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A rotina de medo e falta de amparo dos motoristas de aplicativos

Profissionais relatam ataques e denunciam a falta de apoio e assistência das plataformas

Motorista de aplicativo Adriano Fernandes de Lima
Motorista de aplicativo Adriano Fernandes de Lima -
O dia 26 de julho de 2020 marcou para sempre a vida do motorista de aplicativo Adriano Fernandes de Lima, de 39 anos. Era um domingo, por volta das 21h. "Estava vindo de Irajá, sentido Pavuna. Na Martin Luther King (Avenida Pastor Martin Luther King Jr., que corta a Zona Norte do Rio),  altura da estação Rubens Paiva do Metrô, fui abordado por quatro elementos em outro carro. Me fecharam, mandaram sair do carro e correr... e atiraram nas minhas costas", relembra o profissional, morador de São João de Meriti, casado e pai de uma menina.

O tiro, de fuzil calibre 556, pegou no lado direito e destruiu o ilíaco - um dos principais ossos que formam o sistema de sustentação do corpo. "Caí, tentei levantar mas perdi a força. Quem me socorreu foi outro Uber que passou pelo local. Já tinha algumas pessoas, mas ninguém me socorreu", conta Adriano.

Ele foi transferido do Hospital Municipal Carlos Chagas, em Marechal Hermes, para o Salgado Filho, no Méier, onde ficou internado por 17 dias e passou por cirurgias para tentar consertar o osso. Adriano teve alta mas o sofrimento não terminou. "Dez dias depois peguei uma infecção, causada pela pólvora, e tive que voltar pro hospital. Depois de 16 dias voltei pra casa e tô fazendo fisioterapia, pois tive uma trombose na perna. Tô tomando um remédio muito caro, R$ 280 a caixa", conta.
Motorista de aplicativo Adriano Fernandes de Lima - Arquivo pessoal

Durante todo esse tempo Adriano, que trabalhava exclusivamente como motorista de aplicativo, conta que não teve nenhum tipo de apoio ou assistência das empresas Uber e 99, as maiores do setor. Sem renda, teve que mudar com a família para a casa da mãe. "O carro era alugado e foi achado depois. O aplicativo não me deu assistência nenhuma. Nenhum dos dois", conta. E pior: "Eu tava internado, quase morto e minha esposa mandou um e-mail para eles relatando o que tinha acontecido e, cinco dias depois, no dia 1º de agosto, eles me bloquearam, fui banido da Uber. Minha conta foi bloqueada. Não me deram nenhuma satisfação. Só falaram que eu fui banido da plataforma", relata.

Procurada, a Uber disse, em nota à reportagem, que "segurança é prioridade para a Uber e a empresa está sempre buscando, por meio da tecnologia, fazer da sua plataforma a mais segura possível" e que "tanto os motoristas parceiros como os usuários estão cobertos por um seguro da Uber para acidentes pessoais que ocorram durante viagens pela plataforma".

No caso de Adriano, a empresa diz que "a conta foi desativada depois de realizada verificação de segurança periódica, que retornou com apontamentos". A empresa não explicou porém quais foram esses "apontamentos".

A resposta da Uber quanto à segurança é idêntica e, em alguns trechos usa até as mesmas palavras que a resposta do aplicativo 99 que, também em nota, disse que "Segurança é uma prioridade para a 99. Por isso, investe continuamente em tecnologia de ponta, engajamento da comunidade e atendimento humanizado".

Sindicato
Presidente do recém-fundado Sindicato dos Prestadores de Serviços por Meio de Apps e Software Para Dispositivos Eletrônicos do Rio de Janeiro e Região Metropolitana (Sindmobi), Luiz Carlos Corrêa disse que, apesar do pouco tempo de atividade, o sindicato já tem muitas pautas de reivindicações, principalmente no que diz respeito à segurança e proteção dos profissionais. "A gente tá montando um projeto, alinhando já uma reunião com o governador. Também já estamos em contato com direção da Uber. Eles pediram pra gente fazer um levantamento dos locais perigosos no Rio e passar para eles, para os motoristas não serem penalizados por recusar corridas nessas regiões. Precisamos pontuar isso nas plataformas", revela.

Sobre a situação do motorista Adriano Fernandes, o dirigente sindical diz que "nesse momento a gente não consegue ajudá-lo financeiramente, mas já colocamos um advogado à disposição para ver o processo dele".

Sem ter como sustentar a família com seu trabalho, Adriano diz que depende da ajuda de outras pessoas. No dia em falou co a reportagem por telefone, ele voltava da fisioterapia, de ônibus e muletas "porque não tenho nem condições de pagar um Uber", disse.
"Tava saindo pra trabalhar quando sofri o ataque. ainda não tinha ligado o aplicativo. Dia de domingo eu trabalhava à noite. "Nosso trabalho é trabalho escravo. Se você recusa duas, três corridas por ser área de risco eles desligam seu aplicativo, ou seja, te força a aceitar corrida de risco", conta.

Segundo a Uber, "os motivos que podem levar à desativação de um usuário ou motorista parceiro variam e estão elencados nos Termos & Condições com os quais todos concordam antes de começarem a usar a plataforma". E que "seguidos cancelamentos injustificados também estão entre os motivos que podem levar uma conta a ser desligada"

Já a 99 diz que "todos os motoristas parceiros do app podem conferir informações sobre o destino final, a nota do passageiro e se ele é frequente - além de exigir que todos os passageiros incluam CPF ou cartão de crédito".

"Nem procuraram saber como eu estava"
O motorista Sergio Rodrigues de Souza, de 39 anos, já sofreu quatro assaltos desde que começou a dirigir para as plataformas há 4 anos. Num deles, há um ano, na Avenida Dom Hélder Câmara, próximo ao Norte Shopping, em Pilares, conta, foi confundido com policial, agredido a coronhadas e quase acabou morto. "Levaram meu carro meu celular e me deixaram lá".

No outro ele conta que estava com passageiro - uma idosa com o neto - e se arriscou protelando para sair do veículo até que ambos estivessem em segurança. "Roubaram meu carro e celular e, logo depois disso eles pegaram mais três corridas com o meu aplicativo, quer dizer, fizeram mais vítimas".
Sérgio também reclama da falta de assistência. "Em ambas as situações, informei do assalto e, em momento algum os aplicativos - um era o Uber e outro 99 - procurou saber se eu estava bem, se não estava. Total falta de estrutura dos aplicativos em relação a isso. Nós passamos por critérios rigorosos de segurança, temos que sempre estar atualizando nossas fotos.... e as fotos dos passageiros não é exigida em nenhuma das plataformas. É uma das nossas brigas. Aumentando essa fiscalização. Para nós termos total segurança dos passageiros que estamos pegando, o que não tem. No 99 alguns até aparece as fotos, mas é momentaneamente. É bastante complicado".

A 99 informou que "conta com uma central de segurança, formada por mais de 190 especialistas, oferecendo atendimento humanizado e suporte para qualquer necessidade. Além disso, todos os usuários são cobertos por um seguro contra acidentes pessoais, válido do começo ao fim das corridas".

A Uber diz que "o aplicativo permite que solicitações de viagens sejam canceladas por motoristas parceiros sinalizando motivo de segurança sempre que não se sentirem confortáveis" E que "hoje uma viagem pelo aplicativo já inclui outras ferramentas de segurança durante e depois de cada viagem, tanto para os usuários quanto para os motoristas parceiros".


Histórias de violência
Nem a polícia e nem as plataformas têm uma estatísticas de casos de violência contra motoristas de aplicativos, mas pelos noticiários dá pra perceber, só nos casos divulgados, o tamanho da violência a que estão expostos esses profissionais.

Entre fevereiro e início de março alguns casos chamaram a atenção para essa dura realidade que vivem esses motoristas.
No dia 4 de fevereiro, Gabriel Augusto Maravilhas Paes, de 32 anos, esperava uma passageira em frente a um prédio na Avenida Marechal Rondon, no bairro São Francisco Xavier, no início da manhã, quando foi abordado por dois homens em uma moto e morto a tiros.

No dia 9 do mesmo mês, Alexandre Jorge Monteiro de Souza, de 40 anos foi esfaqueado por um segurança de rua ao parar em um posto de combustíveis, em Bonsucesso, na Zona Norte do Rio. Ferido, ele ainda dirigiu até a porta do Hospital Federal de Bonsucesso, onde morreu antes de receber socorro.

No dia 23, um motorista de aplicativo foi abandonado amarrado em uma rua de Maricá, após ser assaltado por homens que se passaram por passageiros. Um criminoso acabou morto e dois presos logo depois pela PM.

No dia 1º de março, um motorista de aplicativo que era mantido refém por bandidos foi libertado por policiais militares do 31º BPM (Recreio dos Bandeirantes) no Recreio, na Zona Oeste da cidade.

No dia 5, Marcos Vinicius Ferreira morreu depois de ser baleado na cabeça, na Estrada Marechal Alencastro, em Anchieta, na Zona Norte do Rio. O tiro foi disparado por um sargento do Exército, durante uma briga entre vizinhos de um condomínio. Marcos Vinícius estava trabalhando e passava pelo local quando foi atingido por uma bala perdida.
Motorista de aplicativo Adriano Fernandes de Lima Arquivo pessoal
Motorista de aplicativo Adriano Fernandes de Lima Arquivo pessoal

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