Escolas particulares serão mais afetadas por lei que proíbe ultraprocessados no Rio

Diretores ouvidos pelo DIA recebem bem a mudança e preparam adaptação de cantinas

Alimentos ultraprocessados serão vetados em cantinas escolares no Rio
Alimentos ultraprocessados serão vetados em cantinas escolares no Rio -
Rio - Com dinheiro no bolso e longe dos responsáveis, os alunos da rede privada da cidade do Rio têm à disposição uma vasta opção de alimentos e bebidas ultraprocessados. Bebidas açucaradas, como mate industrializado, refrigerante e sucos de caixinha, e alimentos como biscoitos recheados e salgados com embutidos são consumidos no ambiente escolar por crianças e adolescentes. Este é o cenário que deverá ser transformado a partir da nova legislação que proíbe a venda e oferta deste tipo de alimentos e bebidas nas escolas do município.

A rede privada será a mais afetada pela lei, já que ainda não é submetida a nenhuma legislação neste sentido. As redes municipais e estaduais do Rio já seguem o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e não possuem muitos produtos ultraprocessados.

A rede estadual afirma que os alimentos deste tipo já não fazem parte do cardápio, enquanto que a Secretaria Municipal tem as refeições orientadas pelo Instituto de Nutrição Anne Dias. Os itens que podem ser revistos nesta rede são os pães e biscoitos doces e salgados. Esses alimentos são considerados ultraprocessados, mas podem ser admitidos pelo PNAE, desde que com limitação de ofertas por semana. Já os biscoitos recheados são proibidos.

Gerente da área de Obesidade do Instituto Desiderata, organização da sociedade civil que atua na promoção de políticas públicas para melhoria da saúde infantojuvenil, Raphael Barreto destaca a cantina como um espaço fundamental para a educação alimentar das crianças e adolescentes.

"A escola é onde a criança passa a maior parte do seu dia. Por isso, a gente precisa proteger esse ambiente, favorecendo o acesso à educação alimentar saudável. A restrição aos ultraprocessados está alinhada às maiores referências mundiais", citou.

O município de Niterói, lembra Barreto, aprovou em dezembro do ano passado uma legislação parecida, sancionada em janeiro. As escolas tiveram prazo de seis meses para se adaptar e a mudança deve entrar em vigor no retorno das férias escolares do meio do ano.

Também há outras legislações similares no país, como no Mato Grosso do Sul, Paraná e no Rio Grande do Sul, mas os projetos do Rio e de Niterói trazem a inovação de usarem o conceito de produtos ultraprocessados. "O perigo não está tanto na composição, mas no processamento", explica Barreto.

O texto da legislação carioca considera ultraprocessados os alimentos cuja fabricação envolva diversas etapas e técnicas de processamento, conforme disposto no Guia Alimentar Para a População Brasileira do Ministério da Saúde.

Escolas particulares ouvidas pelo DIA recebem com bons olhos a nova legislação. O diretor-geral dos Colégios Matriz Educação, Hugo Carvalho, afirma que o grupo é muito favorável à mudança e afirma que os colégios do grupo estão em processo de adaptação das cantinas.

"A nova lei impacta praticamente todas as áreas de desenvolvimento do estudante, visto que a alimentação também influencia no desempenho escolar e na concentração. Além da questão da saúde, o que vai corroborar com a prevenção de doenças relacionadas à alimentação, os alunos vão ter a oportunidade de desenvolver pensamento crítico, ao entenderem o que é e o que não é positivo para a vida deles", afirmou Carvalho.

A Escola Sá Pereira, em Botafogo, na Zona Sul do Rio possui cantina para os alunos do Fundamental I, Fundamental II e Ensino Médio, enquanto as crianças da Educação Infantil levam o lanche de casa. "Vejo com bons olhos essa restrição. Será uma oportunidade de ampliarmos os cuidados que já temos. Penso que será também uma oportunidade de reforçar a importância da parceria entre família e escola, tão importante na educação alimentar das crianças e dos jovens", ponderou a diretora Jade Moura.

"Cada idade traz um desafio diferente para educação alimentar. Procuramos soluções saudáveis para os desejos deles. É preciso também criar estratégias para que os alunos experimentem novidades saudáveis, construindo a necessária consciência, mas também prazer por esses novos hábitos", acrescenta a diretora da Sá Pereira.

Já a diretora-geral Mariana Erlanger das escolas do segmento de Educação Infantil Sunny Day, no Méier, Zona Norte do Rio, e Bom Tempo, em Botafogo, na Zona Sul, acredita que as unidades já estão preparadas para a mudança.

"Nossa escolha é por alimentos in natura. Trabalhamos com uma horta que nos abastece com temperos frescos e escolhemos frutas, legumes e verduras da estação. É importante ensinar hábitos de alimentação saudáveis para as crianças, principalmente na Educação Infantil. É nesta fase que os hábitos alimentares começam a ser moldados", reforça Mariana.

Cantinas saudáveis

Para apoiar as empresas na transição para cantinas saudáveis, o Instituto Desiderata prepara um guia prático para os cantineiros que deve ser lançado até o fim do mês. No Rio, a cartilha será distribuída para 200 escolas e ficará disponível no site da instituição.

Um estudo sobre comercialização de alimentos em capitais brasileiras apoiado pelo Instituto Desiderata e coordenado pela UFMG, com apoio da Fiocruz e da UFRJ no Rio, indentificou que a oferta de produtos ultraprocessados nas cantinas é 126 vezes maior do que a de alimentos e bebidas saudáveis (minimamente processados ou in natura) no Rio.

Raphael Barreto explica que a cantina deve ter pelo menos 80% dos seus produtos considerados saudáveis. Ele exemplifica: "São frutas, legumes, verduras da estação, iogurte natural, vitamina natural, sanduíche com pães caseiros ou artesanais, bolos com pouco açúcar e sem conservantes e salgados assados sem embutidos como recheio", cita.

Para realizar essa mudança alimentar, o especialista em combate à obesidade infantojuvenil afirma que é importante uma participação de toda a comunidade escolar, incluindo os cantineiros. "A educação alimentar e nutricional é fundamental para o sucesso da lei", ressalta.

Lei será sancionada

A Prefeitura do Rio vai sancionar o projeto de lei 1662/2019 que proíbe a venda e oferta de alimentos e bebidas ultraprocessados em escolas públicas e particulares no Rio. Após a sanção, o Poder Executivo municipal deverá regulamentar qual será o prazo de adaptação à nova legislação. A expectativa é de que o projeto de lei seja enviado da Câmara Municipal do Rio para a sanção até a próxima segunda-feira (19).

De autoria do vereador Cesar Maia e outros vereadores, o projeto que visa combater a obesidade infantil e foi aprovada de forma unânime na última terça-feira (13).

São exemplos de alimentos ultraprocessados: refrigerantes e refrescos artificiais, bebidas ou concentrados à base de xarope de guaraná ou groselha, chás prontos para consumo e outras bebidas similares, bebidas à base de frutas com aditivos ou adoçadas, cereais com aditivo ou adoçado, balas e similares, confeitos, bombons, chocolates em barra ou granulados, biscoitos ou bolachas recheadas, bolos com cobertura ou recheio, barras de cereais com aditivo ou adoçadas, gelados comestíveis, gelatinas, temperos com glutamato monossódico ou sais sódicos, maionese e alimentos em pó ou para reconstituição.

Em caso de descumprimento da lei, a unidade escolar será notificada para regularização no prazo de dez dias e também poderá ser implicada uma advertência. No caso de instituições particulares, poderá ser aplicada multa diária de R$ 1.500 até que a irregularidade seja solucionada.