Concentração de substância vazada no Guandu é duas vezes maior que o permitido, diz Inea

Cedae precisou interromper o abastecimento por 14 horas. O valor da multa na empresa Burn pode chegar a 50 milhões de reais

Paralisação no abastecimento se deu por conta de uma espuma branca despejada na água do Sistema Guandu
Paralisação no abastecimento se deu por conta de uma espuma branca despejada na água do Sistema Guandu -
Rio - O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) identificou uma concentração de surfactantes duas vezes maior que o permitido por lei na galeria de águas pluviais da empresa Burn Indústria e Comércio, investigada como responsável pelo despejo de detergente no Rio Guandu e provocar a interrupção no abastecimento de água no Rio. A empresa nega as acusações.

De acordo com o instituto, a quantidade permitida pelo Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) é de 0,5 mg por litro, aproximadamente o equivalente a menos de uma gota numa caixa d’água de mil litros. Porém, quando a captação do Guandu foi fechada, a concentração estava em 0,6 mg por litro. Horas depois, houve um pico e fez com que chegasse a 1,0 mg por litro. Na galeria de águas pluviais, o quantitativo foi ainda maior.

No local, a Gerência de Informações Hidrometeorológicas e de Qualidade das Águas (GEIHQ) do Inea constatou a presença de uma substância presente na formulação de detergentes. Segundo a legislação brasileira, é permitida a concentração de, no máximo, 2 mg por litro, porém, a amostra colhida contava com 4,21 mg por litro.

Na manhã da última segunda-feira (28), a Cedae interrompeu a operação na Estação de Tratamento de Água (ETA) do Guandu, em Nova Iguaçu, após uma densa espuma branca aparecer no manancial de captação da unidade. O Sistema Guandu é responsável por 80% do abastecimento de água potável da capital e Região Metropolitana, atendendo cerca de 11 milhões de pessoas.

A captação de água ficou parada por 14 horas na ETA do Guandu por conta dos despejos feitos de forma irregular no no Rio Queimados, que faz parte da Bacia do Rio Guandu. Por conta disso, órgãos ambientais do Rio de Janeiro estudam aplicar uma multa de até R$ 50 milhões na Burn.

Polícia vai pedir interdição

A Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA), responsável pelas investigações, vai pedir a interdição das atividades produtivas da empresa Burn Indústria e Comércio Ltda, situada no Distrito Industrial de Queimados, pela prática do crime de poluição hídrica.

A investigação de uma força-tarefa, organizada pelo Governo do Estado, com a Polícia Civil, o Inea (Instituto Estadual do Ambiente) e a Cedae, identificou a indústria como autora do despejo de surfactante, um composto presente nos detergentes, no Rio Queimados.

A empresa, localizada no Parque Industrial de Queimados, possui licenças para fabricar cosméticos, produtos de perfumaria e de higiene pessoal. Na fábrica, produz sabões, detergentes sintéticos e desinfetantes.

O secretário de Polícia Civil, Ricardo Albuquerque, destacou que foi instaurado um inquérito policial da DPMA para apurar a prática do crime de poluição hídrica.

"A delegacia está requerendo a interdição das atividades produtivas da empresa. Já existe uma interdição de natureza administrativa, mas está sendo buscada a interdição pelo juízo criminal. Já distribuímos intimações para serem ouvidos os sócios e diretores da empresa para que a polícia arrecade o maior número de provas a fim de encaminhar ao Ministério Público e, posteriormente, buscarmos a responsabilização dos autores por esse crime", explicou Albuquerque.

Antes do início das investigações pelo despejo irregular de substâncias, a Prefeitura de Queimados já havia embargado administrativamente a empresa por conta do descumprimento de licença ambiental municipal.

Empresa nega contaminação

Procurada, a Burn negou que haja relação entre a sua fábrica e a presença de material químico na bacia do Rio Guandu. Confira a nota na íntegra.

A Burn esclarece que não há nenhuma relação entre a sua fábrica de Queimados, na Baixada Fluminense, e a presença de material químico na bacia do Rio Guandu. A unidade opera com tecnologia de ponta e de padrão internacional, seguindo os mais rigorosos procedimentos de controle, onde o manuseio da matéria-prima é automatizado e em ambiente de circuito fechado, ou seja, sem qualquer escoamento ou ligação com a rede pluvial.

Além disso, tem todas as licenças necessárias e destinação ambientalmente correta de seus resíduos, estando sob monitoramento e controle permanentes dos órgãos ambientais competentes. Cabe ressaltar que a fábrica está a 11 quilômetros de distância do sistema do Guandu seguindo o fluxo do rio, e adota uma série de iniciativas sustentáveis, como sistema de reuso de água da chuva, iluminação por fontes renováveis e selo EU Reciclo. A empresa também contratou laboratório especializado para coleta e análise da água e está colaborando com as investigações, à disposição das autoridades.

MPRJ cobra explicações

Na segunda-feira, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) oficiou os órgãos e entidades responsáveis pela preservação e monitoramento do manancial em que está localizado o sistema Guandu, responsável pelo abastecimento de água potável, para dar explicações sobre o assunto. O prazo para o documento ser respondido foi de 24h devido a urgência sobre o tema.

A ação, segundo o MPRJ, visa verificar as medidas concretas a serem adotadas para corrigir problemas identificados no sistema de abastecimento de água que atende grande parte da região metropolitana do Rio de Janeiro e evitar sua recorrência.

Segundo a Polícia Civil, a DPMA já respondeu ao Ministério Público com a cópia do Inquérito Policial. A Cedae também alegou ter respondido ao ofício dentro do prazo estipulado.

Nesta quarta (30), a Agenersa, o Inea e Comitê das Bacias Hidrográficas do Guandu foram procurados, mas não responderam até a publicação desta matéria.