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Plantando a melhoria, Ademar Lucas faz do skate uma ferramenta de transformação: 'Não podemos perder a fé na humanidade'

Cria do Morro Santo Amaro, skatista ajuda mais de 100 crianças através do Instituto Ademafia

O Instituto Ademafia atende cerca de 100 crianças na idade entre 4 e 17 anos
O Instituto Ademafia atende cerca de 100 crianças na idade entre 4 e 17 anos -
O skate muda vidas, e mudou a de Ademar Lucas do Nascimento. Filho de nordestinos, "Luquinhas", de 30 anos, logo cedo percebeu o poder de transformação do esporte, e hoje planta a melhoria no Morro Santo Amaro, na Zona Sul do Rio, local onde é nascido e criado. Fundador do Instituto Ademafia, o ativista social, empreendedor e skatista, contou um pouco da sua história ao MEIA HORA, abrindo o coração e falando de onde surgiu a vontade de fazer o bem.

"Sou cria do S.A, e com orgulho. Tive uma infância “normal” pra quem nasce e cresce na favela. Durante o dia eu estudava, à tarde eu brincava na rua (escondido da minha mãe, claro) e a noite tinha que ficar em casa, pois naquela época, era o horário que às vezes a polícia entrava e as coisas saíam completamente do controle", lembrou ele.

Ainda sobre a sua vivência no Santo Amaro, Luquinhas relatou as principais dificuldades que enfrentou por morar em uma comunidade.

"Com certeza a acessibilidade. Como aqui é morro, tudo que tinha que chegar, como compras, material de construção e até mesmo quando alguém passava mal, o único caminho era através de uma escadaria de uns 200 degraus. Isso entra no triste “combo favela”, que inclui falta de água, luz, saneamento básico, muito lixo e principalmente a violência. Essa sim deixa cicatrizes profundas e marcam nas nossas almas até os dias de hoje."
Ademar Lucas, o 'Luquinhas', também é o criador do Baile do Ademar - Divulgação
Crescer na favela também impactou diretamente o modo como Ademar vê o mundo, moldando a sua forma de agir e pensar.

"Crescer na favela me fez “sagaz”. Principalmente aos olhos de muitos amigos que vivem em diferentes condições sociais e até outras cidades, pois o Rio de Janeiro é um lugar extremamente violento. A gente precisa viver o tempo todo atento e aprender a identificar e prever situações que colocam nossas vidas em risco. Isso infelizmente é um fato e na favela mais ainda. E isso, de certa forma, acabou me proporcionando uma leitura mais rápida em certas situações que não estão muito favoráveis", contou ele, fazendo questão de ressaltar que apesar das dificuldades, também absorveu diversas coisas positivas vivendo na comunidade.

"Tem muita coisa boa, principalmente as lições, que parecem simples, tipo “respeitar para ser respeitado” ou “saber chegar e saber sair”, mas que absorvi e apliquei na vida, o que me geraram muitas oportunidades. Viver na favela é uma arte. Aqui o espaço físico é muito limitado e disputado, o que praticamente nos obriga a buscar soluções, de certa forma, “diplomáticas” para conflitos em gerais, a aprender a conviver com as diferenças e principalmente a pensar coletivamente soluções para problemas em comum, que afetam a comunidade como um todo. Esse tipo de vivência só no morro, os condomínios não falam sobre isso."

Foi ainda na infância que Ademar Lucas conheceu o esporte que mudaria a sua vida para sempre. O skatista relembrou como tudo aconteceu.

"Eu tinha entre 10 e 11 anos quando, durante um passeio com meus pais, vi uns vizinhos andando de skate na frente do Palácio do Catete. Quando eu os reconheci me deu muita vontade de tá junto ali com eles, mesmo sem entender direito o que tava acontecendo ou o que realmente era, eu tive a impressão que todos estavam se divertindo. Um pouco depois, pisei pela primeira vez no skate e logo de cara vi o que realmente era. Depois disso, ninguém mais conseguiu me tirar. Meu relacionamento com o skate foi pique filme romântico de Hollywood. Foi amor à primeira vista."

Com uma origem parecida com a de muitos moradores do Rio, Ademar é filho de nordestinos. O ativista falou sobre o impacto que isso teve em sua vida e principalmente no seu caráter.

"A referência que eu tenho de correria e honestidade vieram deles. Como muitos, eles vieram pro Rio com uma mão na frente e outra atrás. Construíram nossa casa, criaram os 6 filhos e vários netos de forma digna e sem precisar atrasar a vida de ninguém. São esses os valores que carrego com orgulho e faço questão de, através das minhas atitudes e iniciativas, perpetuar."

Luquinhas também opinou sobre as dificuldades de se viver através do esporte no Brasil, dando o seu ponto de vista sobre as razões por trás disso.

"Na real, o esporte, a cultura e o que mais for positivo pro nosso desenvolvimento como sociedade, como educação e saúde são propositalmente negados ou sucateados, essa é a triste realidade. Muito pior pra quem vive na periferia e tem ainda menos acesso", disse ele.

Ademar também contou que seu irmão foi o primeiro de sua família a andar de skate, mas diferentemente dele, não seguiu carreira profissional.

"O skate na minha família não foi introduzido por mim. Minha mãe trabalhava na casa de uma moça e ela deu um pro meu irmão Aldemir, que é 13 anos mais velho. Para ele, o skate não passou de um brinquedo.
No meu caso, quando eu tinha por volta de 1 ano de skate, um rapaz que tinha uma loja de skate no Catete chamado Duca me viu andar com meus amigos e percebeu no meu rolé um diferencial. Ele tinha sido surfista profissional e lá atrás teve o incentivo de uma pessoa e fez o mesmo comigo. Ele apresentou aos meu pais o skate de uma forma mais profissional, começou a me patrocinar e me levou para competições, essa ajuda foi fundamental pra minha evolução."
Ademar Lucas vai gravar uma série da Ademafia com o Canal Off - Divulgação
Assim como foi ajudado quando começou no esporte, Ademar Lucas decidiu que fazer o bem seria a sua missão de vida. Em seu Instagram, a frase: "A procura da melhoria perfeita", é um exemplo claro da sua crença de que fazer o bem é a melhor forma de mudar o mundo. O skatista relatou como surgiu essa vontade.

"Foi a partir das minhas próprias experiências de vida, do amor que tive dentro da minha casa, das muitas pessoas que considero anjos, que mesmo sem ter algum vínculo de sangue, em momentos chave da minha vida foram essenciais, me incentivando e mostrando outras possibilidades, me fazendo acreditar, que mesmo com o mundo não sendo um lugar justo como deveria, não podemos perder a fé na humanidade e dar o nosso melhor, pela gente e pelos nossos."

Luquinhas também contou como surgiu a ideia de criar o Instituto Ademafia, instituição voltada para crianças e adolescentes, em um projeto que leva esporte, cultura e lazer às crianças da comunidade Santo Amaro, que hoje atende cerca de 100 crianças na idade entre 4 e 17 anos.

"O Instituto Ademafia é a formalização do braço social que o coletivo Ademafia desenvolve como pilar de sua existência, assim como o skate, a música, a arte e a moda. O que começou em 2014 com a ideia de dar visibilidade para projetos e iniciativas que fortaleciam nossa galera e valorizava a nossa cultura. Hoje, através do trabalho do instituto, nós difundimos a cultura do skate na nossa comunidade, dando aulas de skate para mais de 100 crianças e promovendo atividades socioculturais, mostrando na prática o poder mágico de transformação e inclusão que é esse brinquedo chamado skate", contou ele, que realizou uma ação de Páscoa no último dia 14.
O Instituto Ademafia realizou uma ação de Páscoa - Divulgação
Lucas falou sobre a importância de dar oportunidades para outras crianças que, assim como ele, também cresceram no Santo Amaro.

"Essa foi a forma que eu encontrei para agradecer o que a minha família, a minha comunidade, o skate, o hip-hop e a arte me proporcionaram. Com essa estrutura e oportunidades me trouxeram até aqui e me possibilitaram tal visão de mundo. É extremamente gratificante perceber a evolução e mudança de todos ao nosso redor, graças às experiências e ideias postas em prática por nós, especialmente as crianças, nossos futuros agentes de transformação e quem vai poder dizer o que o poder da coletividade é capaz."

Além de skatista, ativista social, Luquinhas também é produtor cultural e o criador do Baile do Ademar, evento que nasceu no morro e hoje roda o Brasil.

"Eu juntei a galera do skate, da escola e aqui do morro na minha festa de 18 anos que fiz no Santo Amaro em 2009. De lá, o Baile desceu pro asfalto, começou a ocupar praças e pistas de skate da cidade, graças a visibilidade do nosso canal de YouTube, não deu muito tempo e nossa festa já estava viajando os quatro cantos do país."

Apesar de ter viajado o mundo por conta do skate, conhecendo vários países e culturas, Ademar não tem vontade de sair do Santo Amaro. O skatista explicou os motivos que o fazem não querer se afastar de suas raízes.

"Principalmente pela minha família, não aguentaria ficar tão longe e por muito tempo de quem eu amo. Porém, não é fácil às vezes conseguir oportunidades na nossa áreas de origens, muitas vezes somos obrigados a buscar oportunidades fora da nossa zona de conforto. Mas a vida é assim, acaba te levando para onde a gente tem que estar. Tô feliz demais de estar de volta e ter contato com a minha essência.

Por fim, Ademar Lucas abriu o jogo e contou as novidades que vêm por aí, incluindo uma série no Canal Off.

“'Ademafia é babu', já dizia meu parceirinho Douglas “Mafinha”. No corre do audiovisual estamos gravando uma série da Ademafia com o Canal Off chamada “Faz Teu Corre''. Nosso irmão Ronaldo Land que está produzindo junto com amigos e família. Serão 8 episódios, gerando melhorias em picos e projetos pelo Rio, com um episódio de especial no Santo Amaro. Aqui na área, além do Instituto, estamos com um espaço cultural chamado “Laje Vegas” e um delivery de comida japonesa chamado Melhoria Sushi. Pro corre não parar, empreender se tornou extremamente necessário, por isso, além de promover melhorias também estamos no corre das notas", concluiu
O Instituto Ademafia leva esporte, cultura e lazer para as crianças da comunidade Santo Amaro - Divulgação
Sobre o Instituto Ademafia

O Instituto Ademafia é uma instituição voltada para crianças e adolescentes, em um projeto que leva esporte, cultura e lazer para as crianças da comunidade Santo Amaro, tendo como principal atividade esportiva as aulas de skate. Nossa equipe técnica conta com o apoio de uma assistente social, psicóloga e outros profissionais no acompanhamento dos alunos.

Além disso, também coincidindo com ações sociais e oficinas variadas e muito significativas, enriquecendo o conhecimento das nossas crianças e adolescentes matriculadas e atendidas pela nossa instituição.

Hoje atendemos cerca de 100 crianças na idade entre 4 e 17 anos, todas matriculadas em escolas públicas com renda familiar muito abaixo do mínimo que se possa ter e viver dignamente nos dias de hoje.

Somos um projeto independente, sem fins lucrativos e sem qualquer tipo de apoio ou patrocínio, contamos com ajuda de voluntários, apoiadores, doações e campanhas para que possamos executar nosso projeto e dar continuidade ao trabalho que hoje é feito no instituto atendendo nossa demanda diária e claro trazendo novos conhecimentos e oportunidades para as crianças e adolescentes com maior índice de vulnerabilidade.
Toda verba arrecadada em campanhas e doações é voltada para o projeto que é feito no instituto Tropinha do S.A. nome do nosso projeto de skate, pagar o aluguel da nossa sede, lanches para atender as crianças nas aulas e oficinas, transportes para passeios e aulas externas quando necessário, comemorações nas datas especiais, remédios, cestas básicas em uma eventual necessidade para aluno(a) ou morador da comunidade, etc.

Quer ajudar o Ademafia? Faça sua doação através do pix - CNPJ: 40.190.215/0001-37

Conheça o projeto através do Instagram @instituto.ademafia
O Instituto Ademafia atende cerca de 100 crianças na idade entre 4 e 17 anos Divulgação
Ademar Lucas, o 'Luquinhas', também é o criador do Baile do Ademar Divulgação
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Ademar Lucas arrecada cestas básicas para as famílias carentes da comunidade Divulgação
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Ademar Lucas começou a andar de skate com 11 anos Divulgação
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