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MV Bill, sobre o racismo: 'Sempre há o negacionismo, ainda que os números gritem o contrário'

Em entrevista ao MEIA HORA, rapper questiona atuação das autoridades para combater a pandemia, principalmente nas favelas

MV Bill usou a criatividade durante o isolamento para escrever
MV Bill usou a criatividade durante o isolamento para escrever -
MV Bill está em casa. A frase repetida pelo rapper nos shows Brasil afora é literal agora. Em isolamento desde março, ele diz alternar dias de abatimento com as notícias da televisão e de muita criatividade - fez live de casa, lançou 'Quarentena', 'Isolamento' e relançou o clipe de 'Vírus', música que, apesar do nome, foi escrita no ano passado. Mas segue fresca, como se fosse feita na semana passada "É bom se acostumar com gente preta em todo o lugar", diz um trecho. Com papo reto e afiado, o filho mais famoso da Cidade de Deus segue em defesa da favela e da negritude.
"A quarentena tem sido muito criativa, mas não são todos os dias que são inspirados. Às vezes dá tristeza também, angústia de olhar o noticiário e ver que a pauta das principais autoridades do país não é a pandemia, nem a quantidade de pessoas pobres que estão ainda mais pobres, mas a política, seus posicionamentos. Estamos vivendo uma pandemia, mas a crise política tira da pauta", opina.
Cria orgulhoso da CDD, o primeiro contato de Bill com um microfone foi no Coroado de Jacarepaguá, escola de samba da área. Ali, defendeu um samba-enredo do pai, que era compositor. Voltou anos depois ao mesmo palco para, aí sim, apresentar seu rap, sempre marcado pela crítica social. Na música 'Quarentena', lançada há um mês, alerta: "Na favela, pra nós a COVID é diferente/As casas não são grandes, e geralmente muita gente/Aglomeração inevitável/Alguns lugares ainda não tem água potável". O clipe foi gravado do seu próprio apartamento, na Zona Oeste, próximo da comunidade em que cresceu.
"Infelizmente, as autoridades que estão pedindo para ir para a rua não são confiáveis. Se testa pouco, os números não são exatos, há subnotificação. Tem muita gente que está ignorando a ciência e acaba achando que está tudo voltando ao normal. Não tem nada normal", afirma. "E olha que estou doido para voltar a fazer o que faço. Mas o meu setor é o primeiro a parar e o último a voltar. Vivemos da aglomeração".
MV Bill - DIVULGAÇÃO
'Sempre há o negacionismo', diz Bill sobre o racismo no Brasil
Os vídeos de MV Bill no Faustão, quando cantou Só Deus Pode Me Julgar - "não tem paquita preta como apresentadora" - e no Altas Horas, quando defendeu as cotas, ainda bombam nas redes sociais, mesmo mais de 10 anos depois. Sinal de que os problemas ainda são parecidos. "No nosso país, a violência policial não é reconhecida como racismo, não é conectada como racismo. Sempre há o negacionismo, ainda que os números gritem o contrário na nossa cara", comenta.
Ele defende os protestos contra o racismo que têm acontecido pelo mundo afora, após o assassinato de George Floyd, asfixiado por um policial nos Estados Unidos. "Então, a gente identifica o problema, mas se o problema não é encarado de frente, ou às vezes encarado nem como um problema, jamais será resolvido. O que estamos fazendo agora é muito importante, mas é um pequeno passo de uma grande caminhada".
MV Bill usou a criatividade durante o isolamento para escrever DIVULGAÇÃO
MV Bill DIVULGAÇÃO
MV Bill Rodrigo de Freitas/DIVULGAÇÃO
MV Bill Rodrigo de Freitas/DIVULGAÇÃO