A Arte da Inclusão

A difícil tarefa de furar os bloqueios da acessibilidade no cenário cultutral

A Dj Karen dos Anjos furou o bloqueio da acessibilidade
A Dj Karen dos Anjos furou o bloqueio da acessibilidade -
Colunista Luiz André Ferreira
A circulação no interior dos equipamentos culturais é composta por um labirinto de obstáculos quase instransponíveis para profissionais com deficiência. Definitivamente não foram pensados ou ajustados para a acessibilidade. São escadas, coxias, palcos, camarins, cenografias que viram impeditivos para a atuação de mão de obra PCD.
Isso torna esse setor um dos mais despreparados para diversidade é o de eventos e entretenimento. Não estamos nos referindo a acessibilidade aos salões e plateias, embora esses espaços também precisem ser aperfeiçoados. Apesar do público ainda enfrentar dificuldades, os entraves são bem maiores nos bastidores.
Circulação Impedida
Embora constituem exceções, algumas iniciativas tentam mudar essa realidade. Focada na inclusão de profissionais autistas e neurodivergentes, o braço brasileiro da ONG dinamarquesa Specialisterne fechou um contrato com a Tim, patrocinadora e produtora de vários projetos culturais no Brasil.
Esta Organização Social está mapeando os principais impeditivos e as oportunidades que podem surgir nesse nicho. Ao mesmo busca acordos com empresas, apoiadores e patrocinadores em programas de inclusão neste mercado.

Entre as iniciativas proativas vem realizando reuniões com as produções dos festivais Rock in Rio e do The Town que podem resultar no fechamento de uma parceria operacional para a implantação de praticas que possibilitem a entrada desse tipo de mão de obra das próximas edições desses festivais.

Karen dos Anjos: a Dj que toca na ferida
Raros neste universo, obstinados profissionais e produções isoladas furam esses bloqueios. A DJ carioca Karen dos Anjos é uma das vozes que rompem esse silêncio. A paralisia cerebral, dificuldades motoras e de fala não impedem sua ascendente atuação na cena musical do Rio de Janeiro. Apesar de conseguir se estabelecer neste fechado segmento, a profissional ressalta a ausência de representatividade e oportunidades.

“A indústria do entretenimento, com relação às pessoas com deficiência, ainda é muito pouco, quase zero. Você não vê as pessoas com deficiência na TV, no teatro, no palco, na abertura de um show sendo o artista principal… A gente tem o grande Herbert Vianna, mas essa bandeira precisa ser levantada e é por isso que eu corro atrás”, afirma.
Mesmo enfrentando obstáculos que vão desde preconceito e falta de estrutura até a ausência de equipamentos adaptados, a DJ destaca suas conquistas:
“Hoje eu consigo dizer que sou uma pessoa com vitória nesse quesito, que estou conquistando meu espaço, sim, mas encontrar outros artistas, você tem que correr atrás, porque a gente continua minúsculo”.
Mercado Restrito
Diante desse cenário, o Ministério da Cultura (MinC), em parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), lançou em 2024 o projeto Mapeamento Acessa Mais. A iniciativa busca identificar artistas e agentes culturais com deficiência em todo o país, englobando áreas como literatura, música, teatro, dança e performance.
O objetivo é reunir informações que fundamentem políticas públicas de acessibilidade e inclusão no setor cultural. A coleta de dados segue em andamento e deverá oferecer um panorama inédito sobre a atuação de artistas PCDs no Brasil.
Karen lembra que não há dados concretos sobre a quantidade de artistas PCDs em atividade, o que torna o debate ainda mais invisível.
“Tem muita gente boa precisando de uma chance, gente talentosa que é PCD e que tá aí tentando mostrar seu trabalho. O espaço existe, mas ainda precisamos quebrar muitas barreiras para que todos possam ocupá-lo de forma igualitária”, ressalta.
Segundo o IBGE, em 2022 o país contabilizava cerca de 18,6 milhões de pessoas com deficiência, o que corresponde a 8,9% da população com mais de dois anos.
“Apesar desse número expressivo, a participação de pessoas com deficiência nas artes ainda é limitada, devido a barreiras como falta de acessibilidade em espaços culturais, escassez de oportunidades e preconceito. Iniciativas como o Mapeamento Acessa Mais são passos importantes para mudar esse cenário e promover uma cultura mais inclusiva e representativa", conclui Karen.
Interação das Diversidades
O espetáculo CorpoMundo celebra a inclusão e a diversidade de pessoas com e sem deficiências no palco. Com trilha sonora original, projeções e sinalização em Libras,  se destacou na 19ª edição do Palco Giratório realizado em Porto Alegre.
O espetáculo foi produzido pela Companhia de Dança e Teatro Fábrica dos Sonhos, braço da ONG Pertence que atua no cenário brasileiro com propostas e soluções inovadoras e inclusivas. A obra  reúne 20 artistas, dos quais 14 têm deficiência intelectual, e explora a relação entre o corpo e o mundo por meio da dança-teatro.
A montagem  transcende a linguagem verbal e valoriza as múltiplas formas de expressão. O grupo atua desde 2018, e oferece oficinas em dança contemporânea, expressão vocal, improvisação e pesquisa do movimento. A encenação utiliza poucas palavras verbalizadas e possibilita dar ao corpo novas leituras, novas histórias, partilhando a dimensão poética da nossa existência, diversa, humana e presente.
“O sucesso do Grupo Fábrica de Sonhos em produções como CORPOMUNDO é um exemplo inspirador de como a arte pode ser uma ferramenta poderosa para promover inclusão, autoestima e transformação pessoal. Enquanto o grupo comemora seu sétimo aniversário, é impossível não reconhecer o impacto positivo que ele tem tido na vida dos participantes do grupo e na sociedade em geral, reforçando a importância de dar voz e espaço a todas as pessoas, independentemente de suas habilidades e diferenças”, destaca Victor Freiberg, presidente do Pertence.
A DJ Karen dos Anjos é um exemplo de diversidade
A DJ Karen dos Anjos é um exemplo de diversidade foto divulgação