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Com obras reconhecidas mundialmente, Maxwell Alexandre quer ser referência para o favelado: 'Tô aqui pra isso'

Cria da Rocinha, artista é um dos grandes nomes da arte contemporânea brasileira e já levou sua arte para diversos países

Reconhecido mundialmente por sua arte, Maxwell Alexandre é cria da Rocinha
Reconhecido mundialmente por sua arte, Maxwell Alexandre é cria da Rocinha -
Ter seu trabalho reconhecido mundialmente não é tarefa das mais fáceis, independente de que área você seja. Para um jovem preto e de comunidade, ter esse reconhecimento é muito mais difícil, sobretudo no mundo das artes plásticas, ainda muito elitista. Nascido, criado e morador da Rocinha, Maxwell Alexandre, de 31 anos, quer ser referência para o favelado e mostrar que apesar das dificuldades, dá pra chegar lá.

Graduado em Design na PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), em 2016, Maxwell lembra das dificuldades que encontrou em seu caminho até o sucesso.
"Acho que eu tive todas as dificuldades mesmo, sabe? Falta de acesso em todos os sentidos. Falta de recursos, muita ignorância, muitos dogmas, muitas cadeias. Faltou comida, cuidado, saneamento, tudo mesmo. Mas ao mesmo tempo era como se não faltasse nada, porque minha mãe sempre esteve ali, dificultando meu sonho por falta de referência, de que o que eu escolhi poderia dar certo, mas sempre guardando tudo. Mãe preta, solo, diarista, segurou tudo!"
Apesar de todas as adversidades, ao olhar para trás, o artista diz que não mudaria nada em sua trajetória, ressaltando mais uma vez o apoio de sua mãe, uma mulher de muita fé.
"Certamente as dificuldades foram o que me fortaleceu. Eu sei que não é pra romantizar esse rolê, mas eu não consigo olhar pra trás e querer mudar algo em minha vida. Depois que tu pula a barreira, depois que tu sobrevive, já era. Não tem mais o que te parar. É como eu me sinto. Minha mãe e o Evangelho dela foram o que mais me ensinou nesta vida, sem dúvidas!"
Conhecendo bem os problemas da Rocinha, que por sinal são comuns a muitas outras comunidades do Brasil, Maxwell destacou uma carência em específico, colocando-se à disposição para ajudar, inspirando o favelado.
"Renovação de referências. Eu tô aqui pra isso."
Maxwell Alexandre possui um ateliê na Rocinha - Divulgação
Vendo as obras de Maxwell Alexandre, fica claro que a sua vivência na favela teve impacto direto na forma que ele expressa sua arte. Segundo o artista, o impacto é tão grande que nem ele mesmo consegue mensurar.
"Difícil medir. É minha vida toda ali. Tenho 31 anos."
Falando em arte, Maxwell lembra bem como ela entrou na sua vida, explicando que o interesse surgiu ainda na infância.
"Eu sempre fui muito bom de desenho. Minha mãe falava que esse era o dom que Deus tinha me dado. Todo mundo na escola pedia desenhos meus, e geral já falava que eu era artista. Eu ainda não sabia de verdade o que era ser um artista, mas certamente esse contexto foi decisivo para seguir este caminho."
Apesar de ter seu talento notado bem cedo, o artista destaca que, assim como muitos outros brasileiros que sonham em viver de arte, ele também não teve apoio.
"Nunca tive apoio de ninguém quando decidi que eu viveria de arte. Absolutamente ninguém."
Maxwell Alexandre quer ser referência para o favelado - GUI GOMES / Divulgação
Para proporcionar o que ele não teve, Maxwell faz questão de levar a arte para os jovens da favela, explicando que nesse processo, além de ensinar, ele também aprende muita coisa.
"As crianças são os artistas mais espontâneos e naturais, então acaba sendo um recurso de aprendizado para mim mesmo."
Inclusive, recentemente o artista realizou uma ação voltada para as crianças da Rocinha.
"Há duas semanas atrás eu fiz a oficina Corpo-Bandeira, na Biblioteca Parque da Rocinha, onde desenhei com as crianças da comunidade silhuetas de seus corpos em papel pardo. Depois juntamos tudo e fizemos uma grande bandeira de papel de aproximadamente 10 metros. No final de semana seguinte, como extensão deste evento, organizamos uma Vernissage onde as crianças foram convidadas a contemplar os trabalhos produzidos. Eu e minha equipe suspendemos os trabalhos pela fachada do edifício da Biblioteca e as crianças puderam testemunhar tudo lá de baixo. Depois servimos dois bolos bem específicos, um de Danone e outro de Toddynho, para celebrarmos o ciclo de trabalho."
Curiosamente, antes de se debruçar 100% nas artes, Maxwell fez outras coisas bem diferentes.
"Servi o exército e fui patinador de street profissional durante 10 anos. A Igreja, o esporte e o militarismo são meus pilares", conta ele, que apesar de não ser mais evangélico, ainda se considera um homem religioso. Inclusive, em seu Instagram, ele se refere aos seus mais de 47 mil seguidores como Igreja, o que a princípio pode soar estranho. Contudo, o artista explica o motivo por trás disso.
"Pra mim tudo é Igreja. Qualquer grupo social, tarefa, campo de atuação, pessoa, tudo… Mas me refiro ao meu público assim, porque eu falo como membro da Igreja do Reino da Arte, também conhecida como A Noiva. Uma Igreja especificamente para artistas e amantes da arte."
Ao mesmo tempo em que serve de inspiração para muitos outros artistas, Maxwell Alexandre também é constantemente inspirado.
"Minhas referências são diversas, então vou me permitir listar apenas algumas na qual eu tenho prestado bastante atenção nos últimos meses. São eles: Gregório Duvivier, Caetano Veloso, Solange, Milton Nascimento, Playboi Carti, Gilberto Gil, Bispo do Rosário e Rosalía", listou ele.
Tendo citado diversos músicos como algumas de suas referências atuais, Maxwell também já se testou nesta área. O artista destaca a importância de não ficar acomodado e buscar novas experiências.
"Migrar de campo é uma forma de continuar progredindo, eu acredito. Além de que, cada mídia te oferece respostas diferentes e às vezes bem mais imprevisíveis. Como a música é uma área da qual eu não domino, por exemplo, acaba sendo mais interessante porque eu tenho que improvisar mais. Então o próprio fazer se apresenta como coautor do que se está criando. Isso acontece com muita força e de uma forma quase profética. Quer dizer, se eu não consigo falar o que quero por falta de capacidade técnica de encaixar um verso dentro de uma batida específica, eu automaticamente fico atento para algum caminho que o processo poderá me indicar como uma possível saída, em relação a minha não-habilidade com a coisa. A profecia tá nisso, porque eu acabo juntando coisas que não foram premeditadas num trabalho e isso sempre me surpreende. Mudar de mídia, de área e de estratégia é minha forma de continuar sendo artista de uma maneira muito honesta."
Uma das características mais marcantes nas obras de Maxwell Alexandre é retratar temas extremamente atuais, como racismo e violência policial. O artista fala sobre a importância de debater tais assuntos através da arte.
"Esses temas eram pouco tratados nas artes plásticas antes de mim, principalmente em pintura, com tanta sofisticação poética e sutileza. A pintura é uma mídia religiosa e muito tradicional, uma plataforma muito respeitada e influente, e tem sido a mídia principal de minha prática. Então acaba que eu tenho esse veículo para projetar minhas ideias. É importante ter isso mapeado porque eu posso manipular muitas coisas a partir disso. Mas confesso que estou mais interessado, enquanto artista, nas contradições que a arte enquanto campo pode me oferecer, e em como eu posso colocar isso no mundo."
Em suas obras, Maxwell Alexandre retrata temas extremamente atuais, como racismo e violência policia - Divulgação
Outra característica marcante na obra de Maxwell é a utilização do papel pardo. Entretanto, ele explica que tal escolha se deu por necessidade.
"Não foi uma escolha premeditada. Eu não tinha muitas opções de material tradicionais para desenho e pintura, então eu passei a coletar sobras de material dos laboratórios de design de minha faculdade, e um desses materiais eram fragmentos de papel pardo que eu encontrava especificamente no laboratório de moda. O papel pardo é muito usado no processo de modelagem e feitura de roupas", conta ele.
Alexandre, que em 2018 teve o reconhecimento da Arquidiocese e recebeu o Prêmio São Sebastião de Cultura, opina que o mundo da arte ainda é muito restrito. Entretanto, ele já consegue ver avanços, colocando-se como uma figura importante neste processo.

"É muito fechado, mas as coisas têm mudado e eu me vejo na vanguarda dessa mudança. Eu me sinto muito preparado, porque sempre me senti artista, não na definição tradicional que conhecemos. Mas sempre fui de questionar, manter a dúvida, pesquisar, fazer laboratório e investigar as coisas, pessoas, comportamentos e por aí vai. Hoje como artista profissional, eu olho pra trás e parece que era mesmo meu destino."

Apesar de ter consciência de que não sair da favela é importante para servir de referência, Maxwell conta que a demanda de seu trabalho cresceu tanto, que ele já não consegue ficar apenas na Rocinha.
"Em certa medida, parte desse momento chegou para mim, porque meu ateliê na Rocinha ficou muito pequeno. Então precisei alugar um espaço maior, e só lá pro centro do Rio que eu pude encontrar algo generoso nesse sentido."
Mesmo com todo o seu sucesso dentro da arte contemporânea, tendo o seu trabalho exposto na Inglaterra, Espanha e até no Palais de Tokyo, grande centro de arte moderna e contemporânea localizado em Paris, na França, Maxwell se mantém com os pés no chão quando o assunto é sonhar.
"Não tenho um grande sonho não. Eu acho que minha parada é caminhar mesmo. Quando você caminha tudo acaba sendo sonho."
Por fim, Maxwell Alexandre faz um convite para quem quer conferir de perto o seu trabalho.
"Tem algumas obras participando em exposições coletivas. Aqui no Rio tem a exposição Composição Carioca, no Centro Cultural PGE-RJ; em São Paulo, a exposição sobre Bispo do Rosário, no Itaú Cultural; e em Madrid, a exposição BAJO EL SOL na galeria Travesia Cuatro."
Reconhecido mundialmente por sua arte, Maxwell Alexandre é cria da Rocinha Vitória Proença / Divulgação
Maxwell Alexandre quer ser referência para o favelado GUI GOMES / Divulgação
Obra Dalila, de Maxwell Alexandre Divulgação
Maxwell Alexandre é graduado em Design na PUC-RJ Divulgação
A utilização do papel pardo é uma marca do trabalho de Maxwell Alexandre Divulgação
Maxwell Alexandre possui um ateliê na Rocinha Divulgação
Maxwell Alexandre já teve suas obras expostas no Palais de Tokyo, edifício consagrado à arte moderna e contemporânea situado em Paris Divulgação
Em suas obras, Maxwell Alexandre retrata temas extremamente atuais, como racismo e violência policia Divulgação
Dalila retocando meus dreads (2020) Divulgação
Dalila retocando meus dreads (2020) Divulgação

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