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MV Bill mergulha no rap noventista em seu novo EP 'Dr. Drill'

Décimo terceiro álbum do rapper mescla a essência de um artista clássico com o entusiasmo da nova geração dessa vertente musical

MV Bill 
está lançando o álbum
MV Bill está lançando o álbum "DR.Drill" -
Rio - Criado na Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio, MV Bill transformou sua vivência em música e construiu uma trajetória consolidada no rap nacional. O artista de 48 anos não abre mão de sua essência, mas também não dispensa o aprendizado vindo das novas gerações do rap. Em entrevista ao MEIA HORA, MV Bill conta detalhes de seu 13° álbum, intitulado "Dr. Drill", fala sobre o mergulho em uma nova vertente do rap e a troca de vivências com os artistas da nova geração que integram as faixas do projeto. 
Como foi o processo de criação de "Dr. Drill"? 
Foi bem parecido com os outros, de uma forma bem solitária. Apesar das participações, o conceito, na maioria das vezes, sempre penso sozinho. Depois eu vou reunindo o time de produtores e aí por último eu deixo as participações que eu acho que mais se identificam com o projeto. Foi mais ou menos nesse caminho.
Esse processo solitário é um costume na criação de novos projetos?

O início sim. A ideia embrionária sempre parte de mim, mas nesse disco tem participação do Froid, do Major RD, do Rashid...e eles escreveram as suas partes, então é um trabalho que começa a partir de mim e depois ele vai ganhando parcerias. Ele vira um trabalho coletivo.
Você é referência para muitas pessoas. Como foi trabalhar com artistas dessa nova geração e a troca de experiência com eles?
Talvez eu seja o artista da minha geração ou dos mais antigos que mais interage com a juventude. Isso fica claro nesse disco, mas também em outros trabalhos recentes meus. Eu também participo do trabalho de outras pessoas. Eu tenho o entendimento de que é um outro momento, que eles vieram de uma realidade um pouco diferente da minha. As periferias e favelas mudaram bastante, e muitos desses jovens que estão no rap hoje sequer moraram ou são oriundos de favelas. As letras começam a falar de outros assuntos, mas acho que tem muita coisa para aprender com a juventude e eu tento fazer isso em cada encontro que eu tenho. Cada oportunidade de estar junto deles, eu sempre penso que pode ser uma via de mão dupla. Eu trago meu conhecimento, mas aprendo com as coisas que eles trazem. Em "Aulas e Palestras", nós juntamos três gerações - o Major Rd na casa dos 20 anos, o Rashid na casa dos 30 e eu na casa dos 40 - só que sou eu mais velho chamando duas pessoas mais novas para fazer um som mais atual. Eu me sinto privilegiado de ter esse diálogo com os mais jovens.
Depois de tantos anos de carreira, você ainda busca referências em outros artistas?

Eu já tive muitas referências para fazer minhas músicas, principalmente, no início. Me espelhava em muitas coisas, mas depois de muito tempo, muitos discos e muitas composições você começa a ser sua própria referência. Você começa a fazer tudo a partir de você mesmo. Eu admiro o Gabriel O Pensador, Racionais MC's, o falecido Sabotage...mas aprendi a criar a partir de mim. Não tem mais essa referência de criação de outras pessoas. Até na hora de fazer o "Drill", tem vários artistas que eu gosto e fazem drill, mas a referência tem que ser eu mesmo. Eu quero fazer do meu jeito, com a minha cara e com os meus assuntos.
Como a troca com jovens de realidades tão diferentes, que muitas vezes não conhecem a realidade da classe menos favorecida, impacta na sua vivência e no seu trabalho?
Ainda têm muitos problemas nas periferias. O que não falta lá é problema, mas também apareceram muitas soluções dentro desse meio tempo. Ainda tem jovem que infelizmente vê a criminalidade como meio de ascensão, mas vários outros descobriram que fazer parte de um projeto social é muito mais legal. A gente tem uma realidade diferenciada e acho que é importante ter esse olhar e eu tento enxergar isso e trazer para a minha música. Por mais que eu seja conhecido por canções como "Soldado do Morro" e "Só Deus Pode Me Julgar", que são mais críticas e políticas, a realidade sendo modificada me dá espaço para fazer músicas que trazem mais entretenimento.
Seu novo EP mergulha no Drill, uma vertente mais sombria do rap. De onde veio a conexão com esse gênero musical?

Eu sou conhecido por fazer o rap clássico, chamado Boom bap, mas desde o início da minha carreira eu sempre fiz encontros transvertentes. Às vezes chamam de subgênero, mas eu não gosto de usar esse termo. Prefiro chamar de vertente as outras correntes que o rap traz. Eu me relacionei durante um tempo, no início dos anos 2000, com a célula chamada grime, que é muito presente na cena londrina. E o drill é como se fosse uma evolução do grime. Quando eu vi que o drill estava virando uma febre nas periferias do mundo e que dialogava com o grime, percebi que teria um pouco mais de facilidade porque eu já fiz música assim. A música com o Chorão, "Cidadão Comum Refém", de 2002, tem um pouco dessa levada. Eu sei que tem uma cena forte no Brasil e algumas pessoas fazendo aqui. Big Bllakk, Leall...tem uma galera fazendo um som de drill e bem feito. Eu estou trazendo a minha versão, o meu jeito e minha forma de fazer. Mesmo tendo uma característica musical do drill, ainda assim eu trago uma coisa da minha essência.
Quais os próximos passos após o lançamento do EP?
Depois de colocar na rua, tem o trabalho de divulgação e fazer as pessoas descobrirem. Eu até trago na capa a questão de driblar os algoritmos que é a nossa grande dificuldade no momento: ser artista independente e fazer com que as pessoas tenham conhecimento do que estamos fazendo, que mais pessoas tenham acesso ao trabalho e isso não é uma coisa fácil. É um trabalho de formiguinha. Antes da pandemia, eu já tinha proximidade grande com os internautas, sempre fui acessível para trocar ideia e isso criou um público cativo para o meu trabalho. Eu percebi que é importante lançar as músicas, mas trazer junto o projeto audiovisual. Todas as músicas desse EP ganharam videoclipes que vamos soltando aos poucos.
Você é um artista de carreira consolidada. Seu foco agora é em construir projetos diversificados?
No meu caso, eu acho muito bom pode trocar com o público e estar em uma fase de carreira e de vida em que posso testar coisas, mas sem nenhum tipo de obrigação, compromisso com o sucesso ou com o estouro. Isso é só da minha mente e da minha impulsividade de artista de querer criar coisas novas e às vezes criar coisas clássicas. Que eu sei o que dará certo, o que a galera gosta e espera, mas gosto de fazer o que ninguém está esperando. Esse disco de drill ninguém estava imaginando e está sendo super bem recebido pelas páginas e artistas do gênero. Tem drill e trap no mesmo disco. Poder fazer esses experimentos e ainda assim ter vários acertos é sensacional.
Existe um debate sobre produção de músicas virais para as redes sociais. Como você enxerga essa padronização?

O TikTok é uma rede que fez alguns músicos criarem canções especificas para aquela plataforma. Deu certo para alguns artistas. No meu caso, a preocupação é não ficar refém de alguma demanda, de rede social ou algum tipo de público. Eu não tenho amarras e percebo que as músicas feitas para uma rede social ou para virar hit instantâneo acabam passando com uma rapidez muito parecida com que elas chegam. Com esse tempo de carreira que eu tenho, vi muitos artistas meteóricos chegarem e com a mesma velocidade sumirem. Assim também são seus hits: apareceram, sumiram e nem viraram clássicos para ficar na história. Hoje em dia não temos nem os artistas de uma música só, porque a música vem, estoura e passa. Demanda para que se faça música nova por semana, por mês... virou uma loucura. Eu tento não trabalhar assim. Dificilmente eu faço as coisas correndo para atender uma demanda e virar refém dela. 
Reportagem da estagiária Letícia Pessôa sob supervisão de Tábata Uchoa
MV Bill está lançando o álbum "DR.Drill" Crédito: Ygor Freitas
MV Bill Crédito: Ygor Freitas
MV Bill Crédito: Ygor Freitas
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MV Bill Crédito: Ygor Freitas
MV Bill Crédito: Ygor Freitas
O artista é referência para muitas pessoas e sabe da sua importância nas comunidades fotos Ygor Freitas / divulgação
MV Bill Crédito: Ygor Freitas

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