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Brecha da ação que barrou operações permite que estado deboche do STF

Artigo de Renata Trajano, moradora do Complexo do Alemão, defensora de Direitos Humanos e integrante do Coletivo Papo Reto

Renata Trajano, moradora do Complexo do Alemão, defensora de Direitos Humanos e integrante do Coletivo Papo Reto
Renata Trajano, moradora do Complexo do Alemão, defensora de Direitos Humanos e integrante do Coletivo Papo Reto -
Os dias têm sido maus. Ontem fazia um dia que eu havia enterrado meu irmão e, como válvula de escape, fui ao ato. Muita gente me julgou por isso. Não se sabe que na favela transformamos nosso luto em luta todos os dias, todas as horas. Tive acolhimento, tive amor entre as minhas e os meus.
Já sabemos que subiu pra 28 os números no Jacarezinho e ainda temos alguns desaparecidos. Já se sabe que muitos se renderam e foram executados. Ontem eu tinha uma sensação de impotência em ir às ruas, mais uma vez, para gritar “parem de nos matar”.
Eu falo com a propriedade de quem participou da Audiência Pública da ADPF 635. Eu não estava brincando quando disse ao ministro daquela mais alta corte que nem ele e nem outro qualquer ministro/a sabe o que passamos. Nossas dores e nossos ombros têm o peso de carregar nossos mortos. Eles nunca terão suas portas arrombadas.
Não sei se o ministro Edson Fachin entendeu o que falamos em dois dias de audiência, porque o estado segue nos matando, seja por ter antecedente criminal, seja apenas por sermos favelados. Ministro, uma mãezinha de 81 anos não conseguiu reconhecer seu filho porque ele teve seu rosto desfigurado por facadas, e sabe como vão sepultá-lo? Com uma foto no vidro do caixão, para que ela não saiba como se encontra seu filhinho. Não quero julgar ninguém e nem devo tenho telhado de vidro.
Sabe, ministro, estou sendo atacada em minhas redes, chamada de "vagabunda, piranha de traficante, marmita de bandido” e, pior, sendo ameaçada por quem diz que sabe quem sou eu. Eu sou uma mulher preta, sou Renata Trajano co-fundadora do Coletivo Papo Reto.
O que é inadmissível é o silêncio do Ministério Público desse estado, que ontem não tinha sequer um representante no ato. Sabe, ministro, as brechas da ADPF 635 permitem que o estado, em coletiva de imprensa, deboche da mais alta corte desse país. Parece uma nação sem governo, sem leis. Lei aqui só funciona pra nós.
Sabe, ministro Edson Fachin, meu irmão, meu Mano Velho, morreu de Covid-19, porque quem governa essa nação não compra vacina para vacinar seu povo. Não temos líder nesse país chamado Brasil. Me dói tanto ter que estar a essa hora escrevendo um desabafo, para ter paz comigo mesma. Serão 28 mães sofrendo, várias vezes na favela é assim. Morte, várias vezes. Até que possamos enterrar os nossos. Nosso território é sempre manchado por sangue preto.
Daqui a pouco o Estado esquece a corte maior deste país também. E nós seguimos juntando os cacos. Chacina na Baixada, na periferia, nas favelas —parece que já nos acostumamos a ser alvo. Que tristeza!
O artigo é de responsabilidade do autor

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