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'Já foi o tempo em que o povo preto dependia só de ser artista ou jogador', diz André Ramiro

Cria da Vila Kennedy, na Zona Oeste, Ramiro diz que passar a juventude na favela ensinou que 'a menor distância entre dois pontos é o papo reto'

André Ramiro
André Ramiro -
Ator de filmes de projeção internacional, rapper dos mais importantes da cena carioca, mas, antes de tudo, "cria da Vila Kennedy com muito orgulho e carinho". André Ramiro é daqueles que, sempre que pode, levanta a bandeira de onde foi criado. Por trás do Matias de Tropa de Elite 1 (2007) e 2 (2010), do Celso, de Malhação (2019), ou do MC, está um André orgulhoso das raízes e sempre atento aos problemas locais.
"Sou cria da Vila Kennedy com muito orgulho e carinho. Fui morador da favela da Metral dos meus cinco anos até os 25. Ainda tenho entes queridos que moram lá. É necessário dizer que a Vila Kennedy ainda sofre com os mesmos problemas e descaso por parte do governo. A VK está abandonada!", denuncia Ramiro. "As escolas públicas, a educação e a Vila Olímpica também estão sucateadas a milênios, não há investimento no esporte, no lazer ou em projetos sociais pra incentivarem os jovens a não se renderem e saírem da criminalidade, a não ser de grupos independentes como o MODU e o Voz da Vila Kennedy, que sem apoio tentam fazer a diferença no bairro, agindo coletivamente", dispara o ator, que, como se percebe, é um habitudo ao 'papo reto', lei primeira de toda favela.
"Aprendi vivendo em uma comunidade algo muito importante sobre a lei da física que diz que 'a menor distância entre dois pontos é o papo reto'. Que mais importante que ser humilde é ter humildade na prática. Que sabermos diferenciar as boas das más escolhas no presente são extremamente importantes pra sobrevivermos no futuro", afirma. "Aprendi também que a fé, arte, a cultura e a educação realmente salvam vidas, sou uma prova viva disso".
Vergonha de ser cria de favela? "Vou tentar resumir deixando claro pra quem acha pejorativo o nome 'favela', que favela é o nome de uma linda flor. Que como grande parte das flores tem seus espinhos mas sua beleza é rara e enche o mundo de cor. Acho que isso já diz muita coisa. Pra quem tem tiver dúvida é só pesquisar no Google".

'O jogo está mudando', diz sobre o racismo

Chaga presente em todas as esferas da sociedade, o racismo também é nítido na tela da televisão. Atrizes e atores negros têm poucas oportunidades em papéis de destaque, mas, segundo André Ramiro, "o jogo está mudando a passos largos".
"O estereótipo do preto e favelado em papéis subalternos e criminalizados infelizmente ainda é uma realidade não só nas artes, mas também nessa sociedade estruturalmente homofóbica, machista e racista que vivemos. O jogo está mudando a passos largos, mas estamos nos unindo cada vez mais, não queremos e não vamos mais aceitar sermos inferiorizados e classificados por nossa origem ou cor ao invés de nosso caráter. Igualdade de direitos e oportunidades a todos e todas é o X da questão. Já foi o tempo em que o povo preto dependia só de ser artista ou jogador de futebol pra ganhar acensão. Somos muito mais que isso e temos o direito de ocuparmos as esferas sociais exercendo nosso poder de decisão e nosso protagonismo, onde defendemos nossa cultura e nossa narrativa através de nossa própria história. Não é pelo ter, mais sim pelo ser", destaca o ator.
André Ramiro JULIA GAMA/DIVULGAÇÃO
André Ramiro JULIA GAMA / DIVULGAÇÃO
André Ramiro JULIA GAMA / DIVULGAÇÃO