto aos poucos. A ajuda de parceiros também não é descartada. "É óbvio que se chegar apoio, até mesmo como a Lei Paulo Gustavo, é bem-vindo. Nós vamos pleitear as leis de auxílio até para podermos investir em mais melhorias no espaço, como dar um upgrade nos equipamentos, colocar carpete, apostar mais na parte estética do estabelecimento. Vamos focar em projetos de parceria, com a Secretaria Municipal de Cultura, para exibição de filmes e documentários aqui, e vamos também enquadrar o projeto em leis. Temos que agregar outros parceiros nesta caminhada, para devolvermos o Cine Joia à Copacabana em sua plenitude”, analisa Bruno, que completa. "Nem cogito a hipótese de fechar, isso nem passa pela minha cabeça."

A programação do Cine Teatro Joia está disponível no Instagram @novocinejoia

Uma relação antiga

Copacabana e o Cine Joia vivem um longo caso de amor, com direito a "términos" e "reconciliações". Fundado em 1969, o espaço foi comprado pela família Valansi em 1970, quando se chamava Cine Hora. Na época, não exibia filmes, apenas notícias e desenhos animados para as pessoas que faziam hora dentro da galeria onde está localizada a sala.
Neste período, havia um relógio sobre a tela para o público poder ver a hora, e não havia momento certo para entrar ou sair, era livre.
Após ser comprado pela família que era dona da Companhia Cinematográfica Franco-Brasileira, o cinema foi batizado de 'Joia' em homenagem à avó do atual proprietário. Funcionou sem interrupções até 2005, quando fechou as portas por questões financeiras. Foi reformado e reaberto em 2010 pelo cineasta Raphael Aguinaga, que implementou as cadeiras coloridas, mas voltou a ter sua história interrompida em 2020, desta vez por conta da pandemia. 

Em julho de 2021, o Joia foi alugado por um produtor gaúcho, que usou o espaço para cursos, agenciamentos e pequenas apresentações teatrais. Foi desta forma, ao alugar um horário para o seu grupo de teatro, que o ator Bruno Muniz esteve no espaço e viu de perto o interesse do público pelas sessões de cinema. Em seguida, fez uma proposta para o proprietário, já que a gestão anterior não pode seguir investindo no local.
A Sociedade dos Amigos de Copacabana, uma das associações de moradores do bairro, aprovou o novo formato. "Ficamos muito felizes com o retorno do Cine Joia, pois é um estabelecimento tradicional do bairro, ainda mais no segmento cultural, que com o passar dos anos tivemos vários deles que encerraram suas atividades", comentou Horácio Magalhães, presidente da entidade.
Morador do bairro, o historiador Rafael Cosme não esconde o orgulho com a volta da sala. "O Cine Joia é um monumento de Copacabana. Foi palco de um grande acontecimento no bairro: exibiu em sua tela a chegada do homem à lua. Aos fins de semana, na década de 1970, exibia desenhos animados e comédias para as crianças. Por muito tempo, teve sua programação feita pela Cinemateca do MAM e se consolidou como um cinema de arte. Gerações de apaixonados por cinema foram formadas naquela sala. Sua importância para o bairro é tão grande que a galeria que abriga o cinema é conhecida - e será pelos próximos 300 anos - como a 'Galeria do Cine Joia'. Copacabana precisa di Cine Joia para continuar sendo Copacabana. Sua insistência em continuar existindo é um prêmio para uma cidade que perdeu tantos marcos históricos."