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'Que os policiais parem de nos matar', afirma avó de Kathlen

Dona Sayonara conta à coluna do PerifaConnection sobre o drama após a morte da neta, que estava grávida, atingida por tiro de fuzil

A tia, Kathlen, a avó Sayonara e a mãe: sonhos se vão, fica a saudade
A tia, Kathlen, a avó Sayonara e a mãe: sonhos se vão, fica a saudade -
No início deste mês, a designer de interiores Kathlen Romeu foi atingida por um tiro de fuzil durante uma ação policial na comunidade do Lins de Vasconcelos, na Zona Norte do Rio. Grávida de pouco mais de três meses, a jovem estava ao lado da avó Sayonara de Fátima (61) quando perdeu a vida junto com o bebê. Em entrevista por telefone, dona Sayonara contou à coluna do PerifaConnection sobre o crime e como tem sido conviver com esta realidade desde então.

Como está a sua saúde?

Sayonara - Em primeiro lugar, eu entrei num furacão. Não consigo dormir e não me alimento. Quando como alguma coisa, acabo colocando para fora. Tenho que ficar tomando remédio. Não tem esse negócio de que vai melhorar. Cada dia está sendo pior. Eu estou tendo crise de choro. A gente era muito agarrada. Eu não sei como estou de pé, pois sempre me comovi vendo as histórias dos outros. Sempre falei que se isso acontecesse comigo, eu iria morrer junto.

A senhora já passou por algum episódio de violência na região?

Sayonara - Já teve operação (policial) que entraram na minha casa para revistarem. Nessas situações, eu precisava avisar para meus filhos, quando estavam chegando do trabalho, para ficarem na casa dos outros. Quem mora em comunidade vive preocupada com os filhos.

A Kathlen havia deixado a comunidade. Como isso aconteceu?

Sayonara - A minha neta estava morando com o Marcelo, marido dela e pai do bebê, por conta da pandemia e de um defeito no notebook que ela usava. Com a gravidez, eles resolveram se mudar para facilitar a vida dela e evitar esses problemas de subir (o morro).

Após se mudar, ela chegou a visitar a comunidade?

Sayonara - Não porque aqui ficou tendo operações direto. Em certas ocasiões, as pessoas, que chegavam do trabalho, tinham que ficar duas horas na rua para poder entrar em casa com segurança. Tiros sempre em horário de escola e de saída do trabalho. A região onde moro nunca foi tão ruim, mas nos últimos meses deu para escutar muitos tiros.

Como foi a última visita dela em sua casa?

Sayonara - Por conta da pandemia, ela ficava em casa e queria me ver, mas eu avisava que aqui (o Lins) estava perigoso. Mas aí ficou calmo, ela veio para fazer os desenhos do salão de beleza que a tia está abrindo. No dia, a Kathlen me ligou perguntando se eu iria sair de casa e subiu para ficar comigo. Ela chegou aqui e batemos papo. A minha neta chegou a beliscar a carne que eu estava fazendo, pois sentia falta da minha comida. Ficamos umas duas horas, e eu ainda falei pra ela: ‘Almoça e fica deitada’. Mas ela disse que precisava passar na tia. Foi desse jeito… (suspiro).

A polícia alega que não disparou contra a sua neta. Como a senhora estava no momento, o que tem a dizer sobre isso?

Sayonara - Eu desci com ela e vi que a rua estava tranquila. Eu creio que o primeiro tiro foi o que a acertou, pois quando começou o barulho pensei que ela tivesse se jogado no chão. Ainda me joguei em cima dela e falei: ‘Filha, vira para cima por causa do neném’. Nessa hora percebi que ela estava baleada. Quando me levantei, gritando que eu estava com a minha neta baleada, eu só vi polícia. Um deles deu entrevista e disse que viu uma mulher caída. Não, ele não viu uma mulher caída. Eu levantei para gritar por socorro. Quando entrei no carro com ela (para ir ao hospital) mantive a esperança, mas minha neta já estava morta quando saiu daqui.

O que a senhora tem a dizer para os policiais do Rio?

Sayonara - Que façam um trabalho digno e que parem de matar e humilhar os moradores, principalmente os rapazes. Esses rapazes praticamente não têm direito à vida, sabe? Que os policiais façam um trabalho respeitoso. Não vim na bagunça. O que aconteceu aqui foi uma bagunça. O Major Braz falou que não tinha operação. Então era um carnaval? Vamos brincar de dar tiro? O que é isso? É muito humilhante.
Por Marcos Furtado, jornalista e integrante do PerifaConnection

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