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'Eles não tinham o direito de tirar a vida de ninguém', diz irmã de morto sobre ação na Maré

Familiar de Guilherme Villar Bastos, 19, afirma que ele foi torturado por PMs. Operação na comunidade terminou com seis mortos

Família afirma que Guilherme Villar Bastos, 19, foi torturado e esfaqueado por PMs
Família afirma que Guilherme Villar Bastos, 19, foi torturado e esfaqueado por PMs -
Rio - A irmã de um homem morto no Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio, nesta sexta-feira (25), afirmou que policiais torturaram e esfaquearam suspeitos durante a operação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core). A ação na comunidade resultou na morte de, pelo menos, seis pessoas, e deixou 40 escolas municipais e uma Clínica da Família fechadas na região. Y. também denunciou que os militares agiram com truculência contra moradores que buscavam informações sobre familiares feridos e manifestantes que fecharam a Avenida Brasil em protesto. 
A cabelereira, que esteve na manhã deste sábado no Instituto Médico Legal (IML), afirmou que estava em sua casa quando foi informada por moradores que Guilherme Villar Bastos, 19, estava sendo torturado por policiais do Bope, junto com outros dois homens, dentro de uma casa na comunidade da Nova Holanda, e seguiu para o local, junto com integrantes da ONG Redes da Maré. Ela contou que ao chegar, o grupo foi recebido a tiros pelos militares, que impediram que ela entrasse no imóvel para ver o irmão. 
"Quando eu estava chegando perto da casa, eles (policiais do Bope) começaram a atirar para cima da gente. Estávamos com pessoas da ONG Redes da Maré, que deram todo o suporte para minha família, ficaram o tempo inteiro comigo tentando passar e eles não deixavam passar. A gente pedindo pelo amor de Deus, que eu só queria ver meu irmão, para saber como meu irmão estava e os meninos que estavam com ele, e eles falando que não ia passar, xingando, foram agressivos com a gente", desabafou.
Segundo a cabeleireira, os outros dois homens morreram ainda na casa, mas imagens ao vivo do jornal 'Balanço Geral' da Record TV teriam mostrado Guilherme ainda com vida em um beco na comunidade. Entretanto, seu irmão não foi mais visto depois disso. "Tem um vídeo que ele estava aparecendo ao vivo no 'Balanço Geral', quando a câmera do helicóptero filmou dentro do beco, deu para ver nitidamente o meu irmão vivo lá, levantando as mãos, e um policial com um saco plástico tentando enfiar na cabeça dele e ele levantando a mão. O Tino Júnior, na mesma hora na reportagem, falou: 'o meliante está vivo', e logo depois cortaram. Dali, o corpo do meu irmão sumiu", lamentou.
Ainda de acordo com a irmã, um PM chegou a dizer que Guilherme não estava morto e que havia sido socorrido para o Hospital Municipal Salgado Filho, no Méier, mas ele não estava no local. Ela chegou a procurar pelo irmão também no Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro, onde também não o achou, inicialmente. O corpo de Guilherme foi encontrado somente no final da tarde de ontem, na mesma unidade de saúde, e segundo a mulher, havia marcas de facadas. 
"Eu tenho certeza que o meu irmão ainda estava vivo, que eles botaram o meu irmão dentro do caveirão que estava dentro da comunidade e torturaram meu irmão dentro daquele carro. Os outros meninos morreram, destruíram o rosto dos meninos. Os moradores que estavam lá do lado (da casa) todos pedindo pelo amor de Deus para liberarem os meninos, os meninos pedindo: "moço, por favor, não me mata", e eles dando facada. Eu vi na foto, meu irmão com marca de faca, não tem como eles abrirem a boca para falar que foi troca de tiros. Se você ganha facada, não foi troca de tiros". 
Por conta das mortes na operação, moradores do Complexo da Maré realizaram uma série de manifestações na Avenida Brasil, onde atearam fogo em pedaços de madeira, colchões, pneus e outros objetos. Segundo a cabeleleira, durante os protestos, os PMs teriam agido com truculência, agredido e dado coronhadas nos manifestantes. 
"Nem todo mundo que mora dentro de comunidade é traficante. Bandido ou não, tem família, a gente é família, estamos aqui, estamos sofrendo. Demorou à beça para o corpo do meu irmão aparecer, só apareceu no final da tarde. Mentiram, falaram que estava em um lugar e depois de andar todas com o meu irmão, largaram o corpo do meu irmão. Tem foto do corpo do meu irmão jogado no chão como se fosse lixo, um objeto jogado", declarou ela, que também lamentou a morte e disse que espera justiça.
"Hoje para mim era para ser um dia de festa, aniversário do meu filho e estou aqui resolvendo as coisas para enterrar o meu irmão mais novo, que só tinha 19 anos, uma vida pela frente. Errado ou certo, eles não tinham o direito de tirar a vida de ninguém. Eu não desejo mal para ninguém, desejo que a justiça seja feita, para a dor que eu estou sentindo hoje, família nenhuma sentir amanhã". 
Além de Guilherme, também estão entre os mortos Renan Souza de Lemos, 24, que, segundo familiares, não tinha envolvimento com o crime organizado e que trabalhava com entregas e como motorista de aplicativo. Ainda não há informações sobre o sepultamento da vítima. Morreu ainda o gerente do tráfico de drogas do Complexo da Maré, Mario Silva Ribeiro Leite, de 38 anos, conhecido como "Mário Bigode".
A Polícia Civil informou que não tem a confirmação da identificação de Guilherme e que, por isso, ainda não há resultado da perícia com a causa da morte. Até o momento, somente Renan e "Mário Bigode" foram identificados entre os mortos. "Dos identificados, dois possuem anotações criminais e um é investigado por envolvimento com o tráfico de drogas. Os agentes que participaram da ação foram ouvidos e tiveram as armas apreendidas para confronto balístico. Diligências estão em andamento para esclarecer todos os fatos", completou a nota. Procurada, a Polícia Militar ainda não se pronunciou sobre as denúncias. 
A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) acionou o Ministério Público (MPRJ) que afirmou, por meio de nota, que o Grupo Temático Temporário (GTT) – Operações Policiais (ADPF 635-STF) respondeu ainda na sexta-feira que "todas a informações relativas às operações policiais mencionadas serão encaminhas aos promotores de investigação penal, que têm a atribuição para apurar as circunstâncias das mortes".
Também na sexta-feira, outros nove suspeitos morreram em operações policiais, sendo seis delas no Morro do Juramento, no bairro de Vicente de Carvalho, na Zona Norte do Rio, e três no Morro do Estado, no município de Niterói, na Região Metropolitana. Neste sábado, o policiamento foi intensificado nas comunidades e no Complexo da Maré. Não há relatos de novos confrontos.