Máquina de memes, MC Gorila relembra trajetória no funk: 'Entrei pra sobreviver mesmo'

Pelo nome Paulo dos Santos Fernandes talvez você não o reconheça. Contudo, se você é daqueles que curtia os bailes funk do Rio entre os anos 90 e início dos anos 2000, ou então tá sempre ligado nos memes de hoje em dia, com certeza já ouviu falar do MC Gorila. Cria da Rocinha, entre os altos e baixos de sua carreira de quase três décadas, com seu jeito irreverente, o cantor de 43 anos continua levando alegria para pessoas de todas as idades. Ao MEIA HORA, o funkeiro relembrou sua origem e deu detalhes sobre seus próximos projetos.

"Sou cria da comunidade da Rocinha. Mas desde que comecei a trabalhar com o funk, já morei na Tijuca, Muzema e agora moro em Santa Cruz. E lá na Rocinha eu morei em várias partes. Com certeza ainda tenho um vínculo com a comunidade. Tem o meu filho, o Gorilinha, que é um artista que está começando a cantar de forma independente agora. Tem a casa dos meus pais, irmãos, sobrinhos e muitos amigos na Rocinha", contou ele, que é pai de quatro filhos.

Sobre viver na maior favela da América Latina, Gorila diz que não enfrentou muitas dificuldades, ressaltando os bons momentos que teve enquanto morava lá.

"Dificuldade, depois que eu cheguei numa certa idade, eu me liguei que era feliz lá e não sabia. Não tive dificuldade nenhuma na Rocinha. Com a idade eu aprendi que era muito feliz lá."
No entanto, justamente pelo tamanho da comunidade, o MC aponta um problema.

"Como cresceu muito, faltou espaço. A comunidade precisa de mais espaço. E eu tenho vários projetos maneiros pra lá na minha cabeça. E como eu sou um cria das antigas na Rocinha, acho que posso falar que falta mais espaço lá."

O funkeiro confessou que tem vontade de ajudar as pessoas que assim como ele cresceram na favela e precisam de uma oportunidade.

"Pode ser do que for, o projeto é: se tem um talento me mostra. Porque tem talento para todas direções. Tá ligado? E como eu tenho o conhecimento fortão, só ia dar a direção. É a única coisa que eu posso fazer no momento. Mas se meu trabalho crescesse e meus objetivos fossem concretizados, eu ia ganhar milhões nas favelas do Rio só ajudando essa galera. Ganhar milhões para ajudar milhões. Essa é a meta."

Gorila contou que a vontade de cantar funk foi inspirada em outro MC da Rocinha.

"Minha inspiração foi o MC Galo, da Rocinha, pra mim foi um dos primeiros MCs, junto com o MC D’Eddy. Tinha outros, mas o MC Galo foi o primeiro da Rocinha a estourar pra nível de Brasil com "Olêlê, olalá. A Rocinha pede a paz…" (Rap da Rocinha). Aí veio aquela febre de MC's, como William e Duda. Eu também já tinha começado nessa época, mas os caras já tavam na frente. Então como rolou a febre em São Paulo, aqui foi igualzinho. Com isso começou a vir recurso. Mas eu já tinha sido rejeitado várias vezes, em vários lugares."

Apesar das dificuldades, o MC conta que enxergou no humor a oportunidade de conseguir um espaço no funk, se juntando a um amigo.

"Eu vi a Dança da Galinha, Dança do Canguru, Dança da Cabeça. Por que não a Dança do Gorila? Eu sabia imitar o som da cuíca. Aí do nada veio a ideia de fazer a música", lembrou ele, contando como começou a famosa dupla com MC Preto.

"Nessa época, em 1995, quando saiu a Dança do Gorila (Rap do Gorila), eu trabalhava em uma loja com o Diógenes de Oliveira Silva, o MC Preto. Aí comecei a fazer as músicas, e alguém da loja indicou a dupla. O Diógenes era uma pessoa muito responsável, e eu precisava disso na época. Quando eu trabalhava no Fashion Mall, em São Conrado, tivemos a oportunidade com a Furacão 2000, eles botavam auditório na época. Um dia foram gravar na boate Circus, perto do meu trabalho, mas meu horário não batia. Mas assim mesmo, depois de largar do trabalho, eu fui lá. Peguei a bicicleta e fui. Errei até o caminho. Cheguei e não tinha nem começado. Fui subir e o cara falou que não era lugar de qualquer um, disse que o público era lá embaixo. Por coincidência encontrei um produtor da Furacão, pedi pra cantar e ele deixou. Cantei a Dança do Gorila e no final do programa ele me chamou. Aí eu fui falar com o MC Preto. Comentei que o Rômulo Costa chamou a gente e tal. Mas o Preto escolheu o trabalho, e eu escolhi o funk. Por isso tem aquela gravação minha sozinho na Furacão. Mas mesmo assim, sabendo que eu precisava dele, eu insisti, até que ele foi e começou a dupla", que antes mesmo já arriscava seus primeiros passos na música.

"Lá pra 1990, eu comecei a cantar com uns 12,13 anos. Eu era de menorzão. Ainda virgem e com fimose", disse ele rindo.

Sobre seu nome artístico, o MC contou que a ideia inicial era outra.

"Não ia ser MC Gorila, ia ser Paulo Bruxo, como eu era conhecido quando dançava quadrilha. Eu era conhecido na favela toda porque dançava nas festas juninas. Porque a Rocinha tinha essa tradição de quadrilhas juninas. Então vários setores da favela tinham isso. Rua 2, Paula Brito, Cidade Nova, Fundação, Mariquinha, e Pescando Fogo, que era a Rua 1. Com todo respeito aos dançarinos de quadrilha, eu era o brabo! O melhor de todos! Só não era o bonitinho, mas fazer o que? Mas sobre o apelido... Fazendo um som, a Verônica Costa queria botar MC Macaco. Aí eu falei: "Macaco não, bota MC Gorila que é mais gentil", lembrou.

Já sobre a escolha de viver de música, Gorila contou que a vontade surgiu através da necessidade.

"Eu entrei no funk não foi de bobo não. Foi pra sobreviver mesmo. Eu vi uma oportunidade de sair de onde eu estava. Foi estudado. Teve sem querer sim, porque eu tava no tumulto, então tava atento ao que vinha de bom. O que era ruim eu mandava embora. Me afastava. Ficava longe, pedindo sempre a Deus para não me desviar. Porque sendo bom com as pessoas, com certeza as coisas vão ser boas pra mim. A gente até vacila, mas não de chegar a sangrar, ferir ou pensar na morte de uma pessoa."

Para fugir do que já era feito por muitos, MC Gorila conta que resolveu levar o seu jeito bem humorado para a música.

"Nesse mercado do funk com humor tinha poucas pessoas. Mas sempre existiu, como no tempo do Tião Macalé. O funk mais antigão. Já rolava essa parada lá atrás. Então eu vi que podia levar no humor. O MC Preto, na época, queria cantar romântico. Aí eu falei: "Mano, a gente vai morrer de fome. Não sou galã pra isso." Aí fomos afinando. Teve a Dança do Gorila Gay, naquela época que o pessoal discriminava pra cacet**. Botavam pra fud** naquela época. Isso entre 1995 e 97. E a gente foi por esse caminho pra sobreviver. Fazer barulho. E vou te falar, só não deu bom naquela época porque eu sou negro, e um pouquinho ignorante também… Mas vai dar certo agora. Projeto novo. Tudo novo", contou ele, que encerrou a dupla com MC Preto em 2014.
Apesar de ser conhecido por todos pelo humor, Gorila diz que nunca pensou em se arriscar fazendo stand up, os famosos shows de comédia.

"Eu não sei diferenciar stand up com o que eu faço. Nunca pensei nisso. Talvez as pessoas que me contratam estão ligadas nisso e eu não tô."

Com quase 600 mil inscritos em seu canal no YouTube, MC Gorila tem hits como Cheio de Sal, que acumula mais de 12 milhões de visualizações, e outras músicas que fazem sucesso nas redes sociais, como Meu Gato, Anaconda e Desce Com o Copão Na Mão, sem contar os sucessos da época com MC Preto, como Agarra. O funkeiro contou como surgem as ideias para suas músicas.

"De muitas coisas do dia a dia. É um pouquinho pensando, um pouquinho natural, com um pouquinho do cotidiano e também um pouco dos compositores que mandam. Agradeço também a eles. "

Pelo fato de algumas de suas músicas serem paródias, MC Gorila conta que já enfrentou diversos problemas.

"Como eu não entendo nada dessas paradas (direitos autorais), eu coloco nos meus canais, tem algumas que eu arrisco. Foi por isso que eu perdi Facebook e Instagram. Por não conhecer esse sistema de maluco. Mas eu tô estudando pra não cair nessa de novo. Perdi uma página chamada "Você conhece a Kelly?", com mais de dois milhões de pessoas. Por isso que eu me afastei um pouco. Recuei pra dar impulso. Parei pra entender o mercado e não ficar dando esses moles. Tô lançado minha gravadora, meu estúdio."
Por ser um homem preto, de favela e funkeiro, Gorila conta que precisou bater de frente com o preconceito.

"Tá estampado na cara isso aí. Mas todo dia, do meu jeito, tô trabalhando. É isso que me dá força pra poder quebrar esse sistema", contou ele, que apesar dessas e de outras dificuldades, jamais pensou em desistir.

"Nunca, nunca, nunca. Não posso pensar em desistir porque eu não sei fazer mais nada nessa vida. Não posso nunca!"

Ainda sobre não desistir, o cantor contou que recebe milhares de mensagens de fãs, e que se emociona ao ver que os seus vídeos e letras engraçadas ajudam alguns jovens que lutam contra a depressão.

"Sobre ajudar a curar a depressão, na verdade são eles que me ajudam. As pessoas que me mandam mensagem nas redes sociais, são eles que me ajudam a trabalhar, me dão força pra continuar nessa caminhada. Fico muito feliz por isso! Enche meu coração de alegria!"

Cheio de energia para bombar em 2022, Gorila falou sobre as novidades de sua carreira.

"Pela primeira vez na carreira, vou ter um estúdio meu. Vou trabalhar com muita força. Tentar tirar minhas ideias da cabeça para o computador, para entrar no mundo digital com força. Nesse 2022 eu vou entrar no mundo digital com muita força. Se preparem!", disse o MC, que por fim, compartilhou alguns de seus sonhos.

"Abrir minha empresa, meu estúdio e viajar o mundo. Essa é a meta. Sempre tem que ter uma meta, senão não adianta. Quero ficar sólido com a minha família. Porque esse mundo do funk é complicado. Eu que sou da antiga então… Mas tá maneiro. Tá gostosinho."