As revelações foram feitas durante os depoimentos prestados na sessão do tribunal do júri realizada no último dia 10, no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, no qual Cupertino é julgado por homicídio doloso com duas qualificadoras: cometido sem chance de defesa das vítimas e por motivo fútil. Depois que as mulheres depuseram, o réu destituiu seu advogado, levando o juiz Antonio Carlos Pontes de Souza a suspender o julgamento. A reportagem teve acesso aos depoimentos. Como o defensor de Cupertino ainda não foi nomeado, a reportagem não conseguiu contato com sua defesa.
O novo júri ainda não tem data para ser realizado. Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), como o réu não constituiu um novo advogado, será nomeado um defensor público para atuar em sua defesa. Ao Estadão, o TJ informou nesta sexta-feira, 18, que os depoimentos terão de ser feitos novamente, pois será sorteado um novo Conselho de Sentença (corpo de jurados).
Segundo o MP, em 9 de junho de 2019, Cupertino matou com 13 tiros Rafael, de 22 anos, e seus pais, o casal João Alcisio Miguel, de 52, e Miriam Selma Silva Miguel, de 50. Conforme a acusação, o homem teria cometido o crime por ciúmes, por não aceitar o namoro da filha com o ator. Na época, ela tinha 18 anos.
Os depoimentos duraram cerca de duas horas e mãe e filha se emocionaram ao relatar o relacionamento difícil com Cupertino. A mãe afirmou que ele era agressivo e batia nela. Isabela disse que o pai sempre a tratou de forma diferenciada em relação ao irmão. Depois que ela começou a namorar, ele se tornou mais agressivo e a proibiu de se relacionar com Rafael ou outro garoto.
Segundo o depoimento, o pai monitorava o celular de Isabela e a proibia de sair de casa. Quando a promotora Soraia Bicudo Simoes Munhoz perguntou quanto tempo ela ficou sem sair de casa, Isabela respondeu: "Oito meses, sem contato, sem celular, sem convívio com outras pessoas, só dentro de casa." Ela pedia o celular da mãe para falar com o namorado. Isabela contou ainda que o pai falava, em conversas com conhecidos: "Você só vai namorar depois dos 30, se eu deixar."
O relacionamento entre Isabela e Rafael durou pouco mais de um ano. A jovem deu detalhes sobre o que seria seu último encontro com ele. Ela saiu de casa para se encontrar com o namorado em uma praça, mas viu o carro do pai chegando e não quis voltar para casa. "Eu estava abalada, nervosa, chorava muito", disse.
No depoimento, a filha chega a se referir ao pai como "réu". "Nossa relação (com o pai) era algo que me deixava aflita", disse. O casal decidiu ir à casa dos pais de Rafael mas, chegando lá, foram convencidos a ir até a casa de Cupertino para esclarecer a situação.
Ela conta que, quando chegaram, Rafael foi abrir a porta e se deparou com o pai de Isabela. "Ele não falou nada e me puxou para dentro e fechou o portão de maneira agressiva. A mãe do Rafael perguntou: 'você que é o pai de Isabela?' ele respondeu: 'Não, eu sou a mãe'. Quando o Rafael falou, 'vamos conversar', ele disse: 'conversar nada'. Segurou o portão, eu já estava dentro (da casa). A partir daí só ouvi os disparos. Foram muitos disparos."
Isabela contou que, quando os tiros cessaram, viu o corpo de Rafael sobre o corpo da mãe dele, perto do carro. O corpo do pai de Rafael estava no meio da rua.
Cupertino não acompanhou presencialmente o depoimento da filha. Quando o juiz perguntou se ela preferia depor sem a presença do pai, ela disse que sim. Ele aguardou o depoimento em uma sala do fórum. O homem, que está preso, estava presente no depoimento de Miriam. A jovem e sua mãe disseram não ter visto os disparos, mas manifestaram não ter nenhuma dúvida de que o autor foi Cupertino.
O crime aconteceu em frente à casa da família, na Estrada do Alvarenga, no bairro Pedreira, na Zona Sul de São Paulo. Cupertino fugiu após os disparos. Outras duas pessoas, Eduardo Machado, de 45 anos, e Wanderley Ribeiro Senhora, de 59, acusados de ajudar na fuga do empresário, são réus no mesmo processo. Ambos respondem em liberdade e, em seus depoimentos, negaram relação com o crime.O Estadão procurou os defensores de Eduardo e Wanderley e aguarda retorno.
Cupertino foi preso quase três anos após o crime, em maio de 2022, quando a polícia o encontrou escondido e disfarçado, com uma identidade falsa, em um hotel de São Paulo. Com ele foram encontrados chapéus, tintas de cabelo e lentes de contato que, segundo a polícia, o procurado usava para se disfarçar.
Rafael era conhecido por sua participação na versão brasileira da novela Chiquititas, do SBT, exibida entre 2013 e 2015. Ele representava o personagem Paçoca. O ator atuou também em novelas da Globo, como Pé na Jaca e Cama de Gato, além do especial de fim de ano O Natal e o Menino Imperador. Como informou o Estadão, o assassinato do ator vai virar uma série documental. As gravações já começaram em São Paulo, Mato Grosso do Sul e Paraguai.