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Cidinho, da dupla com Doca: 'ninguém nunca andou tranquilamente na favela'

'Queria cantar que mais uma fruta madurou, mas continuo cantando que a violência impera, que o abuso de autoridade permanece', lamenta o funkeiro

Cidinho, à direita, e Doca
Cidinho, à direita, e Doca -
CDD é a abreviação de Cidade de Deus, mas também pode ser de Cidinho e Doca. A dupla, uma das mais famosas da história do funk, é cria da favela de Jacarepaguá, hoje um dos epicentros da pandemia do novo coronavírus entre as comunidades. O sucesso da dupla, Rap da Felicidade, gravado em 1994, ainda é cantado em boates da Zona Sul, aniversários em playgrounds e até casamentos. Mas só quem mora na favela sente o cansaço de clamar todos os dias por viver tranquilamente. Para Cidinho e Doca nada mudou. A luta continua. 
"A pandemia só veio parar piorar o que já estava ruim. Andar tranquilamente na favela onde nasceu, ninguém andava antes da música, ninguém andou durante a música e nem depois. Ainda veio a pandemia e a violência, que aumentou nos últimos tempos", dispara Cidinho. Doca faz coro ao companheiro. "Muitas coisas mudariam se houvesse esse interesse. Eu mesmo tenho uma biblioteca comunitária aqui na CDD e nunca recebi ajuda do governo, mesmo tentando algumas vezes. Parece que o único projeto que chega é o da guerra".
Cidinho e Doca cresceram em uma Cidade de Deus bem menos populosa, sem Internet, sem filme de sucesso (o longa é de 2002) e sem tantas operações policiais - "soltei muitas pipas, joguei bola de gude, rodei pião", lembra Doca. A dupla encontrou no funk um lugar para contar as crônicas da realidade local. "O funk conseguiu ganhar um espaço na década de 1990, mas foi abafado, perseguido e perdeu muita força. O funk poderia gerar muitos empregos e salvar muitas vidas, se não fosse o preconceito que sofre. O pai do funk, o samba, também sofreu. Agora é o filho", analisa.
Cidinho afirma que gostaria de cantar  a simplicidade da favela, mas a realidade está, literalmente, na porta de casa. "O dia que tirarem a violência das nossas portas, a gente vai poder cantar algo diferente. Queríamos cantar que o jardim é lindo, que mais uma flor nasceu, que mais uma fruta madurou no pé. Mas a gente continua cantando que a violência impera, que o abuso de autoridade permanece", dispara Cidinho, agora intitulado o General. "Ganhei o posto de general por ter vencido o crack. E por poder estar hoje cantando para a moçada. Respeito e prestígio não se compram na farmárcia. Nem postura, comportamento e disciplina. Isso se aprende na favela".
Cidinho (esquerda) e Doca no Rock In Rio REPRODUÇÃO INSTAGRAM
Cidinho, à direita, e Doca Felipe Soares / DIVULGAÇÃO

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