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Buchecha fala sobre novo EP e lembra dificuldades superadas: 'Tentei passar por cima das coronhadas que levei'

Cantor abre jogo sobre vivência na comunidade Coronel Leôncio e no Complexo do Salgueiro, avalia mudanças no funk e fala sobre novos projetos na carreira

Buchecha planeja transformar o EP
Buchecha planeja transformar o EP "Canto de Paz" em um DVD -
"Emociona Coronel e o Salgueiro." Esse pequeno trecho da música "Rap da União" diz muito sobre Claucirlei Jovêncio de Souza, mais conhecido pelo seu apelido: Buchecha. Nascido na Favela Coronel Leôncio, em Niterói, onde morou até os 7 anos, o cantor também possui uma forte relação com o Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. Foi justamente lá que ele deu seus primeiros passos na música ao lado de seu amigo Claudinho, formando uma dupla que viria a conquistar uma legião de fãs por todo o Brasil. Hoje, aos 46 anos, o artista relembra a sua trajetória, e dá detalhes em primeira mão sobre seu próximo EP, intitulado "Canto de Paz", nome da faixa que lançou recentemente.

Com muito carinho, Buchecha falou sobre suas raízes na favela, lembrando como foi o seu primeiro contato profissional com a música.

"Como todo mundo que nasce em comunidade, elas criam raízes muito fortes em nossos corações. Falando sobre música, iniciei profissionalmente em um festival de rap em 1992, representando a comunidade do Salgueiro, mas antes fazia músicas na Coronel Leôncio, onde nasci. Tenho um carinho muito grande pelas duas comunidades."

Sobre a experiência de crescer na favela, o cantor citou algumas dificuldades, incluindo a falta de apoio do governo. Buchecha explicou que foi através da música que ele enxergou uma oportunidade para mudar de vida.

"Realmente não é fácil morar em favelas e morros, principalmente por causa das ausências diversas do governo, das instituições, da atuação mais acolhedora e auxiliadora do estado, mas temos que tentar fazer algo pra mudar de vida. Eu trabalhei muito, estudei até onde pude e acreditei que um dia tudo poderia melhorar, e melhorou graças a Deus."
Buchecha tem forte relação com a favela Coronel Leôncio e com o Complexo do Salgueiro - Divulgação
Homem preto e de favela, para conseguir vencer na vida Buchecha ainda teve que enfrentar o preconceito e a discriminação por conta da sua cor de pele e origem humilde.

"Infelizmente, já enfrentei muitas vezes. Sempre tentei passar por cima das lembranças das coronhadas que levei, dos tapas na cara quando era garoto. E eu só queria ficar na rua conversando até mais tarde. Ainda hoje procuro agir assim, ignorando dores para alcançar minhas maiores metas, porque aprendi que 'soldado ferido não está apto para guerra'", contou.

O cantor também falou sobre os impactos que a vivência na favela trouxe para o seu modo de fazer arte.

"A própria vivência na favela traz muito conhecimento de causa e a dor na pele gera sensibilidade por buscas. Por isso escolhi cantar o amor, foi uma escolha em dupla. Eu e Claudinho assimilamos as energias positivas e fizemos disso uma decisão maior para transformar tudo. Vencemos nossos medos e calamos ódio com amor."

Apesar de ter explodido na música através do funk, Buchecha tem referências de diversos gêneros.

"São tantas! Mas posso citar algumas como Lulu Santos, Martinho da Vila, Michael Jackson, Jorge Aragão, Jovelina Pérola Negra, Zeca Pagodinho, Belchior, Tim Maia, Djavan, Joana, Baby Consuelo, Pepeu Gomes , Fundo de Quintal, Jerry Adriane e vários outros."

O que pouca gente sabe sobre o cantor é que, antes de fazer sucesso no funk, Buchecha fez parte de um grupo de pagode.

"Fiz parte do grupo "Raio de luz", conjunto formado por irmãos e primos e eu era o único de fora. Não era nada profissional, tocávamos apenas na comunidade e adjacências. Quero deixar um abraço pro Jorginho, Ley, Zizinho, PC e todos os meninos do grupo. É uma fase muito bacana de se lembrar."

Pioneiro no movimento do funk junto com Claudinho, Buchecha também falou sobre as barreiras que o gênero teve que quebrar na década de 90.

"O funk ainda era muito marginalizado e regional, mas a gente queria provar que poderia ser muito mais, bastava chegar aos ouvidos da sociedade como um todo para constatarem que de fato o funk é uma cultura acessível e maravilhosa. Além disso, transforma vidas e muda as realidades sociais, como mudou a nossa e a de tantos outros artistas."
Claudinho e Buchecha colecionaram hits e conquistaram uma legião de fãs no Brasil - Foto: Instagram/@buchecha
Tendo acompanhado de perto a evolução do gênero, Buchecha também citou as principais diferenças do funk de hoje em dia com o da época em ele começou.

"Hoje o funk é mais atuante no mercado, ou seja, os artistas estão mais inseridos nos grandes palcos e ligados às modernidades. A internet permitiu que novos talentos sejam descobertos e cantem suas verdades. Na nossa época havia mais preconceito e menos espaço para a gente divulgar nosso trabalho, mas graças a Deus deu tudo certo."

Apesar de todas as mudanças, Buchecha acredita que a veia crítica do gênero ainda é uma característica marcante.

"Há muitos artistas que estão cantando a realidade das favelas. Ainda assim, acredito que há outras possibilidades de fala, onde o artista pode se posicionar livremente nas redes sociais, por exemplo."

Falando em características, falar de favela é algo que sempre esteve presente nas músicas de Buchecha, como nos sucessos "Nosso Sonho" e "Rap do Salgueiro''. O cantor contou de onde surgiu a ideia de ressaltar as comunidades.

"Essa vibe é até um pouco corriqueira nas minhas letras e no próprio movimento funk dos anos 80 e 90, mas eu absorvi isso das músicas do mestre Bezerra da Silva, que sempre cantou o nome das comunidades em seus sambas de raiz, especificamente na letra da canção 'Saudação as Favelas'. Viva o mestre Bezerra, grande homem", celebrou ele.
Buchecha lançou a faixa "Canto de Paz", e prepara o lançamento de um EP com o mesmo nome - Divulgação
Através da música, outra mensagem forte que Buchecha sempre tentou passar ao lado de Claudinho é o pedido por paz nas comunidades, grande marca na obra da dupla. No começo do mês, o cantor reforçou esse pedido com o single "Canto de Paz". O artista abriu o coração e falou sobre o sentimento de ver que depois de tanto tempo a violência ainda se faz presente nas favelas do Brasil.

"Dura realidade que parece que nunca tem fim, mas de modo em geral temos vivido tempos difíceis com guerras, pandemia, falta de empatia e de respeito, mas temos que acreditar até o fim que um dia tudo pode mudar. E como diz o mestre Martinho: “canta forte, canta alto, que a vida vai melhorar! Tô cantando porque ainda acredito."

Sobre a faixa lançada recentemente, Buchecha falou sobre a ideia de explorar o rap, um dos gêneros que mais cresce no Brasil. O cantor contou ainda, que lançará em breve um novo EP, intitulado justamente como "Canto de Paz".

"Essa ideia surgiu quando o Mc Menor me convidou pra fazer um feat com ele, e então conheci diversos sons de funk e rap de São Paulo. Ele me apresentou ao DJ Hunter, que me mostrou esse Beat, depois fiz a letra, ele curtiu e resolvemos gravar um EP de funks conscientes. Foi tudo muito rápido e rolou muita liga entre a gente", explicou. Veja o clipe:
'Quero isso pra toda minha vida'
Com 30 anos de estrada, Buchecha colecionou hits ao lado de Claudinho, que morreu num acidente de carro em julho de 2002, e também em carreira solo. Tendo viajado o mundo, o cantor falou sobre o que ainda o motiva a continuar cantando, e confessa que pensou em "sossegar", mas não conseguiu.

"Achei que queria parar de viajar, ficar mais sossegado com a família, mas com a pandemia comecei a ficar mal dentro de casa, com saudade do público, do palco, das zoeiras, de cantar e dançar com as pessoas, então foi aí que entendi que não dá pra parar de cantar. É impossível parar uma vez que você ama o que faz. A partir desse tempo, pude imaginar um pouco o porquê do Rei Roberto Carlos ainda estar cantando, Djavan, Sandra de Sá, Ivo Meirelles, Jorge Aragão e até pouco tempo a querida Elza Soares, que cantou até o fim. A música está no nosso sangue, agora eu sei, e quero isso pra toda minha vida", disse ele.
Por fim, Buchecha falou sobre seus próximos projetos, contando em primeira mão que pretende transformar seu novo EP em DVD.

"Além deste EP, pretendo transformá-lo num DVD e quem sabe até lá o filme da dupla já possa estar nas telonas de todo o Brasil. Daí talvez eu consiga conciliar a agenda de shows e rodar nas salas de cinema para agradecer ao público pessoalmente por todo o carinho que sempre tiveram por nós."
 
Buchecha planeja transformar o EP "Canto de Paz" em um DVD Divulgação
Buchecha lançou a faixa "Canto de Paz", e prepara o lançamento de um EP com o mesmo nome fotos Divulgação
Buchecha tem forte relação com a favela Coronel Leôncio e com o Complexo do Salgueiro Divulgação
Claudinho e Buchecha colecionaram hits e conquistaram uma legião de fãs no Brasil reprodução instagram
Buchecha gravou o clipe de "Canto de Paz" em Jardim Maravilha Divulgação

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