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Covid-19: relatório aponta irregularidades na compra de testes por hospitais do Rio

Compras por dispensa de licitação pelo Hospital Federal de Bonsucesso e Hospital Federal dos Servidores do Estado foram mostradas em reportagens de O DIA

Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE)
Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE) -
Rio - As direções do Hospital Federal de Bonsucesso (HFB) e do Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE) não se interessaram em verificar, junto ao Ministério da Saúde, as possibilidades de mercado e do uso de estoque existente da pasta durante o processo de compra, por dispensa de licitação, de testes RT-PCR para o diagnóstico da covid-19. Essa é uma das conclusões do relatório do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus), produzido após vistorias nas unidades para verificar a legalidade das aquisições, e que apontou, ainda, uma série de outras omissões e irregularidades. As inspeções foram feitas após reportagens de o DIA sobre as aquisições dos testes.
A primeira compra foi feita pelo HFSE no valor de R$ 1,2 milhão para aquisição de 4.500 testes. As notas de empenho para pagamento à empresa foram emitidas em 12 de novembro. Já a aquisição feita pelo HFB foi de 3.600 testes, no valor de R$ 997 mil, com pagamentos realizados em 11 de dezembro.
Segundo o relatório do Denasus, não consta em nenhum momento no projeto básico e na cotação de preços para as empresas a informação de que os testes deveriam ser da marca Abbott, os únicos modelos que seriam compatíveis com as máquinas dos hospitais para as leituras das amostras colhidas de pacientes e profissionais, e que também são da marca Abbott.
Com isso, aponta o relatório, não houve concorrência entre diferentes empresas, pois apenas uma empresa é fornecedora, no Rio, de testes RT-PCR da marca Abbott, a Promovendo Comércio e Representações de Material Hospitalar LTDA, que venceu as duas licitações.
"Deduz-se que os hospitais ficam à mercê da empresa", diz trecho da conclusão do relatório, ao qual O DIA teve acesso, acrescentando que a falta de concorrentes poderia dar margem para que o produto fosse comercializado com preços superiores a outras marcas mais acessíveis e adaptadas a outras máquinas, como as do Lacen (Laboratório Central de Saúde Pública Noel Nutels).
A descrição não detalhada do item, segundo o relatório, está em desacordo com o artigo 15 da Lei nº 8.666/1993, que institui normas para licitações e contratos da administração pública.
O relatório também afirma que os hospitais não tiveram interesse em avaliar junto ao Ministério da Saúde se seria vantajoso adquirir máquinas compatíveis com os kits existentes em estoque da pasta, da marca Seegene, ou se manteria a aquisição do insumo adaptável à máquina Abbott.
"O estudo permitiria avaliar, ainda, se seria vantajoso o envio dos testes ao Lacen e/ou Fiocruz", diz o Denasus.
Nesse ponto, o relatório destaca que, no processo de compra dos hospitais, foi apontado de forma equivocada o prazo estimado para análise das amostras pelo Lacen. Segundo o Denasus, o prazo informado pelos hospitais no processo de compra era superior ao que, de fato, o laboratório praticava no momento das compras. O prazo equivocado, segundo o Denasus, serviu de justificativa para a aquisição dos testes.

Na justificativa do HFB, em setembro de 2020, o hospital informa que o Lacen demorava de oito a 10 dias para enviar o resultado das amostras. Porém, segundo o relatório, o Lacen afirmou que, no período, os resultados poderiam sair em até 48 horas. Já na justificativa do HFSE havia a informação, em agosto de 2020, de que o Lacen levava cerca de sete dias para enviar o resultado das amostras. A inspeção aponta que o Lacen disse que, à época, os resultados poderiam sair em até 72 horas.
Nas duas consultas feitas pelo Denasus, o relatório destaca que o Lacen informou que os prazos ainda poderiam ser acelerados em até 24 horas em casos de urgência a partir da solicitação dos hospitais.
Estimativa de preços e armazenamento equivocados
O relatório também afirma que, nos dois processos de compra dos hospitais, houve equívoco no cálculo da cotação da estimativa de preços, com médias mal apuradas, que tiveram valores superiores. Segundo o relatório, os dois hospitais não excluíram os valores considerados excessivamente elevados na pesquisa de preços, o que está em desacordo com a Instrução Normativa nº 73, de 2020, da Secretaria de Gestão do Ministério da Economia.
No HFB, o valor médio para a estimativa de preço para a compra ficou em R$ 289,58, quando deveria ser de R$ 177,40. Já no HFSE, o valor médio ficou em R$ 416,68, em detrimento do valor de R$ 153,12. 
Ainda de acordo com o relatório, foi constatado, nos dois hospitais, condições inadequadas de armazenamento dos testes de covid-19, pois as geladeiras não estavam com controle de temperatura atualizados e não foi verificado controle de temperatura e umidade dos ambientes. Em relação ao HFSE, a equipe do Denasus destacou que as instalações físicas não estavam em bom estado de conservação: havia rachaduras e buracos nos tetos e nos pisos.
A vistoria do Denasus também chama atenção para o fato de não terem sido publicados nos sites do HFB e HFSE os processos de compra dos testes, cuja publicidade na internet é exigida pela Lei nº 13.979/2020.
HFB e HFSE: casos específicos
As conclusões do relatório do Denasus também chamam atenção para casos específicos na duas unidades. No HFB, a vistoria afirma que houve prazo curto para que os interessados pudessem elaborar suas propostas: a divulgação da licitação foi publicada apenas em jornal de grande circulação, e não no Diário Oficial da União, numa sexta-feira (27/11/2020), com apresentação das propostas pelas empresas marcada para segunda-feira (30/11/2020). 
Já em relação ao HFSE, o Denasus afirma que foram verificadas pela equipe de fiscalização caixas dos testes de covid-19 enviadas pela empresa antes mesmo do processo de finalização da contratação. "(...) sendo que não consta termo de recebimento por comissão formada pelo hospital para recebimento do material", diz o relatório.
Recomendações 
No fim do relatório, o Denasus recomenda que nas próximas aquisições os hospitais façam um aprimoramento nos seus processos de compras, com maior estudo prévio e descrição detalhada do objeto, divulgação ampla e transparência nos resultados, assim como contato com o Lacen e o Ministério da Saúde para verificar a disponibilidade dos insumos.
Já em relação à estocagem dos insumos, o relatório recomenda que os hospitais sigam as boas práticas de armazenamento e estocagem e que o monitoramento do ambiente seja registrado e colocado à vista dos colaboradores e gestores. 
Repostas 
Questionadas pela reportagem sobre as irregularidades apontadas no relatório, as direções dos hospitais se limitaram a dizer que "não identificaram o recebimento do referido relatório do Denasus".
O DIA também procurou o Denasus, para apurar possíveis desdobramentos do relatório e confirmar o envio do documento às unidades de saúde, mas ainda não obteve resposta. 
Já a empresa Promovendo Comércio e Representações de Material Hospitalar LTDA, que venceu as duas licitações, informou que os dois hospitais não especificam a marca Abbott no processo de compra, aceitando qualquer fabricante com seus equipamentos (Extração e Amplificação). E destaca o seguinte trecho da licitação do HFSE: 
"Caso o material adquirido não seja da marca Abbott já existente na unidade, a empresa vencedora deverá fornecer equipamentos em comodato para realizar todas as etapas do teste, incluindo extração e amplificação do RNA-Viral". 
Sobre a afirmação do Denasus de que houve antecipação da entrega dos testes para o HFSE antes da finalização do processo de compra, a empresa responde: 
"Não houve entrega antecipada. A empresa forneceu após o recebimento das notas de empenho, com respectivos fornecimentos através de notas fiscais". 
Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE) Daniel Castelo Branco
Hospital Federal de Bonsucesso (HFB) Reginaldo Pimenta / Agencia O Dia