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Confrontos com a PM que deixaram 18 feridos aconteceram em áreas dominadas pela mesma facção

Polícia Militar e traficantes trocaram tiros em três comunidades da Zona Norte do Rio, todas dominadas pela facção Comando Vermelho. Nove pessoas foram mortas nas ações

Morro dos Prazeres, Santa Teresa
Morro dos Prazeres, Santa Teresa -
Rio - Os confrontos ocorridos nos últimos dois dias, que deixaram 9 mortos e 18 baleados no Rio, aconteceram em áreas dominadas por uma mesma facção, o Comando Vermelho. No 'cinturão' da região central, houve tiroteios nos morros dos Prazeres e da Providência. Houve confrontos também no Morro do Juramento, comunidade conquistada pela facção nos últimos anos e estratégica para a manutenção do seu poder na Zona Norte da cidade.

Seis pessoas morreram no Morro do Juramento, duas nos Prazeres e uma na Providência. Foram registrados ainda tiroteios no Complexo do Lins e no Morro da Mangueira, também dominados pelo CV. Oficialmente, a Polícia Militar diz que não houve operação em nenhum dos locais, e que equipes policiais foram atacadas a tiros. A corporação informou que abriu sindicância para apurar as mortes.

Perito e psicanalista forense, José Ricardo Bandeira acredita que o investimento em inteligência é fundamental para diminuir a quantidade de confrontos nas comunidades do Rio.

"Sendo confrontos em locais diferentes mas efetuados em uma mesma facção, logicamente a hipótese de coincidência fica remota. A inteligência policial deveria ter detectado com antecedência qualquer tipo de movimentação dos criminosos em relação aos atentados, ou monitorar essa complicação. O grande prisma é que não temos investimento em inteligência e investigação. Nossa polícia é praticamente cega e surda. A gente não vê e não ouve. Nos últimos anos, os investimentos de inteligência foram irrisórios. Não somos capazes de descobrir com antecedência as movimentações. Vejamos o caso Marielle, o caso dos meninos de Belford Roxo", avaliou Bandeira.

Bandeira também ressalta que a política imposta na PM é de enfrentamento, o que representa alta letalidade.

"Como a gente não tem nenhum serviço de inteligência que tenham capturado essa comunicação antes dos eventos, ou após os eventos, fica um tanto quanto difícil é sustentar a tese de uma ação orquestrada de criminosos em vários locais diferentes, com o objetivo de alvejar a polícia. Essa versão da Polícia Militar não se sustenta em bases de informações da inteligência. Infelizmente, temos, não só no Rio de Janeiro, como também em outros estados, uma clara política de enfrentamento. Os nossos governantes só sabem pensar em combate a criminalidade através do enfrentamento. Assim, temos uma polícia que é altamente letal. Mesmo tendo uma decisão do STF que proíbe esse tipo de ações nas comunidades, a gente sabe que a Polícia Militar continua fazendo esse tipo de operações e continua obtendo o mesmo resultado, que é a morte de pessoas".

Marceneiro e vigilante estão entre as 18 vítimas

No período de 12 horas, da noite de segunda-feira a manhã de terça (27), um vigilante, uma caixa de supermercado e um marceneiro estão entre os 18 baleados. O vigilante, Denis Francisco Lima Paes, e o marceneiro, Gemerson Patricio de Souza, morreram.

A caixa de supermercado Bruna Barros Viana, de 39 anos, foi atingida no pescoço, e sobreviveu. Bruna foi baleada na noite da última segunda-feira (26), quando passava de van na Rua Barão de Petrópolis, no Rio Comprido, quando ia visitar a filha. No local, a PM informou que o traficante Marcelo da Silva Guilherme, o Marcelinho dos Prazeres, foi morto, e Alcemir Joaquim, o Baby, foi baleado. Eles eram dois dos chefes do tráfico na região.

Na tarde de ontem, a família de Bruna informou que ela passava bem e já conseguia conversar com a família.
Informações iniciais apontavam que ela não conseguia mover as pernas e os braços. No entanto, segundo a família da baleada, o quadro de saúde foi estabilizado e Bruna já consegue realizar pequenos movimentos. O médico informou à família que por muito pouco ela não faleceu.

O vigilante Denis também foi baleado no Morro dos Prazeres, também na noite de segunda (26). Ele foi ferido na perna e chegou a ser levado com vida para o hospital, mas não resistiu. O trabalhador estava voltando para casa quando foi atingido. Ele deixa esposa e cinco filhos.

Já o marceneiro Gemerson morreu durante o intenso tiroteio entre criminosos e policiais militares, no começo da manhã de terça-feira (27), no Morro do Juramento, em Vicente de Carvalho, na Zona Norte do Rio. De acordo com a PM, pelo menos sete pessoas foram baleadas na região.
Gemerson Patrício foi atingido quando passava na passarela localizada acima da Avenida Pastor Martin Luther King Jr., na altura da estação do metrô de Tomás Coelho. Ele foi socorrido para o Hospital municipal Salgado Filho, no Méier, mas não resistiu e morreu.

De acordo com amigos, que prestaram homenagens ao trabalhador nas redes sociais, Gemerson estava a caminho do trabalho.

'Não havia operação', afirma PM

O porta-voz da Polícia Militar afirmou que pelo menos nove pessoas morreram em ações policiais desde a noite de ontem no Rio, em um intervalo de 12 horas. Seis dessas eram criminosos, segundo o porta-voz Rafael Batista. A PM apura a identificação dos outros três. A declaração foi dada ao RJTV, da TV Globo. Outras nove pessoas ficaram feridas nas ações.

Em nota, a corporação informou que na comunidade dos Prazeres, policiais militares da UPP foram atacados no final da noite de segunda-feira (26) por criminosos e houve um confronto. Na ação, dois homens foram baleados e não resistiram. Entre os criminosos estava Marcelo da Silva Guilherme, o Marcelinho dos Prazeres, apontado como chefe do tráfico local e Alcemir Joaquim Santana, conhecido como Baby, de 30 anos.
Durante manhã de terça-feira (27), a PM também realizou ações em mais duas comunidades da Zona Norte. As ações aconteceram no Morro da Providência, no Centro do Rio, no Morro do Juramento e na Mangueira, Zona Norte do Rio.

No Morro do Juramento, pelo menos sete pessoas ficaram feridas. Segundo a corporação, policiais militares do 41º BPM (Irajá) foram atacados na manhã de terça-feira (27) por criminosos armados atravessando uma passarela na Avenida Martin Luther King, altura de Vicente de Carvalho, dando início a uma reação da equipe. Dez pessoas foram baleadas e socorridas ao Hospital Estadual Carlos Chagas e Hospital Municipal Salgado Filho. Quatro fuzis, quatro pistolas, uma granada e drogas não contabilizadas foram apreendidos.

Já no Morro dos Providência, a PM informou que equipes da UPP estavam em policiamento para verificar denúncias de criminosos armados na comunidade. No local, os policiais teriam sido atacados por disparos e houve confronto. Um suspeito foi baleado e encaminhado ao Hospital Municipal Souza Aguiar.
A Delegacia de Homicídios da Capital investiga as atuações da Polícia Militar.
Comando Vermelho domina Zona Norte

Prazeres e Providência são dominadas pelo CV há décadas, e fazem parte de um cinturão no Centro da cidade que ainda conta com o Fallet/Fogueteiro, em Santa Teresa, e o Turano, no Rio Comprido. Investigadores afirmam que a região é das mais lucrativas para a facção, principalmente pela sua localização central.

Já o Morro do Juramento, em Vicente de Carvalho, foi tomado pela facção em 2017. A favela ficou famosa na década de 1980 pela liderança do traficante José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha. Desde então, ganhou relevância no mapa do tráfico carioca. Em maio do ano passado, membros de um grupo rival tentaram invadir o Juramento, mas foram mortos durante confrontos.
*Luisa Bertola é estagiária