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Jovens negros, gays e periféricos fazem sucesso com websérie ‘Você é o melhor pra mim’

Idealizada e protagonizada por Victor Marinho, obra também retrata cotidiano de pessoas soropositivas, a fim de quebrar tabus sobre indivíduos portadores de HIV

Victor Marinho e Victor Monartz na terceira temporada de 'Você é o melhor pra mim'
Victor Marinho e Victor Monartz na terceira temporada de 'Você é o melhor pra mim' -
Rio - Jovens artistas negros, gays e periféricos estão fazendo sucesso com a websérie "Você é o melhor pra mim", que estreou sua terceira temporada no último dia 10. A obra, idealizada e protagonizada por Victor Marinho, que também é curador do Cine Roof — projeto de cinema gratuito realizado pelo Epicentro, em Madureira — e dirigida por Carlos Matheus, tem como objetivo ampliar narrativas LGBTs e, igualmente, aumentar a representatividade de pessoas negras nas produções audiovisuais.
Na trama, o espectador também é apresentado ao personagem Hugo, um dos coadjuvantes, interpretado pelo ator Victor Monartz, que descobre ser portador do vírus HIV. No desenrolar de seu cotidiano ao decorrer dos episódios da produção percebe-se ainda um teor educativo, capaz de auxiliar na quebra de tabus acerca de indivíduos soropositivos.
Quando e como surgiu a ideia da série "Você é o melhor pra mim"? Qual objetivo vocês gostariam de alcançar com a produção?
[Victor Marinho]: No início, eu havia me juntado com um amigo, Rafael Rocha, para criar um filme, porque a série foi originada de um filme homônimo, que a gente criou. Então, nós pensamos "Vamos fazer uma obra em que as pessoas sejam próximas da gente? Vamos trazer para nossa vivência?", porque vemos milhares de gays, pessoas pretas e periféricas ao nosso entorno, mas dificilmente os vemos representados nas histórias que são contadas.
[Carlos Matheus]: Tudo surgiu com a tentativa de mostrar que a nossa vida [de pessoas negras e periféricas] não são só as dores que a sociedade tenta impor na gente. Por exemplo, quando vamos para mídia tradicional, sempre vemos os corpos negros sendo tratados da mesma forma, parece que não podem contar outras histórias que não sejam sofrimento, preconceito, e a gente quis mostrar essas pessoas pretas e LGBTs sem esse estereótipo.
Como vocês fazem para lidar com questões delicadas, como a dos soropositivos, que também são retratados na obra? Qual é a responsabilidade que os envolvidos em uma produção audiovisual precisam ter para verdadeiramente informar os espectadores, ao invés de reforçar estigmas?
[Victor Marinho]: A gente veio com a ideia de trazer a questão soropositiva para quebrar esse tabu, porque as pessoas não entendem. Muitos acreditam que quando alguém se relaciona com uma pessoa positiva está assinando a sentença de morte, sabe? "Ai, ele é soropositivo e vou me afastar", essas coisas que as pessoas fazem. No entanto, pode ser o contrário. Existem várias pessoas soropositivas que são até mais saudáveis que pessoas que não são soropositivas. A gente quis "destabulizar" isso e levar essa informação para pessoas que dificilmente teriam acesso à ela. Infelizmente, agora, uma série chega, às vezes, mais longe que um livro… Então, já que está tendo esse apelo popular, é importante levarmos assuntos pertinentes para as pessoas.
[Carlos Matheus]: A minha preocupação, enquanto diretor, principalmente nesta terceira temporada, é trazer a excelência. Porque muitas pessoas pretas e LGBTs são excelentes, mas muitas vezes nos rotulam, e acreditam que sejamos incapazes de avançar... Queremos fazer um trabalho educacional, mas através de uma outra perspectiva, por intermédio da arte, porque às vezes, pelas medidas didáticas, as pessoas estão dispostas a escutar. Queremos mostrar a diversidade que existe, até entre nós mesmos, na nossa vivência. É mais fácil falar de um assunto quando temos propriedade para falar.
Para vocês, qual é a importância de retratar as temáticas abordadas na websérie?
[Victor Marinho]: Com a websérie conseguimos fazer algo que dificilmente acontece com atores pretos em produções tradicionais. Somos sempre colocados para fazer aquele mesmo perfil, e somos sempre cotados para poucas vagas dentro de uma produção. Eu quis mudar isso e consegui alcançar muitas outras pessoas pretas que também querem participar de obras desse tipo.
[Victor Monartz]: É muito importante estarmos nesse lugar, abordarmos esses assuntos. Eu evoluí muito como ator e como ser humano também, através do meu personagem. Quando eu peguei o personagem, eu não imaginava o tamanho que ele teria. Depois do Hugo eu dei palestras, tive contato com pessoas soropositivas, pude realmente representá-los na minha atuação. Essas pessoas sonham, fazem e acontecem e não deixam de viver por causa dessa questão.
Havia outra série que serviu como modelo para que "Você é o melhor pra mim" fosse desenvolvida desta forma?
[Victor Marinho]: Sim, sim. Então, eu assistia a uma websérie chamada "Positivos", que se passava no Rio de Janeiro, mas na área rica, na Zona Sul. Mas os personagem negros eram sempre muito estereotipados, aquele pobre coitado, sonhador... Depois, quando eu comecei a me entender como homem gay, perceber que isso não é errado, eu consegui ter segurança para desenvolver esse lado meu no YouTube.
Vocês acreditam que conseguiram alcançar parte do que pretendiam desde o ano de concepção da websérie?
[Victor Marinho]: Sim. É um caminho totalmente fora da curva que a gente faz. Nós, pretos, queremos contar as nossas próprias histórias, estamos cansados de fazer o que nos mandam fazer, queremos ter autonomia de criação. Eu não vou dizer que nunca trabalharei em um canal de televisão, mas se eu for para televisão, sei que sou muito mais que apenas os trabalhos comumente dados para os negros nesses espaços. A gente está começando a furar bolhas e mostrando que relações entre pessoas do mesmo sexo são relações naturais.
[Carlos Matheus]: Nós somos o primeiro canal que faz o que faz. Sabemos que se colocarmos mais pessoas brancas para atuar, poderemos crescer mais rápido, mas queremos olhar para trás e sentir orgulho do que fazemos. Queremos alcançar por nós mesmos. Então, sim, cada passo que a gente dá pode ser muito gratificante. Cada passo que a gente dá as pessoas vão compreender que nossa história é muito mais complexa do que a mídia tradicional tenta mostrar.
Reportagem da estagiária Esther Almeida sob supervisão de Tábata Uchoa
Confira a websérie
Victor Marinho e Victor Monartz na terceira temporada de 'Você é o melhor pra mim' Divulgação
Victor Marinho e Victor Monartz na terceira temporada de 'Você é o melhor pra mim' Divulgação
Elenco da terceira temporada de 'Você é o melhor pra mim' fotos Divulgação

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