Caso João Pedro: Julgamento de policiais é suspenso após pedido de vista de desembargador

Adolescente de 14 foi baleado durante operação no Complexo do Salgueiro, em 2020. Agentes foram absolvidos em 2024, mas o MPRJ e a Defensoria Pública apresentaram uma apelação para submeter os policiais a júri popular

Manifestantes levaram cartazes e faixas antes do julgamento do caso João Pedro
Manifestantes levaram cartazes e faixas antes do julgamento do caso João Pedro -
Rio - Após pedido de vista feito por um dos desembargadores, o Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ) determinou, nesta terça-feira (20), a suspensão do julgamento da apelação apresentada pelo Ministério Público do Rio (MPRJ) e pela Defensoria Pública no caso da morte do menino João Pedro Mattos Pinto. Em maio de 2020, o adolescente de 14 anos foi baleado e morto com um tiro de fuzil durante uma operação conjunta das polícias Civil e Federal no Complexo do Salgueiro.
Ainda sem nova data prevista, o julgamento decidirá se os policiais civis acusados vão a júri popular. Este tipo de julgamento é previsto pela lei para crimes dolosos, quando há intenção de cometer a infração ou quando o agente assume o risco de atentar contra a vida.  
"A gente esperava que a decisão fosse dada hoje, mas ainda não é o momento. Vamos aguardar um novo julgamento. Mas esses dois votos a favor trazem um alívio, um conforto. É uma vitória porque a gente comemora cada pequeno passo", comentou a mãe de João Pedro, Rafaela Mattos. Ela se emocionou ao final da sessão. Pouco antes da audiência, houve uma manifestação em frente ao TJRJ com a presença de parentes do adolescente.
Processo
Em julho de 2024, o juízo da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo absolveu sumariamente os agentes Mauro José Gonçalves, Maxwell Gomes Pereira e Fernando de Brito Meister, lotados na Coordenadoria de Recursos Especial (Core). Nesta terça-feira, o desembargador Marcelo Castro Anatocles da Silva Ferreira, relator do processo, votou por conhecer a apelação, que pretende pronunciar os três policiais para que sejam submetidos a júri popular e determinar a anulação da sentença apresentada na primeira instância. 
"Quem tem que julgar esse caso é o povo. O Tribunal do Júri é o foro adequado para essa discussão, principalmente num caso emblemático como este, que exige o respeito integral ao contraditório e à ampla defesa", destacou o magistrado.
A desembargadora Adriana Ramos de Mello acompanhou integralmente o voto do relator. No entanto, o desembargador Cezar Augusto Rodrigues Costa pediu vista para analisar melhor as sustentações formuladas no processo. Com isso, o presidente da 6ª Câmara Criminal, desembargador Luiz Noronha Dantas, suspendeu o julgamento.
Durante a sustentação oral, o defensor público Pedro Carriello apontou falhas processuais, contradições entre teses e provas, e considerou precipitada a absolvição. A Defensoria, que representa o assistente de acusação, e o MPRJ sustentam que a sentença ignorou provas técnicas e testemunhais robustas, além de desconsiderar laudos produzidos por peritos independentes. Não considerar este documento contraria determinações da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Supremo Tribunal Federal.
"Já temos dois votos favoráveis, o que é um passo essencial. São três votantes, então há uma expectativa robusta de que os réus sejam submetidos ao júri. Ainda que o terceiro voto possa divergir, essa composição já nos coloca em uma posição significativa. Ter um filho morto dentro de casa, após ser atingido por dezenas de tiros, é uma dor inimaginável. Este julgamento é profundamente simbólico. Ele se torna uma referência para o Judiciário e para a sociedade ao mostrar que delitos cometidos contra crianças negras e periféricas precisam, sim, de uma resposta efetiva", pontuou Carriello.
Além do pedido de júri popular, a Defensoria atua no processo indenizatório movido pela família de João Pedro contra o Estado. Em março deste ano, durante julgamento na segunda instância, a instituição pleiteou o aumento da indenização fixada em R$ 200 mil para cada um dos pais, além da concessão de tratamento psicológico, fornecimento de medicamentos, pedido formal de desculpas e a criação de um memorial em homenagem à vítima. No entanto, esse julgamento também foi adiado, sem nova data prevista.
Relembre o caso
A morte de João Pedro completou cinco anos no último domingo (18). Ele estava na casa do tio, brincando com outros jovens, quando o imóvel foi alvejado por mais de 70 tiros. Segundo testemunhas, agentes entraram atirando na residência e balearam o jovem, que chegou a ser socorrido, mas não resistiu. A família só soube onde estava o corpo 17 horas depois.
Ao absolver os policiais, a juíza Juliana Bessa Ferraz Krykhtine, da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, entendeu que os policiais agiram em legítima defesa, já que eles estavam perseguindo criminosos armados durante a operação.